Sobre a exposição de crianças nas mídias sociais

Um vídeo alertando sobre os riscos da depressão e suicídio chamou atenção ao ser protagonizado por duas crianças pequenas, recitando um texto de forte cunho emocional, numa “suposta” promoção da Campanha Setembro Amarelo – Prevenção ao Suicídio, que tem o objetivo de prevenir os casos de suicídio. No vídeo, há uma espécie de imitação do comportamento adulto, realçado por figurinos e penteados que remetem ao filme Pequena Miss Sunshine (2006). Nele, a protagonista, uma menina espontânea e docemente deselegante, aparece em um concurso de miss infantil, competindo com outras meninas caracterizadas como adultas.

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Há 2 questões que merecem reflexão ao assistir o vídeo:

A primeira diz respeito à mensagem de que a “solução” para a depressão ou o suicídio é “simples”, quase que mágica. Essa suposta simplicidade, aliada à presença de crianças “fofas”, acaba sabotando o próprio intento de uma campanha de saúde pública sobre um tema de tamanha seriedade. Tornar um assunto mais leve ou digestivo é corriqueiro na linguagem das mídias digitais, porém esse tipo de abordagem afigura-se incompatível com a gravidade do assunto.

A segunda questão é o abismo entre a seriedade e a capacidade de entendimento e processamento emocional da criança.  Expô-las à temas que fogem de sua compreensão caracteriza ato de violência emocional, constrangendo-as a processar conteúdos afetivos para os quais ainda não possuem aparato psíquico suficientemente desenvolvido. Outro aspecto é a desnecessária exposição à dinâmica da contagem de likes e dislikes, somados a todo tipo de incontinência cibernética intrínseca às caixas de comentários.

O ambiente da internet exige um certo norteador ético, quase um manual de etiqueta, de cuidado com os outros e consigo mesmo. Nesse momento de pandemia, crianças e adolescentes estão mais voltados ao ciberespaço.

Ora, se nem nós adultos, descobrimos uma boa forma de lidar com os desafios do ambiente virtual, o que dirá as crianças e os adolescentes, que ainda estão em franca transformação? O alcance do mundo virtual aos jovens é inevitável, mas cabe aos adultos cuidar para que isso não os atinja desnecessariamente com temas e linguagens que eles ainda não podem digerir e traduzir, esse é um desafio que se impõe.

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Relatora:
Flavia Schimith Escrivão
Departamento Científico de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo