Prevenção da Violência na Primeira Infância

Prevenção da Violência na Primeira Infância

A Semana Nacional de Prevenção da Violência na Primeira Infância acontece entre os dias 12 e 18 de outubro. A violência doméstica, que ocorre na esfera privada, perpetrada por pessoas que deveriam apoiar e proteger crianças e adolescentes, é difícil de ser desvendada, por ser resguardada pela lei do silêncio, pelo medo e pela impunidade de seus agentes.

Ela pode ser praticada de formas variadas, não excludentes entre si, didaticamente classificadas em física, sexual, psicológica, negligência, além de formas específicas.

A violência física implica o uso da força física de forma intencional, com o objetivo de ferir, danificar ou destruir a vítima, deixando ou não marcas evidentes.

A violência sexual caracteriza-se pelo uso de criança ou adolescente para gratificação sexual de adulto ou adolescente mais velho, responsável por ele ou com o qual mantém algum vínculo familiar, de convivência ou confiança.

A violência psicológica compreende toda forma de discriminação, desrespeito, rejeição, depreciação, cobrança ou punição exagerada e utilização da criança ou adolescente para atender às necessidades psíquicas dos adultos. Muitas vezes resulta do despreparo dos pais para educar seus filhos, valendo-se de ameaças, humilhações ou desrespeito como formas culturalmente aprendidas de educar.

A negligência caracteriza-se pela omissão, de forma crônica, em prover as necessidades básicas, como higiene, nutrição, saúde, educação, proteção e afeto, apresentando-se em vários aspectos e níveis de gravidade, sendo o abandono o grau máximo.

Exemplo de forma específica de violência é a síndrome de Munchausen, situação na qual o paciente é trazido para cuidados médicos, mas os sintomas e sinais que apresenta são inventados ou provocados, prática que impõe sofrimentos físicos e psíquicos, como exigência de exames desnecessários e internações por falso pretexto.

Ações de promoção e proteção da saúde física e mental e de prevenção de agravos necessitam caminhar em paralelo às de atendimento já no pré-natal e no de rotina de puericultura (de 0 a 6 meses: mensal; de 6 a 12 meses: bimestral; de 12 a 18 meses: trimestral; de 1,5 a 5 anos: semestral e de 5 a 18 anos: anual).

Quando a violência já ocorreu é porque já houve falha no nosso dever constitucional (artigo 227 da Constituição Federal) de proteger integralmente nossas crianças e adolescentes. Nessa esteira, não podemos tolerar novas falhas.

Para que se consiga reduzir a incidência da violência doméstica contra crianças e adolescentes, deve-se começar fornecendo orientações aos pais, já no período da gestação, para ajudá-los a desenvolver uma percepção real de seus filhos. Discussões sobre vinculação entre pais e filhos, desenvolvimento neuropsicomotor normal, maneiras de ensinar e consequências da violência devem ser estimuladas entre os profissionais de saúde e a comunidade em geral.

A prevenção e o diagnóstico de risco são possíveis e devem estar presentes em todos os atendimentos. Identificar sinais de alerta é uma importante estratégia de prevenção.

São exemplos de indicadores de risco:

No atendimento pré-natal:

  • Gravidez indesejada e não aceita.
  • Abandono paterno e/ou familiar.
  • Ocultação de gravidez.
  • Tentativa de aborto.
  • Desejo de dar o filho.
  • Responsável único sem suporte emocional ou financeiro mínimo.
  • Desajustes sérios entre os genitores; conflitos familiares.
  • História de doença mental ou distúrbios emocionais.
  • Abuso de substâncias lícitas e ilícitas.
  • Antecedentes de comportamentos violentos de um ou ambos os genitores.
  • Histórico pessoal de vitimização.

No atendimento perinatal e puerperal:

  • Sinais de tristeza, depressão, insegurança extrema ou apatia materna.
  • Comentários depreciativos acerca do bebê.
  • Indiferença, frieza e distanciamento do bebê.
  • Evitar segurar, alimentar ou acariciar o bebê.
  • Repulsa pelas secreções e excrementos do filho.
  • Indiferença ou recusa do aleitamento.
  • Desinteresse pelas orientações sobre o cuidar do bebê e seu desenvolvimento.
  • Falta de visitas pelos pais e/ou familiares ao recém-nascido hospitalizado.
  • Criança que não evolui bem apesar de ter condições de nascimento para tal.

Fatores familiares:

  • Dificuldade financeira.
  • Falta de acesso ao atendimento de saúde.
  • Desorganização e/ou violência familiar.
  • Falta de consciência ou conhecimento do cuidar.
  • Descrédito nos profissionais de saúde.
  • Atitudes e comportamentos normais das crianças que podem ser interpretados como desrespeito, desafio etc.

A sociedade precisa entender que os maiores investimentos devem se destinar às crianças e buscar, antes de qualquer coisa, o bem-estar e todas as condições de um bom desenvolvimento para aqueles que as sustentarão. Toda criança deveria ter o direito de nascer de pais que as criassem com satisfação e orgulho, incentivando sua cultura, costumes, modo de viver e força de lutar pela vida.

A criança se desenvolve por meio dos cuidados e estímulos que recebe. Cada faixa etária corresponde a uma série de aquisições evolutivas, tanto na área motora como psíquica e relacional. São aquisições que se sucedem, cada uma na dependência da anterior, e das quais se formarão os alicerces e estruturas que sustentarão não só seu crescimento em peso e altura, mas também o seu desenvolvimento intelectual, cognitivo, social e emocional.

Reconhecendo a possibilidade de omissão do cuidar em famílias de todos os padrões socioculturais é possível planejar uma abordagem adequada para cada situação e lutar por uma melhor qualidade de vida para as gerações atuais e futuras, e por uma sociedade mais justa.

Medidas de prevenção da violência doméstica incluem:

  • Implementar programas de sustentação, aconselhamento e treinamento no cuidado às crianças para famílias de risco, antes que seus problemas alcancem um estágio crítico através de rede de serviços bem integrada na comunidade local.
  • Melhorar o bem-estar econômico das famílias, especialmente as numerosas, através da profissionalização dos adultos e adolescentes e da sua capacitação para funções mais bem remuneradas.
  • Melhorar as condições da moradia, possibilitando hábitos saudáveis.
  • Reduzir o encargo do cuidado das crianças, por meio de creches e escolas que as abriguem enquanto os pais trabalham, onde também são desenvolvidos programas de treinamento nos cuidados às crianças para os genitores.
  • Reduzir o isolamento social e aumentar a disponibilidade de recursos e serviços da comunidade, especialmente para as famílias nas quais há uma criança com necessidades especiais.
  • Orientar precocemente todos os responsáveis sobre as características das fases do desenvolvimento infantil, suas necessidades e a importância de seu papel no desenvolvimento físico e emocional da criança e do adolescente.
  • Prevenir a gravidez indesejada, através de orientações e disponibilização de meios de planejamento familiar e contraceptivos.

Relator:
Mario Roberto Hirschheimer
Presidente do Núcleo de Estudos da Violência contra a Criança e o Adolescente da Sociedade de Pediatria de São Paulo