SPSP – Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto divulgado em 11/07/2019
No dia 29 de junho, foi realizado, na sede da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), o “Café da Manhã com o Professor – Doutor, meu filho vai mal na escola – Distúrbios da Aprendizagem”. Organizado pela Diretoria de Cursos e Eventos e pelo Grupo de Estudos de Desenvolvimento e Aprendizagem da SPSP, o evento teve por objetivo levar aos pediatras conhecimentos e atualização sobre os problemas de aprendizagem sob o ponto de vista dos diversos especialistas, facilitando as intervenções educacionais e terapêuticas precocemente. O evento teve coordenação da otorrinolaringologista Renata Di Francesco, presidente do Departamento de Otorrinolaringologia e coordenadora do Grupo de Estudos de Desenvolvimento e Aprendizagem da SPSP, e foi mediado pelo neonatologista Fernando Lamano Ferreira, membro do Departamento de Saúde Mental da SPSP.
Mariana Facchini Granato, membro do Grupo de Estudos de Desenvolvimento e Aprendizagem da SPSP, iniciou explicando a diferença entre dificuldades e transtornos de aprendizado. A dificuldade escolar abrange um grupo heterogêneo de problemas que podem alterar a capacidade de a criança aprender, independentemente de suas condições neurológicas para tal. “O transtorno de aprendizado, por outro lado, é uma afecção de natureza neurobiológica relacionada a inabilidades específicas, como leitura, escrita ou matemática, em indivíduos que apresentam uma performance significativamente abaixo do esperado para sua capacidade intelectual”, explicou.
Assim, quando o profissional se depara com uma criança com dificuldade de aprendizado, deve pensar em problemas como TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), TEA (Transtorno de Espectro Autista), depressão e ansiedade. “Já os transtornos de aprendizado propriamente ditos englobam a dislexia (comprometimento na decodificação fonológica), disgrafia (escrita) e discalculia (matemática). O manejo dos transtornos de aprendizado, segundo Mariana, inclui terapia fonoaudiológica (dislexia), terapia ocupacional ou psicomotricidade (disgrafia), e atuação de psicopedagogo ou professor de matemática (discalculia).
Na sequência, Renata Di Francesco falou sobre os distúrbios de aprendizagem na visão do otorrinolaringologista, esclarecendo que a audição é fundamental no desenvolvimento da linguagem como um todo e para a integração social do indivíduo. De acordo com a médica, um dos principais fatores de risco para perda auditiva é a otite, que pode trazer sequelas importantes, como atraso no desenvolvimento da linguagem oral e escrita, alterações do comportamento e na qualidade de vida, podendo também afetar o equilíbrio e as funções motoras.
Sendo assim, deve-se suspeitar de perda auditiva quando, na escola, a criança é desatenta, distraída, dá respostas inadequadas/confusas, tem dificuldade em seguir instruções e problemas na fala. Renata destacou ainda os distúrbios do sono, que são muito frequentes na faixa etária pré-escolar, sendo nas situações mais grave a apneia obstrutiva do sono. “As alterações do sono irão combinar com alguns desajustes importantes das funções cognitivas, como déficit de comportamento, alterações emocionais, dificuldade em manter uma atenção adequada ao longo do tempo, redução na expressão da linguagem, entre outros.”
Pontos de vista da oftalmologia, neurologia e foniatria
Rosa Maria Graziano, presidente do Departamento de Oftalmologia da SPSP, deu continuidade ao evento abordando como os problemas visuais influenciam no aprendizado. Segundo a oftalmologista, as alterações oculares não interferem na habilidade do cérebro de processar o estímulo visual, mas irão levar a uma fadiga visual. A eficiência visual alterada pode acontecer frequentemente por erros refrativos não corrigidos, acomodação visual insuficiente, estrabismo convergente e divergente, além de uma diplopia causada pelo excesso de atividade visual de perto, muito comum nos dias de hoje.
No consultório, ela ressaltou a importância de o profissional realizar um exame oftalmológico completo, com inspeção ocular e anexos, medição da acuidade visual, refração com cicloplegia, mapeamento da retina, além de outros exames conforme a necessidade. “Outra questão que também acarreta fadiga visual são os erros de refração não corrigidos, daí a importância da investigação e diagnóstico da miopia, hipermetropia e astigmatismo”, avaliou Rosa.
Romar Willian Dellapiazza, membro do Departamento de Neurologia da SPSP, enfatizou o aspecto neurológico dos distúrbios de aprendizagem, apontando que, no Brasil, cerca de 40% das crianças em séries iniciais de alfabetização apresentam dificuldades escolares. “Entretanto, os pediatras que recebem essas crianças devem considerar não só os fatores inerentes relacionados à própria criança, mas também aqueles ligados à escola e à família”. Além disso, Dellapiazza lembrou que grande parte dessas crianças terá outros transtornos associados, como TDAH, deficiência intelectual, transtorno na fala-gagueira, transtorno de Tourette e de espectro autista.
O neurologista salientou a importância da anamnese detalhada, uma vez que a grande maioria dessas crianças com dificuldades de aprendizagem não apresenta nenhuma alteração no exame físico e nem no exame clássico neurológico, assim como os exames subsidiários (EEG, TCC e RMC) também não ajudam a chegar a um diagnóstico preciso, servindo mais para exclusão de doenças. Ao final, o médico esclareceu que o tratamento pode incluir alguns medicamentos, no intuito de tratar as comorbidades, como, por exemplo, os psicoestimulantes em crianças com TDAH.
Sulene Pirana, otorrinolaringologista com atuação em foniatria, encerrou as palestras, apresentando o ponto de vista do foniatra e destacando a importância da avaliação da cognição e de perceber o déficit cognitivo, como perdas na capacidade de concentração, abstração e pensamento lógico. “Dessa maneira, muitas vezes uma avaliação neuropsicológica da atenção, memória e inteligência é extremamente importante para ajudar no diagnóstico”, afirmou.
A médica também disse que é fundamental fazer o diagnóstico diferencial de dificuldades de aprendizagem X transtorno de aprendizagem. “O transtorno de aprendizagem ocorre apesar de inteligência normal, ausência de problemas sensoriais ou neurológicos, de instrução escolar adequada e de oportunidades socioculturais suficientes, são aquelas crianças que têm uma dificuldade intrínseca no aprendizado”, relatou. Já em algumas situações sociais, de acordo com a foniatra, não é possível fazer o diagnóstico de transtorno de aprendizagem, devido a tantos outros fatores alterados (com instrução escolar inadequada, problema de refração não corrigida e oportunidades socioculturais insuficientes, etc). “Estas crianças se enquadram, portanto, nos casos de dificuldades de aprendizagem”, finalizou Sulene.