Pediatras neonatais correm o risco de ser eliminados de um de seus mais importantes polos de atuação: a sala de parto. Trata-se de um retrocesso perigoso para a saúde pública; afinal, são profissionais capacitados pela Sociedade Brasileira de Pediatria e suas federadas, que seguem os padrões da Academia Americana de Pediatria, e estão, reconhecidamente, garantindo a integridade física e mental dos recém-nascidos.
Nesse exato momento, o Ministério da Saúde sustenta uma consulta pública questionando a presença do pediatra neonatal durante cesáreas eletivas, além de redesenhar diversas diretrizes para este tão delicado momento. A fim de reduzir custos, transfere a conta para a comunidade. Quem mais sofre as consequências, de novo, é o paciente – neste caso, mãe e bebê.
Até 25 de maio, quando a consulta se encerrará, pediatras e futuras mamães estarão sob tensão, vendo no horizonte a possibilidade de o Brasil jogar fora o chamado “minuto de ouro”. Frente às deficiências respiratórias, há somente 60 segundos para reanimar o nascituro, salvando sua vida e diminuindo os riscos de complicações futuras. Esse tempo é vital, uma vez que o risco de morte e de morbidade aumenta 16% a cada 30 segundos de demora para iniciar a ventilação com pressão positiva após o nascimento.
No Brasil, anualmente, 300 mil recém-nascidos precisam de ajuda para iniciar e manter a respiração. Por dia, são 15 os bebês que morrem por insuficiência respiratória ao nascimento. Destes, um terço nasce normal e sem má formação, mas são vítimas da falta de assistência ventilatória.
De acordo com o texto do Ministério da Saúde, os pediatras seriam apenas necessários em procedimento realizado sob anestesia geral ou evidência de sofrimento fetal; e ainda assim, poderiam ser substituídos por enfermeiros e enfermeiros obstetras.
Lesões asfíxicas que levam ao óbito e sequelas neurológicas podem ser reparadas diante da assistência qualificada. Devido à relevância da questão, o Programa de Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira de Pediatria promove treinamento a todos os pediatras do país. Ou seja, não basta um agente de saúde por perto, é preciso qualificação adequada frente a estas situações inesperadas.
A proposta do MS está disponível para sugestões desde 24 de abril. O material, formulado com participação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) do SUS, desconsidera não só as indicações internacionais, mas também os diversos imprevistos que podem ocorrer durante o parto – a cesariana entre 37 e 39 semanas, ainda que sem fatores de risco anteriores, eleva substancialmente a possibilidade de demanda da ajuda ventilatória ao recém-nascido.
Não faz sentido suprimir o pediatra devidamente treinado desse ambiente frágil. Caso isso ocorra, será uma privação de um direto conquistado há décadas, deixando mãe e filho vulneráveis, sem o auxílio de alguém com experiência e capacitação para agir rapidamente mediante complicações.
As estatísticas invocadas pelo órgão são norteadas por países muito diferentes do Brasil; tanto em educação quanto em assistência em saúde. O resultado é que se desprove de segurança o momento mais sensível da vida: o nascer.
Nunca é demais reafirmar que tirar da sala de parto quem é capaz de assistir ao recém-nascido é um atraso gigantesco, deixando os pequenos à mercê da própria sorte.
Nesse cenário, a especialidade vive um paradoxo infligido pelo Governo: de um lado, há estímulos para o médico especializar-se em pediatria, com o propósito de aumentar o contingente em hospitais e postos de saúde públicos. Na outra ponta, são arrancados dos centros de trabalhos, impedidos de realizar suas funções mais vitais e de garantir a sobrevivência de uma nova vida.