SPSP – Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto divulgado em 28/02/2019
No dia 23 de fevereiro, aconteceu na sede da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) o “Café da Manhã com o Professor – Mil Dias na Prática Clínica Pediátrica”, organizado pela Diretoria de Cursos e Eventos e pelo Departamento de Nutrição da SPSP, tendo por objetivo compreender as bases da consulta pediátrica no pré-natal e a prevenção das doenças crônicas não transmissíveis e distúrbios do desenvolvimento durante a primeira infância. O evento foi coordenado por Rubens Feferbaum, presidente do Departamento de Nutrição da SPSP e, além dos palestrantes, contou também com a presença da vice-presidente da SPSP, Lilian dos Santos Rodrigues Sadeck. Ao final das apresentações, ocorreu um fórum de debates entre palestrantes e plateia.
Na abertura do evento, Feferbaum destacou: “No início deste mês, promovemos o ‘Fevereiro Safira’, que é a campanha dos ‘Primeiros Mil Dias – pelo futuro das crianças’, e este evento faz parte desta campanha.” O pediatra explicou que o termo mil dias é decorrente de uma série de estudos publicados na revista de medicina inglesa Lancet, entre 2008 e 2013, por um grupo que inicialmente estava preocupado com a desnutrição da criança, mas que posteriormente começou também a estudar as crianças com excesso de ganho ponderal e aquelas prematuras com restrição de crescimento intra-útero, observando que isso tinha repercussões muito importantes do decorrer de suas vidas. De acordo com o especialista, nessa série de estudos foram analisados os primeiros mil dias do ciclo de vida das crianças, demonstrando que o cuidado já se inicia com a mãe durante a gravidez até o segundo ano de vida da criança, e que nesta abordagem contemplam-se diversos aspectos. “Além da nutrição, estímulos familiares e ambientais, visando o desenvolvimento mental e a prevenção de distúrbios emocionais das crianças.”
Na sequência, o médico obstetra Corintio Mariani Neto, diretor do Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros, ressaltou que o pré-natal, idealmente, deveria começar três meses antes da mulher engravidar, no intuito de identificar fatores de risco reprodutivos. “É fundamental que a mulher tenha um controle adequado nas consultas do pré-natal, que ela esteja com o calendário vacinal em dia, faça uso do ácido fólico e mantenha restrição ao álcool. Como a dose segura de álcool para cada gestante não foi definida, a SPSP, a Sogesp, e a Febrasgo recomendam total abstinência durante a gravidez”, orientou.
Sobre a questão da alimentação materna, Mariani enfatizou a importância de uma alimentação apropriada na gestação, que deve ser adequada em proteínas, rica em minerais, vitaminas e fibras e de fácil digestão. Quanto à primeira consulta pré-natal com o pediatra, ele disse que o recomendável é que ocorra na 32ª semana de gestação. “O pediatra é o profissional que deve estar presente e participar de todas as etapas do cuidado perinatal”, enfatizou.
Na palestra sobre orientação clínica do aleitamento materno, proferida pela pediatra Marisa da Matta Aprile, do Departamento de Aleitamento Materno da SPSP, foi enfatizada a necessidade da consulta com o pediatra no pré-natal. De acordo com ela, essa consulta favorece a formação de vínculo com o profissional e é uma oportunidade para esclarecer dúvidas sobre o parto e aleitamento materno, dentre outras questões. Após o nascimento, segundo a especialista, a família deve ir ao consultório nos primeiros dias após a alta. Nesse atendimento, a primeira preocupação do pediatra deve ser com a mãe, perguntar como ela se sente, visando o início de uma boa relação e o melhor caminho para entender as dificuldades pelas quais ela passa. Após essa conversa, abordará o aleitamento materno. A médica esclareceu que as situações que indicam dificuldades na amamentação incluem mamas ingurgitadas e duras, mamilos planos ou invertidos, aréola com fissuras e escoriações ou mamas com vermelhidão.
