Síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (Síndrome associada temporalmente ao COVID-19)

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SPSP – Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto divulgado em 19/05/2020



Relator: Eitan N Berezin
Departamento Científico de Infectologia da SPSP


A maioria das crianças com infecção por SARS-CoV-2 é assintomática ou apresenta sintomas leves da infecção. Até o momento, as crianças responderam por uma porção mínima dos casos na pandemia global da COVID-19 e dados epidemiológicos de muitos países mostram que são minoria entre os pacientes afetados. Crianças e adolescentes menores de 18 anos representaram apenas 1,7% dos casos reportados nos EUA, 1% na Holanda e 2% de uma grande coorte observacional no Reino Unido. Estudos de vários países confirmaram que doenças graves e morte por COVID-19 em crianças são raras, apesar de baixa precisão dos dados devido à ausência de verdadeiros denominadores populacionais.1-4

Entretanto, agora a atenção aumentou em relação à vulnerabilidade das crianças, por dois motivos: em primeiro lugar, o conhecimento do grau em que as crianças transmitem COVID-19 é fundamental para se saber como os países reabrirão as comunidades após o bloqueio e, em segundo lugar, nos últimos dois meses foram identificadas crianças que desenvolveram uma resposta inflamatória sistêmica significativa – devido a isso têm havido diversas descrições de novas manifestações de uma doença grave, semelhante à doença de Kawasaki, relacionada à infecção por COVID-19, trazendo uma nova faceta dessa doença.5,6

A doença de Kawasaki é uma vasculite pediátrica aguda rara, tendo como principal complicação os aneurismas das artérias coronárias. O diagnóstico baseia-se na presença de febre persistente, exantema, linfadenopatia, hiperemia conjuntival e alterações nas mucosas e extremidades.7

Curiosamente, vírus da família dos coronavírus já foram relacionados como possíveis implicadores na patogênese da doença de Kawasaki. Em 2005, um grupo de New Haven (CT, EUA) identificou um novo coronavírus – designado coronavírus de New Haven (HCoV-NH) – nas secreções respiratórias de oito das 11 crianças com doença de Kawasaki, versus apenas um dos 22 controles testados por RT-PCR. Entretanto, esta hipótese nunca foi confirmada.8

Recentemente (particularmente nos últimos 2 meses), foram publicadas diversas descrições de uma síndrome inflamatória multissistêmica com alguma similaridade com o Kawasaki, surgidas durante a recente pandemia. Uma publicação recente de Verdoni et al. descreveu 10 casos (sete meninos, três meninas; com idade de 7,5 anos [SD 3 · 5]) de uma doença do tipo Kawasaki em Bergamo, Itália, no auge da pandemia no país (18 de fevereiro a 20 de abril de 2020). Bergamo foi a cidade com a maior taxa de infecções e mortes na Itália.5

Neste trabalho o autor avaliou retrospectivamente todos os pacientes diagnosticados com uma doença do tipo Kawasaki nos últimos 5 anos, que foram divididos de acordo com apresentação antes (grupo 1) ou depois (grupo 2) do início da epidemia de SARS-CoV-2. No grupo 1 foram incluídos 19 pacientes e no grupo 2 foram 10 pacientes. Entre os achados que diferenciam os dois grupos, um de importância foi a proporção mais elevada de choque no grupo pós-início da pandemia, com cinco das dez crianças apresentando hipotensão, que exigiu ressuscitação fluídica e duas para cada dez crianças necessitou de suporte inotrópico. Em relação à elucidação diagnóstica no grupo incluído após o início da pandemia, duas das dez crianças tiveram um swab de PCR para coronavírus 2 (SARS-CoV-2) positivo com síndrome respiratória aguda grave e oito de 10 tiveram teste sorológico para SARS-CoV-2 positivo.           Outro achado clínico de importância foi a presença de sintomas gastrointestinais associados no grupo de pacientes após o início da pandemia. A faixa etária dos pacientes afetados também era mais elevada do que as comumente encontradas nos pacientes com síndrome de Kawasaki.

As manifestações dessa infecção compartilham características comuns com outras condições inflamatórias pediátricas, além da doença de Kawasaki, incluindo: choque tóxico estafilocócico e estreptocócico. Também são encontradas, em alguns casos, manifestações cardiológicas com aumento da concentração de troponina I e pro-B-type natriuretic peptide – proBNP, utilizados como sinais indiretos de miocardite e insuficiência cardíaca. Esses pacientes também podem apresentar alterações abdominais, como diarreia e dor abdominal. O reconhecimento precoce por pediatras e encaminhamento especializado, incluindo cuidados intensivos, é essencial.

