Protocolo para higiene oral e o uso de Flúor

Relatora: Dra. Silvia Chedid
Mestre e Doutora em Odontopediatria pela Universidade de São Paulo (FO-USP) e membro do Grupo de Trabalho Saúde Oral  da SPSP

INTRODUÇÃO:
Promover saúde implica em ORIENTAÇÃO, INFORMAÇÃO e principalmente EDUCAÇÃO. 
A saúde geral e bucal do indivíduo é a meta dos profissionais de saúde. Neste contexto o pediatra e o odontopediatra desempenham papéis importantes no sentido de estimular e promover a instalação de bons hábitos de higiene, prevenindo problemas futuros.

A cárie dental em crianças menores de 5 anos deve ser prevenida e constitui-se um problema de saúde pública1,2,3,4. Esta faixa etária da população demanda esforços para que o Brasil possa atingir as metas definidas pela Organização Mundial da Saúde5,6.

A cárie é uma doença controlável e passível de prevenção quando medidas preventivas são tomadas constantemente.

As medidas preventivas referentes à saúde oral começam no pré-natal odontológico onde são realizadas orientações de higiene bucal da gestante e do futuro bebê.  Assim, para que a gestante passe pelo período gestacional livre de problemas bucais é importante que faça visitas periódicas ao dentista e siga as devidas orientações quanto a sua higiene bucal. No pré-natal odontológico receberá, também, toda a orientação quanto ao desenvolvimento das arcadas do bebê e de como contribuir positivamente para o seu desenvolvimento.
O íon Flúor desempenha um papel fundamental na dinâmica de prevenção de cárie dental e seu benefício é amplamente comprovado7,8,9,10.

A eficácia anti-cárie do íon flúor está baseada em sua atuação local ou tópica e não em sua atuação sistêmica7,8,9,11. Assim, não é indicada a ingestão de complementos fluoretados pela gestante e bebê com o intuito de formar dentes mais fortes ou mais resistentes à cárie dentária. Os íons flúor incorporados ao esmalte do dente durante sua formação são encontrados somente em camadas muito superficiais (micrômetros) que são perdidas na abrasão natural do esmalte dentário durante sua função mastigatória. Desta forma, o efeito do flúor incorporado ao esmalte durante a formação dos dentes não apresenta relevância clínica preventiva, pois para a prevenção da cárie dental é importante que haja íons flúor constantemente biodisponíveis na cavidade oral7,11. Podemos citar, ainda as “Recomendações sobre o uso de produtos fluoretados no âmbito do SUS/SP em função do risco de cárie dentária”, da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo12, onde também é enfatizado que a prescrição de medicamentos fluoretados, no período pré-natal não traz nenhum benefício que justifique sua indicação e no pós-natal tem indicação muito limitada13,14. 

A relevante importância da presença do flúor na água de abastecimento está baseada na sua atuação tópica. Após a ingestão e absorção sistêmica do íon Flúor pela água, este será absorvido pelo organismo e atuará localmente ao entrar na composição salivar. Na saliva este íon desempenhará importante função de potencialização das propriedades salivares contra a cárie. Assim, qualquer recomendação de flúor durante a gestação, mesmo em regiões onde a água não seja fluoretada, com a finalidade de fortalecer a estrutura do esmalte dentário não apresenta significado clínico ou embasamento científico15.

Devido às dificuldades naturais de higiene oral do bebê, estes são considerados grupo de alto risco de cárie. A promoção de saúde bucal na primeira infância prevê a instalação do bom hábito de higiene oral precocemente.
A higiene dos rodetes gengivais e da cavidade oral de bebês antes da erupção de dentes decíduos não apresenta consenso ou bases científicas definidas.

