Terapia nutricional no paciente grave com COVID-19

SPSP – Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto divulgado em 08/04/2020



Relator: Ary Lopes Cardoso

Presidente do Departamento Científico de Suporte Nutricional da Sociedade de Pediatria de São Paulo

As Unidades de Terapia Intensiva (UTI) em todo o mundo ficaram sobrecarregadas com a grave Síndrome Respiratória Aguda causada pelo coronavírus 2 (SARS-CoV-2).

A necessidade de nutrir os pacientes que ficam em cuidados intensivos é uma medida de apoio extremamente importante, sejam adultos ou crianças.

O manejo nutricional na UTI é, em princípio, muito semelhante a qualquer outra situação que leve o paciente a essa Unidade, principalmente quando o acometimento é de insuficiência respiratória.

Recomendação 1: avaliação nutricional

Recomendamos a todos os profissionais de saúde, incluindo nutricionistas, enfermeiros e outros envolvidos na avaliação nutricional que sigam aquilo que é estabelecido pelo CDC para todos os pacientes com COVID-19: EPI – óculos de proteção, capa de isolamento, proteção facial e uma máscara N95.

Recomendação 2: iniciar a nutrição

No paciente em UTI ou 12 horas após a intubação deve-se iniciar a Nutrição Enteral (NE). O início precoce leva a menor mortalidade e menor incidência de infecções, comparado com aqueles para os quais a terapia é postergada. Mesmo no paciente com sepse ou choque circulatório a NE pode ser bem tolerada. Quando isso não acontece, deve-se iniciar a Nutrição Parenteral Prolongada (NPP).

Recomendação 3: qual via usar

O ideal é usar a via gástrica (por SNG), porém se não for tolerada, utilizar a via pós-pilórica. Lembrar que a colocação de qualquer dispositivo de acesso entérico pode provocar tosse e deve ser considerado um procedimento gerador de aerossol. Além disso, deve-se usar máscaras N-95 durante a colocação da sonda. Recomenda-se NE contínuo e não em bolus.

Relatou-se que pacientes gravemente doentes com COVID-19 são mais velhos com múltiplas comorbidades. Esses pacientes geralmente correm risco de síndrome de realimentação. Nesses casos, a recomendação é iniciar aproximadamente com 25% da concentração calórica, combinada com o monitoramento frequente de fosfato sérico, níveis de magnésio e potássio à medida que as calorias aumentam. As primeiras 72 horas de alimentação costumam ser o período de maior risco.

Recomendação 4: especificações da nutrição

A alimentação deve ser iniciada devagar, hipocalórica, avançando na primeira semana até atingir a meta de energia de 15-20 kcal/kg de peso corporal real/dia (em torno de 70 a 80% das necessidades calóricas) e proteínas- 1,2-2,0g/kg/dia.

A NE deve ser interrompida no paciente com instabilidade hemodinâmica que requer suporte vasopressor em doses altas ou crescentes. Também naqueles que estejam recebendo agentes vasopressores ou que tenham níveis de lactato aumentados.

Recomendação 5: seleção de fórmula  

Uma fórmula entérica polimérica, isosmótica com alto teor de proteína (>20% de proteína) deve ser usada na fase aguda.

Modelos animais e alguns pequenos ensaios em humanos sugerem que o óleo de peixe é benéfico na modulação imunológica e ajuda a eliminar infecções virais.

Recomendação 6: monitorando da tolerância nutricional

A intolerância à alimentação enteral (EFI) é comum durante a fase aguda do tratamento e deve ser monitorada, não com interrupções prolongadas. A avaliação clínica sempre deverá ser usada para autorizar o reinício.

Recomendação 7: nutrição para o paciente em posição prona

A Síndrome do Desconforto Respiratório Aguda pode levar à insuficiência respiratória, o que torna a ventilação mecânica necessária. Vários estudos retrospectivos e pequenos prospectivos avaliaram a NE durante o posicionamento prono. Complicações gastrintestinais ou pulmonares podem surgir, mas em posição prona isso é menos provável. Se houver preocupação, usa-se a via pós-pilórica.

Sempre é bom lembrar que, à medida que o número de pacientes que necessitam de NE aumenta, pode haver uma escassez de bombas. Portanto, deve ser dada prioridade aos pacientes que recebem dieta pós-pilórica e àqueles que necessitam de infusão contínua da dieta.

Conclusão

A administração de terapia nutricional ao paciente com COVID-19 deve seguir as instruções básicas da Sociedade Americana de Nutrição Parenteral e Enteral.

O profissional da saúde precisa ter cuidados com a contaminação dos aparelhos e dos dispositivos utilizados nos cuidados com a ventilação do paciente e com a dieta.

As recomendações citadas foram divulgadas pela American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (ASPEN) – Terapia Nutricional no Paciente Grave com COVID em 1º de abril de 2020 por Robert Martindale et al. e estão disponíveis em: https://www.sccm.org/getattachment/Disaster/Nutrition-Therapy-COVID-19-SCCM-ASPEN.pdf?lang=en-US

Referências

  1. Singer P, Blaser AR, Berger MM, Alhazzani W, Calder PC, Casaer MP, et al. ESPEN guideline on clinical nutrition in the intensive care unit. Clin Nutr. 2019;38:48-79.
  2. Xiao F, Tang M, Zheng X, Liu Y, Li X, Shan H. Evidence for gastrointestinal infection of SARS-CoV-2. 2020 Mar 3.
  3. Gu J, Han B, Wang J, COVID-19: Gastrointestinal manifestations and potential fecal-oral transmission. 2020 Mar 3.
  4. Fuente I, Fuente J, Estelles MD, Gigorro R, Almanza LJ, Izguierdo JA, et al. Enteral nutrition in patients receiving mechanical ventilation in a prone position. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2016;40:250-5.