Um Conto Sombrio dos Grimm: qual a idade indicativa?

Um Conto Sombrio dos Grimm: qual a idade indicativa?

Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto divulgado em 23/11/2021


Comentário sobre a série Um Conto Sombrio dos Grimm, produção da Netflix que estreou em 8/10/2021, destinada a maiores de 10 anos de idade.

Apesar do pouco tempo de exibição, já estão “chovendo” recomendações de pais assustados solicitando que as famílias “bloqueiem” a série para que os filhos não a vejam. Inspirada em alguns contos dos irmãos Grimm, mescla os enredos e choca logo nos primeiros minutos do episódio 1, (aqui vai um spoiler) quando os pais decapitam os filhos. Depois, as cabeças são costuradas com um fio mágico, “ressuscitando” seus corpos. Na sequência há mais cenas chocantes: violência, canibalismo, viagem ao inferno, entre outras e, mesmo para uma cultura diferente da nossa – como a escandinava – esse tipo de história pode ser difícil de aceitar.

Em toda fábula há uma partida, na qual são apresentados os personagens e a situação. Pode ser um evento traumático, uma briga, uma frustração, um desconforto, uma dúvida; enfim, é grande o leque de opções. Segue-se uma travessia, com emboscadas, lutas, situações perigosas, seres fantasmagóricos, personagens do mal. Paralelamente, a esperança nunca deixa de estar presente por meio de personagens do bem, fadas por exemplo. Na parte final ou chegada – em geral com final feliz – há um ensinamento, uma “moral da história”.

Esta série tem méritos: aborda questões relevantes que merecem discussão. Erra, no entanto, ao definir a faixa etária a que se destina. A riqueza dos temas apresentados só pode ser captada por pessoas com pensamento abstrato já desenvolvido, que não ocorre em menores de 10 anos.

A narrativa é contada por 3 corvos com personalidades diferentes: o sádico, o contemporizador e o pragmático. Esses personagens aparecem na tentativa de ocultar formas de violência mais pesadas ou para avisar para os pais que as cenas são fortes.

Os personagens principais são duas crianças – João e Maria – que parecem adolescentes. No início, partem em busca de um lar e de uma família perfeitos” e, pelo caminho, encontram vários personagens, que pensam ser a solução buscada. Andam por lugares escuros, que simbolizam o medo e a angústia que sentem.  Tentam encontrar o Norte, o caminho, com o encontro com “seres”, como o sol, a lua e as nuvens. 

João e Maria chegam a seu destino mais altos e fortes (isto simboliza o crescimento na adolescência) e Maria está decidida a construir, para ela e para o irmão, um “lar perfeito”, onde eles serão seus próprios pais e cuidadores. São recepcionados por uma árvore gigante e falante que dá apenas uma orientação: “peguem só o que lhes for necessário, para que a harmonia seja mantida neste local”, sendo que João não se contenta com as frutas e quer caçar e, aos poucos, torna-se agressivo e predador e se distancia da irmã e seguem caminhos diferentes.                             

A série aborda, de forma resumida, os seguintes temas:

  1. A transição da infância para a adolescência;
  2. O processo do amadurecimento;
  3. A realidade de não existirem pais perfeitos: há os que erram menos;
  4. Há uma época, na vida das crianças, em que as figuras materna e paterna perdem a aura de super-heróis. Elas serão reconstruídas mais tarde. O pensamento concreto e imaginário da criança cede lugar ao pensamento abstrato na adolescência;
  5. Há lutas interiores que podem nos destruir e nos deformar, transformando-nos em monstros;
  6. Nossas escolhas vão nos moldando como pessoas;
  7. A família ideal não existe. A família real, acolhedora, capaz de criar pessoas sadias e úteis para a sociedade é firmada no amor, no respeito, na compreensão, na união, no diálogo.

E o final tem um desfecho pouco usual: “e viveram para sempre…bem, para sempre? Felizes? Isto é… viveram…”. Parece querer dizer que cada família vive do seu jeito, com dores e alegrias, conforme as suas escolhas as conduziram.

Relator
Fernando M F Oliveira
Coordenador do Blog Pediatra Orienta da Sociedade de Pediatria de São Paulo

Foto: alla serebrina | depositphotos.com