Em tempos da “coronacrise”, a regra é clara: FIQUEM EM CASA! No entanto, para milhões de mulheres e crianças em todo o planeta, o confinamento pode virar um pesadelo e uma tortura, já que estão juntos com o agressor, fechados na mesma casa.
Um dos grupos mais vulneráveis são os menores de idade e, segundo o UNICEF, essa situação aumenta o risco de que sofram abusos, abandono, exploração e violência. Uma denúncia frequente aos Conselhos Tutelares nesse período de quarentena é o abandono familiar – crianças e adolescentes estão sendo deixados sozinhos enquanto os pais saem de casa para trabalhar.
Na China, durante a quarentena, na província de Hubei (onde fica Wuhan, local em que começou a pandemia), o número de casos de violência doméstica relatados em janeiro de 2020 triplicou, em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Na França, a violência doméstica aumentou 32% e medidas foram adotadas, como pagar quartos para as vítimas, abrir centros de aconselhamento e ter nas farmácias um sistema de alerta para ajudar mulheres e crianças.
No Reino Unido, os telefonemas para o serviço nacional de denúncia contra abuso cresceram 65% no final de março e outros países, como Austrália e Argentina, também registraram aumento de incidentes de violência doméstica.
Em Portugal foi lançado um alerta direto, com a mensagem que “o isolamento é necessário, mas pode aumentar o risco de violência doméstica. Se precisar de ajuda e não souber o que fazer, ligue para 800 202 148″.
No Brasil, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos registrou aumento de 9% nas ligações para o Disque 180 (Disque Denúncia – serviço de denúncia e de apoio às vítimas) e nas últimas semanas o total de notificações já é 50% maior no Rio de Janeiro.
Existem vários “gatilhos” que podem desencadear comportamentos agressivos e violentos dentro de casa: aumento do desemprego, da pressão, do estresse e das preocupações de falta de dinheiro para comprar produtos básicos – alimentos, fórmula, fraldas, produtos de limpeza; quando as famílias têm que interagir por muito tempo (na situação de confinamento); falta de locais para fugir das agressões e quando a casa é pequena e obriga o contato constante entre as pessoas.
E quem vê ou escuta alguém sofrer abuso?
Em tempos ditos “normais” a denúncia para os órgãos competentes pouco acontece (em nosso meio ao Conselho Tutelar ou Delegacia da região de moradia da suposta vítima, de preferência uma Delegacia da Mulher ou da Criança e Adolescência onde elas existirem), imagine agora que a violência também está confinada!
Em 5 de abril, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, divulgou um vídeo pedindo para que se protejam mulheres, crianças e idosos que estão em casa e fez um apelo para os que ouvirem algo (vizinhos geralmente): devem intervir e tomar atitudes como bater na porta, chamar no interfone, deslocar-se alguns metros para alertar que alguém está ouvindo e fazer a denúncia. Isso poderá significar a sobrevivência de uma ou mais pessoas. Ele também pediu o estabelecimento de “sistemas de alerta de emergência em farmácias e lojas de alimentos”, já que são os únicos locais que permanecem abertos em muitos países.
E as vítimas, como devem pedir ajuda?
As delegacias estão atuando em regime de plantão e o atendimento está restrito a alguns crimes, entre eles, violência doméstica e contra a criança ou adolescente.
Se for possível, ligar para 180 (voltado para mulheres em situação de violência) ou 100 (voltado a violações de direitos humanos), que são serviços públicos, gratuitos e anônimos, que trabalham junto aos Conselhos Tutelares e fornecerão informações de locais próximos que estão abertos, para solicitar ajuda.
Em São Paulo, pode-se fazer denúncia anônima por meio do Disque Denúncia – 181 e também pela internet, o Web Denúncia (acessar o site www.webdenuncia.org.br, clicar na opção “denuncie agora” e escolher o tipo de crime a ser relatado), ferramentas da Secretaria de Segurança Pública.
O governo federal lançou novas plataformas para o envio de denúncias de violência doméstica:
• aplicativo Direitos Humanos Brasil (https://play.google.com/store/apps/details?id=br.gov.direitoshumanosbrasil)
• aplicativo do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, desenvolvido para Android e IOS, pelo site disponível no link da ouvidoria do Ministério (https://ouvidoria.mdh.gov.br/) e serve como alternativa para o Ligue 180 e o Disque 100
Importante também todos terem à mão ou decorar alguns números de apoio, como: delegacia, portaria do prédio, algum vizinho, amigo ou parente de confiança.
Esta situação que agora vivemos é um desafio para todos e nossa obrigação primordial é proteger os mais vulneráveis: crianças, adolescentes e idosos.
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Relatora:
Dra. Renata D. Waksman
Vice-presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo
Coordenadora do Núcleo de Estudos da Violência contra Crianças e Adolescentes e do blog Pediatra Orienta da SPSP