A prescrição de solução de Fluoreto de Sódio a 0,02% topicamente sobre o esmalte dos dentes decíduos de bebês, não apresenta efeito algum 16,17. O uso desta solução não deve ser confundida com a solução, bastante eficaz, de Fluoreto de Sódio à 0,2% que é utilizada efetivamente em saúde coletiva para bochechos semanais.
Assim, é preconizado pelas entidades relacionadas à saúde oral que a higiene bucal de crianças seja iniciada tão logo o primeiro dente decíduo erupcione3,18,19,20,21. Esta medida é importante para que a criança cresça com sua dentadura decídua saudável, alimentando-se sem dor, evitando, assim, problemas de mastigação e de oclusão. Neste contexto, é aconselhado também, que a criança realize sua primeira visita ao dentista, pois assim, o odontopediatra poderá orientar e informar aos pais como proceder adequadamente à higiene da cavidade oral do bebê.

A higiene dos dentes deve ser realizada com escovas infantis específicas de cerdas macias e com dentifrício fluoretado (1.100ppmF) em pequenas quantidades similares a um grão de ervilha (0,30g) ou grão de arroz (0,1g ). Há evidências de que diminuir a quantidade de dentifrício fluoretado não diminui sua eficácia anti-cárie para dentes decíduos16.

É importante salientar que dentifrício não é alimento e não deve ser utilizado por crianças menores de 3 anos sem orientação ou supervisão21,22,23.

A fluorose é um manchamento e alteração da cor e estrutura do esmalte dentário. Ela ocorre devido ao excesso de íons flúor que influenciam na função das células (ameloblastos) que realizam a deposição de matriz do esmalte. Assim, a fluorose somente pode ocorrer nos dentes permanentes e somente durante a sua fase de formação. Dente permanente já formado não pode sofrer fluorose24.

 

Bases Científicas para a orientação de higiene oral e dentifrícios fluoretados

A importância do dentifrício fluoretado na redução da cárie dentária está estabelecida na literatura 7,8,9.
O flúor do dentifrício é considerado essencial para a dinâmica de redução de cárie e seu mecanismo de ação é bem conhecido. Assim, é fundamental sua presença constante na cavidade bucal25,10.

A remoção mecânica do biofilme dental (escovação com dentifrício sem Flúor) ou escovação sem dentifrício não apresenta eficácia anti-cárie26,7.

A Ingestão crônica de flúor durante a fase de formação dos dentes acarreta manchas de hipocalcificação do esmalte. A incidência de fluorose dental é objeto de preocupação em nível de saúde publica e dos profissionais ligados à saúde21.

A fluorose, apesar de importante do ponto de vista epidemiológico, não parece ser percebida esteticamente pelos pais ou crianças27,28.

Os benefícios da redução dos índices de cárie pela água fluoretada e escovação com dentifrícios fluoretados justificam o risco pequeno e medido de fluorose na população29,30.
Não há correlação significante entre o flúor ingerido pela escovação com pasta dentifrícia fluoretada (1.100ppmF) e fluorose31.

O uso de dentifrícios com baixa concentração de flúor em nível populacional tem custo alto, acesso difícil e estimula livre ingestão, o que não é educativo. Não há evidências científicas da eficácia anti-cárie de dentifrícios com concentrações menores que 1.100 ppmF32,33.

O uso de dentifrício sem flúor além de não ser eficaz na prevenção da cárie, não é educativo e estimula a sua livre ingestão. Não há racional ou bases científicas para a indicação de dentifrícios sem a presença de flúor7,8,9.

Resumo: Quadro Sinóptico:

  • Uso de gaze umedecida para higiene dos rodetes gengivais ou língua: não apresenta suporte científico para sua utilização.
  • Dentifrícios não fluoretados ou escovação sem a presença de dentifrício: não apresentam suporte científico para sua utilização.
  • Solução de NaF 0,02%: não apresenta suporte científico para sua utilização .
  • Dentifrícios com menor concentração de F (500-550ppm F): alternativa ineficaz para pacientes que ingerem grande quantidade de dentifrício. Seu efeito não pode ser comparado ao dos dentifrícios com concentração convencional de fluoretos 1.100 ppmF .
  • Dentifrícios Fluoretado (1.100 ppmF) em pequenas quantidades: Dada as evidências científicas atuais contemplando risco/benefício é o método de eleição para crianças que apresentem dentes decíduos na cavidade oral.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Texto publicado em 27/11/2010.