Março Lilás – Suplementação de vitaminas e oligoelementos para o prematuro

Março Lilás – Suplementação de vitaminas e oligoelementos para o prematuro

SPSP – Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto  divulgado em 09/03/2020

Relatora:
Ligia Maria Suppo de Souza Rugolo
Membro do Departamento Científico de Neonatologia da SPSP
 

A necessidade de suplementação de alguns micronutrientes para prematuros justifica-se porque estes apresentam necessidades aumentadas para o crescimento, baixos estoques (pois estes são formados somente no terceiro trimestre de gestação) e a quantidade ofertada pela dieta é insuficiente.1,2 Assim, a suplementação é indicada para suprir as necessidades recomendadas de ingestão diária (RDI) e prevenir deficiências. Há poucos estudos sobre a suplementação rotineira de vitaminas e oligoelementos para prematuros. As recomendações são advindas de consenso de especialistas da Academia Americana de Pediatria (AAP), da Sociedade Europeia de Gastroenterologia Pediátrica, Hepatologia e Nutrição (ESPGHAN) e da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), com algumas diferenças entre elas nas doses e tempo de suplementação.

A seguir, algumas considerações sobre vitaminas e oligoelementos, sua importância e as recomendações para recém-nascidos.

 

Vitamina A

Tem importante papel na resposta imune, função visual, crescimento e diferenciação celular pulmonar, bem como na integridade do epitélio pulmonar. Sua deficiência está associada a infecções recorrentes e displasia broncopulmonar. O uso de altas doses (IM ou VO) para prematuros durante o período neonatal parece promissor, melhorando o prognóstico respiratório, entretanto, mais estudos são necessários para que esse uso seja recomendado.3,4

A dose preconizada pela ESPGHAN5 é de 400-1000mcg/kg/d (1mcg = 3,3UI).

Vitamina D

É fundamental para a absorção intestinal de cálcio e fósforo, além de regular a imunidade celular.

Atualmente, existe uma pandemia de deficiência de vitamina D acometendo todas as faixas etárias e que, em prematuros de muito baixo peso, chega a atingir quase 80%.

A AAP6 recomenda suplementar 400UI/d, enquanto a ESPGHAN5 indica 800-1000UI/d. Ensaios clínicos randomizados têm investigado qual a dose ideal, mas os resultados não são conclusivos.7 Pode-se dizer que dose de 400UI/d é suficiente para a saúde óssea se a oferta de minerais for adequada. Caso a mãe seja deficiente e o recém-nascido tiver baixo estoque, pode ser usada dose maior. Vale lembrar que excesso de vitamina D pode causar hipercalciúria e nefrocalcinose.

Vitamina C

É um antioxidante que tem importante papel na síntese de colágeno e modula a absorção e estoque de ferro. A maioria dos prematuros recebe vitamina C nos multivitamínicos. A ESPGHAN5 recomenda 11-46mg/kg/d.

Ácido fólico

Participa da replicação do DNA e de várias reações enzimáticas. A suplementação era realizada rotineiramente na década de 1980, visando minimizar a anemia da prematuridade, mas nas últimas décadas a necessidade tem sido questionada, pois as gestantes recebem ácido fólico e as práticas nutricionais neonatais melhoraram (leite materno aditivado e fórmulas de pré-termo suprem as necessidades). Por outro lado, o tabagismo materno tem efeito negativo nos níveis de folato do recém-nascido.8

A suplementação pode ser considerada ao iniciar a suplementação do ferro para a anemia da prematuridade. A ESPGHAN5 recomenda 35-100mcg/kg/d.

Vitamina E

Antioxidante E estimula o sistema imune. Sua deficiência causa peroxidação da membrana das hemácias e hemólise e seu uso em alta dose IV aumenta o risco de sepse.9 Atualmente, a suplementação não é recomendada.

Zinco

Cofator de mais que 300 metaloenzimas; é importante para o crescimento e diferenciação celular, neurotransmissão, visão e função imune.10 Estima-se que 17% da população mundial esteja em situação de risco para inadequada ingestão de zinco, o que está associada com falha de crescimento em crianças.11

Prematuros têm vários fatores de risco para deficiência: baixos estoques, perdas aumentadas pelo trato intestinal e rins imaturos, crescimento rápido (> necessidade) e, ainda, a concentração de zinco no leite materno diminui rapidamente nas primeiras semanas. Restrição de zinco na gestação diminui o crescimento fetal, e prematuros pequenos para idade gestacional têm alto risco de deficiência de zinco.12

A deficiência de zinco manifesta-se a partir do 3º mês de vida com falha de crescimento, dermatite e infecções. Vários estudos mostraram que a suplementação de zinco melhora o crescimento, e alguns autores sugerem benefício na morbidade neonatal e neurodesenvolvimento.13-15 A dose ideal a ser suplementada ainda não está estabelecida e existe preocupação com o uso de altas doses zinco, pois diminui a absorção de cobre e ferro.16

AAP recomenda 1-3mg/kg/d;10 a ESPGHAN5 indica 1,1-2mg/kg/d. Na prática, utilizamos sulfato de zinco 5mg/d.