“O pediatra deve ter habilidade na orientação da massagem das mamas, aréola e sobre a extração manual do leite. Uma das queixas mais comuns de consultório é o ganho de peso insuficiente do bebê”, comentou Marisa, enfatizando que, na grande maioria das vezes, o baixo ganho de peso se dá por pega inadequada pelo fato de as mamas estarem cheias ou ingurgitadas, com a aréola tensa por leite em excesso, no caso de mamas cheias; ou edemaciadas, no caso do ingurgitamento mamário. Nas duas situações, se o manejo não for adequado, haverá trauma mamilar que causará dor e dificuldade na manutenção do aleitamento. “A amamentação não deve doer; por esse motivo, a avaliação da mamada, com correção da pega e posicionamento do bebê, é fundamental”, ressaltou. Ela disse que é necessário adotar medidas de estimulo à maior produção de leite, como a ingestão de líquidos e de alimentos mais calóricos. Caso essas medidas não revertam a situação, a pediatra orientou técnicas, como a da translactação, para aumentar a produção de leite da mãe e garantir a oferta de leite para o bebê.
A próxima palestrante foi a psicóloga Vera Ferrari R. Barros, presidente do Departamento de Saúde Mental da SPSP, na qual salientou que nos primeiros dois anos de vida da criança, após o nascimento, os distúrbios psíquicos estão ligados a funções básicas, como alimentação, sono, motricidade e aquisição da linguagem. “Importante ressaltar que, durante a gestação, existe uma ligação íntima do bebê com a mãe, e essa experiência é muitas vezes angustiante para a mãe, porque há uma ligação com um desconhecido para o resto da vida, uma mudança na imagem corporal, e isso é determinante aos investimentos no bebê, seja na gestação ou após o seu nascimento”, afirmou.
Segundo Vera, as condições psíquicas da mãe agem sobre o desenvolvimento do feto e modulam suas interações. “O que é importante, então, observar em uma consulta? Como as funções materna e paterna estão acontecendo. As fantasias, estados emocionais e suposições dos pais que podem comprometer o exercício destas funções, cujos efeitos aparecem nos distúrbios funcionais e no empobrecimento das aquisições do desenvolvimento ao longo dos primeiros anos”, enfatizou.
A última apresentação foi a de Patrícia Salmona, presidente do Departamento de Genética da SPSP. Ela iniciou sua palestra explicando o conceito do termo epigenética, que significa “em adição à informação genética codificada no DNA”. “Genericamente, é utilizado para definir mudanças que ocorrem na expressão gênica sem, no entanto, ocorrer nenhuma alteração na sequência do código genético”, declarou, observando que essas alterações epigenéticas podem produzir efeitos sobre a expressão gênica por um longo período de tempo, passando de uma geração a outra. “As escolhas de estilo de vida e nutrição que fizermos podem influenciar não só os nossos genes, mas também os de nossos filhos e netos. Sendo assim, apesar do nosso genoma conter DNA herdados dos pais, podemos facilitar sua expressão ou não”, ressaltou.
A médica enfatizou que a promoção de hábitos saudáveis, especialmente nutricionais, uma boa puericultura, de maneira a priorizar os cuidados nos primeiros mil dias de vida, impactam positivamente na história natural das doenças. “Porém, ainda é necessário expandir e consolidar esse conceito; é preciso que as pessoas entendam que para se tornar um adulto saudável é fundamental um bom acompanhamento pediátrico, lembrando que esse investimento será passado aos seus herdeiros”, concluiu.
Após a reunião, os representantes dos Departamentos Científicos da SPSP reuniram-se para iniciar o grupo de trabalho Mil dias pelo futuro da criança. A perspectiva é divulgar as atividades do grupo multidisciplinar dos Mil Dias à comunidade pediátrica e colaborar com os gestores de saúde pública e sociedade civil na implementação de ações que possam contribuir na formação do capital humano e qualidade de vida futura da criança.
Em breve, todas as palestras estarão disponibilizadas no site da SPSP.