Um papo sinistro

Um papo sinistro

Quem escreve com a mão direita é destro, quem escreve com a mão esquerda é sinistro ou canhoto. Alguns costumes revelam o preconceito com o lado esquerdo do corpo, como por exemplo: “jogadores de futebol, ao entrarem em campo, preferem pisar com o pé direito no gramado”, para dar “sorte”. O poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu: “E se Deus é canhoto e criou com a mão esquerda? Isso explica, talvez, as coisas deste Mundo”, aludindo às coisas erradas que existem no mundo. No mundo antigo, relacionava-se o pecado e a tentação ao lado esquerdo do corpo. Escrever com a mão esquerda era um ato de indisciplina e a criança tinha que ser educada a escrever com a mão direita – a “mão certa”.  Em nossa língua portuguesa, como em outras, canhoto também tem o sentido de inábil, desajeitado, incorreto, ameaçador. Em todos os idiomas o canhoto é aquele “ser estranho”.

O canhoto ainda sofre em meio a uma sociedade de aproximadamente 90% de destros. Tarefas simples, como utilizar uma tesoura, abrir um enlatado ou uma porta, podem ser desafiadoras.

Você que é destro, experimente pegar uma tesoura com a mão esquerda para avaliar essa dificuldade. O lado do corte fica para fora. Mesmo que você gire a tesoura, o corte sempre estará para fora. Na época em que Paulo Maluf foi governador de São Paulo, criou-se a determinação de que ao menos 5% das carteiras nas escolas públicas fossem especiais para canhotos, isto é, com a mesinha de apoio no lado esquerdo. Avanço mínimo!

 

Dia do Canhoto

Essa data comemorativa surgiu no Reino Unido pela iniciativa do clube britânico Left-Handres Day Club, em 13 de agosto de 1976.

Nesse universo “sinistro” tem muita gente famosa: Albert Einstein, Aristóteles, Ayrton Senna, Beethoven, Bill Gates, Fidel Castro, Leonardo Da Vinci, Machado de Assis, Mahatma Gandhi, Mozart, Napoleão Bonaparte, Paul McCartney, Pelé, Picasso, Lady Gaga.

Em 90% das pessoas, o lado dominante é o esquerdo, responsável por comandar o lado direito do corpo. Assim, a maioria das pessoas escreve com a mão direita, chuta uma bola com o pé direito, cumprimenta com a mão direita. Nos outros 10% da população, o hemisfério direito é o dominante, por isso elas têm mais habilidade com o lado esquerdo do corpo, sendo tudo mais fácil de fazer com esse lado.

Essa condição de dominância é uma herança recessiva. O lado direito do cérebro comanda as ações do lado esquerdo do corpo e o lado esquerdo do cérebro comanda as ações do lado direito. O lado esquerdo, por exemplo, responde melhor aos estímulos da fala e da escrita, o direito atende à linguagem não verbal, como as expressões faciais e os movimentos do corpo. Há, entretanto, pessoas ambidestras, que escrevem com as duas mãos. Há os que escrevem com uma mão e chutam e driblam melhor com o pé do lado contrário. Canhotos e destros podem ter habilidades diferentes, as quais podem ser explicadas pelas diferentes capacidades ligadas a cada hemisfério cerebral. Veja, entretanto, que na pequena lista de canhotos acima mostrada há gênios matemáticos, musicais, artistas, extrapolando as dominâncias específicas atribuídas a cada hemisfério cerebral.

A dominância é mais forte nas mãos, porque elas exigem atividades mais sofisticadas, ou finas, como a escrita. Essa “facilidade” com o lado esquerdo aparece logo no primeiro ano de vida. A criança escolhe uma mão para conhecer o mundo, apalpando, tentando pegar alguma coisa, fazendo os primeiros garatujos. Mas a confirmação real dessa dominância virá em torno dos seis anos, quando a criança começa a ser alfabetizada.


Dicas importantes para pais de canhotos

1 – Se você notou que seu filho pequeno tem tendência a ser canhoto, avise a escola para que os educadores o ajudem nessa descoberta.

2 – Caso a criança esteja sendo alfabetizada, converse com a escola para que seja providenciada uma carteira adequada.

3 – Não “corrija” a criança, mudando os objetos da mão esquerda para a direita. Senão ela pode ter dificuldade de aprendizado.

4 – Mesmo com poucas ofertas, compre o que for desenvolvido para ele como canhoto.

5 – Para manter bem a autoestima do filho, invente histórias de reis, rainhas, heróis e heroínas canhotos. 

 

 

Relator:
Fernando MF Oliveira
Coordenador do Blog Pediatra Orienta da Sociedade de Pediatria de São Paulo

 

Foto: mproduction I depositphotos.com