 

O Serviço de saúde britânico publicou como definição de caso:9,10

  1. Uma criança que apresenta febre persistente, inflamação (neutrofilia, PCR elevada e linfopenia) e evidência de disfunção de um ou vários órgãos (choque, alterações cardíacas, distúrbios respiratórios, renais, gastrointestinais ou neurológicos). Isso pode incluir crianças que cumpram critérios completos ou parciais para a doença de Kawasaki.
  2. Exclusão de infecções bacterianas, choque tóxico estreptocócico ou estafilocócico ou outras causas virais compatíveis com agentes etiológicos de miocardite.
  3. O teste de SARS-CoV-2 PCR pode ser positivo ou negativo. Entretanto grande parte das crianças identificadas com esta síndrome apresentaram testes de anticorpos positivos para COVID-19, evidenciando uma infecção recente.
  4. Dos casos descritos, uma minoria apresentou PCR positivo para SARS-CoV-2 em vias respiratórias e quase todos apresentaram IgG positivo.

A avaliação do serviço de saúde inglês para 37 casos detectados em serviços pediátricos tem os sintomas registrados na Tabela 1; os principais achados laboratoriais estão descritos na Tabela 2 e o desfecho clínico está na Tabela 3.

 

Tabela 1 – Sintomas em pacientes detectados no serviço de saúde inglês

Fonte: Whitaker E, apresentado em WEBINAR da Fundação Penta.¹¹


Tabela 2 – Resultados laboratoriais

Fonte: Whitaker E, apresentado em WEBINAR da Fundação Penta.¹¹


Tabela 3 – Desfecho clínico

Fonte: Whitaker E, apresentado em WEBINAR da Fundação Penta.¹¹



Em relação à conduta; o que fazer:9

  1. Os casos de todas as crianças estáveis ​​devem ser discutidos o mais rápido possível em serviços especializados (doenças infecciosas pediátricas/cardiologia/reumatologia), para garantir tratamento imediato.
  2. A indicação para encaminhamento para terapia intensiva pediátrica deve ser a mais rápida possível, devido à alta frequência de choque descrito nessas crianças.
  3. Nos casos descritos houve indicação de gamaglobulina endovenosa e em metade dos casos houve inclusão de corticosteroides.

               

Conclusão

Existe uma Síndrome Inflamatória Multissistêmica pediátrica, provavelmente de origem imunológica mediada por anticorpos. Uma das comprovações de ser uma síndrome pós-infecciosa é cursar com provas virológicas frequentemente negativas e somente anticorpos IgG positivos. Existem algumas similaridades com a doença de Kawasaki, mas com diferenças nos critérios laboratoriais.

 

Referências

  1. CDC COVID-19 Response Team. Coronavirus Disease 2019 in Children – United States, February 12-April 2, 2020. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2020;69:422-6.
  2. RIVM Committed to health and sustainability [homepage on the Internet]. Children and COVID-19 [cited 2020 May 5]. Available from: https://www.rivm.nl/en/novel-coronavirus-covid-19/children-and-covid-19
  3. Docherty AB, Harrison EM, Green CA, Hardwick H, Pius R, Normanet L, al [homepage on the Internet]. Features of 16,749 hospitalised UK patients with COVID-19 using the ISARIC WHO Clinical Characterisation Protocol [cited 2020 May 15]. Available from:https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.04.23.20076042v1.full.pdf
  4. Dong Y, Mo X, Hu Y, Xin Qi, Fan Jiang, Zhongyi Jiang and Shilu Tong. Epidemiology of COVID-19 Among Children in China. Pediatrics. 2020:e20200702.
  5. Verdoni L, Mazza A, Gervasoni A, Martelli L, Ruggeri M, Ciuffreda M, et al [homepage on the Internet]. An outbreak of severe Kawasaki-like disease at the Italian epicentre of the SARS-CoV-2 epidemic: an observational cohort study [cited 2020 May 15]. Available from: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)31103-X
  6. Riphagen S, Gomez X, Gonzalez-Martinez C, Wilkinson N, Theocharis P [homepage on the Internet]. Hyperinflammatory shock in children during COVID-19 pandemic [cited 2020 May 15]. Lancet. 2020, published online May 7. Available from: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)31094-1
  7. McCrindle BW, Rowley AH, Newburger JW, Burns JC, Bolger AF, Gewitz M, et al. Diagnosis, treatment, and long-term management of Kawasaki disease: a scientific statement for health professionals from the American Heart Association. Circulation. 2017;135:e927-99.
  8. Esper F, Shapiro ED, Weibel C, Ferguson D, Landry ML, Kahn JS. Association between a novel human coronavirus and Kawasaki disease. J Infect Dis. 2005;191:499-502.
  9. Royal College of Paediatrics and Child Health [homepage on the Internet]. Guidance – Paediatric multisystem inflammatory syndrome temporally associated with COVID-19, 2020 [cited 2020 May 5]. Available from: https://www.rcpch.ac.uk/resources/guidance-paediatricmultisystem-inflammatory-syndrome-temporally-associated-covid-19
  10. Viner RM, Whittaker E [homepage on the Internet]. Kawasaki-like disease: emerging complication during the COVID-19 pandemic [cited 2020 May 15]. Available from:https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)31129-6/fulltext
  11. Whittaker E. Webinar Penta Foundation [accessed 2020 May 7].