Ferro

Além de ser substrato fundamental para hematopoiese, o ferro é importante para o desenvolvimento cerebral e neurotransmissão.

Deficiência de ferro é a carência nutricional mais comum na infância e está associada com prejuízo no desenvolvimento e memória. A suplementação pode melhorar o desenvolvimento, mas o ferro é um potente oxidante e em excesso aumenta o risco de estresse oxidativo e de infecções.17,18

Prematuros têm baixos estoques, necessidades aumentadas para o crescimento e são espoliados nas coletas sanguíneas do período neonatal. A restrição do crescimento fetal, hipertensão, diabetes e tabagismo materno associam-se com menores estoques fetais.  Quanto menor e mais doente for o prematuro, maior a incidência de anemia da prematuridade, com cifras de 25 a 80%. Por outro lado, os menores e mais doentes (especialmente prematuros <1000g) são frequentemente transfundidos, e transfusões múltiplas podem causar sobrecarga de ferro, caracterizada pela ferritina > 300mcg/L.19

A dose ideal, idade de início e a duração da suplementação não estão bem estabelecidas, conforme mostrou revisão sistemática da Cochrane.20

A ESPGHAN5 recomenda 2-3mg/kg/d, com início entre 2-6 semanas e duração de 6-12 meses. Em 2019, uma revisão sistemática concluiu que essa recomendação da ESPGHAN deve ser mantida e que a dose seja ajustada conforme os níveis de ferritina. Os autores alertam que dos 27 estudos incluídos na revisão nenhum avaliou a ocorrência de sobrecarga de ferro.21

A SBP22 recomenda 2mg/kg/d para prematuros de 1500-2500g; 3mg/kg/d para aqueles de 1000-1500g; e 4mg/kg/d para os <1000g, iniciando com 30 dias e mantido no 1º ano. No 2º ano suplementar 1mg/kg/d para todas as 3 faixas de peso.

Outra proposta que parece muito válida seria iniciar com 2-3mg/kg/d no final do 1º mês, individualizando a dose conforme os níveis de ferritina na alta: se <60mcg/L, aumentar a dose para 3-6mg/kg/d e, se ferritina >300mcg/L, não iniciar suplementação. A ferritina deve ser avaliada na alta, com 40 semanas, 3 e 6 meses.19

Resumindo:

– Suplementação das vitaminas A e D e de zinco é recomendada, com início na 2ª semana, após atingir a dieta plena.

– Suplementação de vitamina C e ácido fólico é opcional.

– Suplementação de ferro é recomendada, com doses preferencialmente individualizadas conforme os níveis de ferritina e início no final do 1º mês.

Um aspecto importante é esclarecer as mães sobre a importância da suplementação e acompanhar se o que foi prescrito está sendo administrado.23

 

Referências

  1. Greer FR. Post-discharge nutrition: what does the evidence support? Semin Perinatol. 2007;31:89-95.
  2. Nzegwu NI, Ehrenkranz RA. Post-discharge nutrition and the VLBW infant: to supplement or not supplement? A review of the current evidence. Clin Perinatol. 2014;41:463-74.
  3. Araki S, Kato S, Namba F, Ota E. Vitamin A to prevent bronchopulmonary dysplasia in extremely low birth weight infants: a systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2018;13:e0207730.
  4. Basu S, Khanna P, Srivastava R, Kumar A. Oral vitamin A supplementation in very low birth weight neonates: a randomized controlled trial. Eur J Pediatr. 2019;178:1255-65.
  5. Agostoni C, Buonocore G, Carnielli VP, Curtis M, Darmaun D, Decsi T, et al. Enteral nutrient supply for preterm infants: commentary from the European Society of Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition Committee on Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2010;50:85-91.
  6. Abrams SA; Committee on Nutrition. Calcium and vitamin d requirements of enterally fed preterm infants. Pediatrics. 2013;131:e1676-83.
  7. Yang Y, Li Z, Yan G, Jie Q, Rui C. Effect of different doses of vitamin D supplementation on preterm infants – an updated meta-analysis. J Matern Fetal Neonatal Med. 2018;31:3065-74.
  8. Oncel MY, Calisici E, Ozdemir R, Yurttutan S, Erdeve O, Karahan S, et al. Is folic acid supplementation really necessary in preterm infants ≤ 32 weeks of gestation? J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2014;58:188-92.
  9. Brion LP, Bell EF, Raghuveer TS. Vitamin E supplementation for prevention of morbidity and mortality in preterm infants. Cochrane Database Syst Rev. 2003:CD003665.
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  16. Abrams SA. Zinc for preterm infants: Who needs it and how much is needed? Am J Clin Nutr. 2013;98:1373-4.
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