Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto divulgado em 25/10/2021
A série sul-coreana Round 6, produzida pela Netflix, ocupa o primeiro lugar das séries mais assistidas no streaming e tem gerado muita controvérsia. Na trama, 456 pessoas com problemas financeiros são convidadas a participar de uma competição de jogos infantis cujo prêmio para o primeiro colocado será de 45,6 bilhões de wons (a moeda da Coreia do Sul), o que equivale a aproximadamente 40 milhões de dólares ou 208,8 milhões de reais. Quem erra é morto, o que eleva o valor do prêmio.
Os episódios da série estruturam-se em torno de 6 jogos infantis conhecidos na Coreia do Sul: batatinha frita 1,2,3; cabo de guerra; bolinhas de gude; destacar biscoito sem quebrar; jogo da lula e ponte de cristal. Quem ganha continua vivendo para enfrentar o próximo desafio. Cada etapa é cruel a seu jeito.
Os jogos remetem à infância, mas seu desfecho não tem nada a ver com o universo infantil. Quando o primeiro deles, “batatinha frita 1,2,3…” chega ao fim, metade dos jogadores estão mortos. Mesmo cientes disso, os sobreviventes aceitam seguir no jogo por dinheiro!
Outros aspectos importantes: as crianças nas escolas, nos seus nichos, comentam a série e disseminam a vontade de vê-la. Reproduzem o que assistem fazendo gestos de estar matando outras e deixam cartas para seus colegas e amigos, convidando-os para jogar, a exemplo do que acontece na série.
Quais são seus conteúdos? Natureza humana, desigualdade social, impulsos primitivos, bondade versus maldade, injustiça e opressão – com cenas muito fortes de humor irreal e sátiras pesadas, de difícil compreensão, principalmente para crianças.
O que contraindica a série para adolescentes e, principalmente, para crianças?
• causa reações muito diversas, como insegurança, pavor, agressividade, raiva, medo, ansiedade e o desejo da morte do outro;
• ensina que é cada um por si, que o trabalho em equipe (ou dupla) é prejudicial e que ninguém tem valor nem dignidade;
• estimula o “ganhar a qualquer custo”, sem ter respeito, empatia ou compaixão pelo outro. Os mais espertos e corrompidos serão os vencedores;
• mostra a vida moderna e a suas pressões como algo pior do que entrar num jogo mortal;
• classifica os personagens dentro de modelos clássicos, muitas vezes distorcidos: bonzinhos, maus, inseguros, quietinhos, heróis, covardes, medrosos, vilões;
• com o andar da série, todos se acostumam ao horror de tantas mortes. Torcidas pessoais aparecem: para que o favorito, mesmo tendo um passado sombrio, subjugue e vença os rivais; e passa a ser visto como um simples número ou como um cavalo que participa de uma corrida.
E, para ganhar, o personagem terá que viver com o peso na consciência e a culpa que cometeu ações terríveis para garantir o prêmio. Será que vai ser capaz de pagar um preço tão alto?
Por mais que Round 6 tenha classificação indicativa para maiores de 16 anos, o público infantil também tem acessado o conteúdo, com ou sem o conhecimento e autorização dos pais.
O que preocupa é a facilidade com que as crianças e adolescentes acessam esse material, apesar de que canais de streaming, como a Netflix, possuem a ferramenta de “restrição de visualização por classificação etária”.
Proibir a exibição pelos pais não é a melhor solução, pois sempre há uma maneira de burlar a regra. O ideal é que os pais vejam junto com seus filhos e aproveitem a oportunidade para discutir o tema. Não podemos subestimar a capacidade de compreensão das crianças, especialmente acima de 10 anos de idade.
Em outras palavras, não podemos fugir do assunto, mas discuti-lo. Voltamos à necessidade de que os pais ou responsáveis dialoguem com seus filhos, verifiquem os conteúdos que acessam na internet e sejam supervisores atentos de suas vidas.
Relatores:
Fernando M F Oliveira
Renata D Waksman
Tania MR Zamataro
Coordenadores do Blog Pediatra Orienta da Sociedade de Pediatria de São Paulo
Foto: GaudiLab | depositphotos.com