Prescrição de exercícios físicos na adolescência

Este texto tem o objetivo de orientar o pediatra fornecendo informações sobre como adequar os exercícios físicos às alterações fisiológicas peculiares a esta faixa etária. Um exercício bem orientado dá ao adolescente conhecimento e noções de limites do próprio corpo, contribuindo de forma geral, para a promoção da saúde.

Vários estudos epidemiológicos demonstram o papel benéfico do exercício regular para todas as idades. A atividade e o condicionamento físicos estão diretamente associados a uma redução da taxa de mortalidade. O grande problema enfrentado principalmente por quem atende adolescentes é como dosar os exercícios físicos. Dependendo da quantidade dessas atividades, os resultados poderão promover a saúde ou, ao contrário, provocar sérios danos ao corpo, inclusive à imagem corporal, produzindo alterações de ordem psicológica.

A Procura do Corpo Ideal

É comum durante a consulta do paciente adolescente do sexo masculino, um pedido para a liberação de atividades esportivas relacionadas a práticas que possam proporcionar um aumento de massa muscular com a finalidade estética (exercícios predominantemente anaeróbios – levantamento de pesos). Já no sexo feminino, a maior preocupação está relacionada à eliminação de gordura, sendo que o ganho de massa muscular é menos importante para a maioria. O que incomoda é o número de quilos apontado pela balança. Apenas uma pequena minoria das adolescentes julga o seu peso adequado ou inferior ao desejável.

De forma geral, adolescentes dos sexos masculino e feminino apresentam em comum, o culto à boa forma ou desejo de rápidas e mágicas mudanças corporais. E, muitas vezes, estão dispostos à execução de programas de treinamento físico extremamente “pesados” e inadequados às suas condições porque têm, como meta, a conquista do corpo idealizado pela maioria da sociedade.

Etapas do Desenvolvimento Físico

Durante a fase de desenvolvimento puberal, seguindo os critérios estabelecidos por Tanner(classificação do desenvolvimento mamário no sexo feminino e características do desenvolvimento genital no sexo masculino além de pêlos pubianos em ambos os sexos), o corpo do adolescente experimenta períodos de diminuição do depósito de gordura corporal e ganho de massa muscular. Para o sexo feminino, no momento em que a menina encontra-se no pico de velocidade de crescimento, (M3, segundo os critérios de Tanner) o ganho em massa gordurosa está muito diminuído. Portanto, na orientação de exercícios físicos esse dado dever ser levado em conta, pois a própria natureza contribui, nesta fase, para a redução de tecido adiposo.

Já para os meninos, o ganho de massa muscular corresponde ao pico de velocidade de crescimento (classificação G4 de Tanner), mas a força muscular só é adquirida em uma etapa posterior. É importante ter em mente, entre outros aspectos, que mesmo que o adolescente do sexo masculino apresente aos nossos olhos uma massa muscular adequada, o peso que tal massa suporta pode estar muito aquém do que o adolescente aparenta, ou seja, ele ainda não tem a força muscular que aparenta. Se isto não for levado em conta, as lesões decorrentes do excesso de exercícios com pesos podem provocar danos ao corpo, ou afastar o jovem da atividade física por um período longo. Este erro poderia ser facilmente evitado se a prescrição de exercícios fosse adequada desde o início. Portanto, durante a fase de aceleração do estirão puberal, os adolescentes não devem realizar exercícios de levantamento de peso com uma carga acentuada. Deve-se priorizar o número de repetições para um grupo muscular. Por exemplo: levantar um peso de 5 Kg realizando 4 séries de 20 repetições é mais aconselhável que levantar um peso de 10 Kg realizando 3 séries de 8 repetições para o mesmo grupo muscular. As atividades predominantemente aeróbias, como corrida, natação, andar de bicicleta, entre outros devem ser estimuladas nesta etapa. Exercícios com pesos ou de musculação, com a finalidade estética de ganho de massa muscular só devem ser realizados na fase de desaceleração do crescimento, ou seja, após o estadio 4 de Tanner.

Outro fator importante é que a generalização não é aconselhável. Cada adolescente faz seu crescimento de forma singular. Não há uma padronização utilizando, por exemplo, o critério cronológico para indicar qualidade e quantidade de exercícios físicos. O critério que deve ser levado em conta é o estágio de desenvolvimento puberal que irá ser alcançado em diferentes idades pelos adolescentes. A avaliação deve ser individual, uma vez que generalizações sobre o desenvolvimento puberal empobrecem o diagnóstico, sendo fundamental levar em conta fatores como, por exemplo: hereditariedade, nutrição, ambiente, sistema neuroendócrino e doenças.

Quatro itens são importantes para qualquer prescrição de exercícios físicos. São eles:

  1. Tipo: predominantemente aeróbio ou anaeróbio.
  2. Freqüência: 3 ou 4 vezes por semana (acima dessa freqüência geralmente trata-se de exercícios competitivos e devem ser prescritos baseando-se em testes específicos).
  3. Intensidade: pode ser determinada pela freqüência cardíaca (principalmente os exercícios predominantemente aeróbios). Esse é um dos parâmetros que pode ser utilizado facilmente no cotidiano. O acúmulo de lactato no sangue ou outros testes mais sofisticados são utilizados no treinamento de atletas.
  4. Duração: geralmente não ultrapassando 60 minutos.

A alimentação balanceada para adolescentes não atletas é suficiente para um bom desempenho do exercício, não sendo necessário prescrever os famosos suplementos alimentares. O jovem que toma um café da manhã, almoça, janta e faz um lanche entre essas refeições, está apto a realizar exercícios sem prejuízo para a saúde. As proporções entre os alimentos construtores, reguladores e energéticos devem obedecer padrões habitualmente prescritos. É mais importante comprar alimentos como frutas do que adquirir suplementos alimentares. Os suplementos devem ser reservados para aqueles que fazem treinamento competitivo com acompanhamento constante.

Por último, deve-se definir o predomínio do tipo de exercício, aeróbio e anaeróbio, conforme as necessidades e objetivos do adolescente. Se a finalidade é reduzir gordura e/ou melhorar o condicionamento físico, os exercícios predominantemente aeróbios descritos acima são suficientes em uma primeira etapa. Também deve-se propor exercícios predominantemente anaeróbios (trabalho com pesos) para o fortalecimento de grupos musculares específicos. Neste caso o acompanhamento e orientação de um profissional de saúde da área esportiva é importante. As atividades predominantemente anaeróbias podem e devem ser recomendadas na infância e adolescência, desde que não tenham como objetivo o aumento de massa muscular com finalidade estética. Algumas brincadeiras infantis como subir em árvores, brincar no “trepa-trepa” são exemplos de exercícios predominantemente anaeróbios que não prejudicam a musculatura, mas estimulam seu desenvolvimento saudável.

Avaliação para a Prática de Exercícios

Todas as pessoas que começam a praticar exercícios regulares devem ser submetidas previamente a uma avaliação médica que será aprofundada dependendo das condições clínicas.

Pode-se utilizar uma classificação que envolve 3 grupos: assintomáticos, sintomáticos e cardiopatas. Os exames subsidiários devem ser solicitados somente quando o médico julgar necessário, lembrando que para a maioria dos jovens o exame clínico, a anamnese juntamente com antecedentes pessoais e familiares são suficientes para uma boa orientação.

Alguns estudos mostram não ser conveniente envolver o adolescente em competições esportivas antes do pico da velocidade de crescimento.

Conclusões

O médico deve pensar no adolescente como um indivíduo em transformação que necessita de uma orientação criteriosa. Isto diminui os riscos de surgimento de danos físicos ou de agravos, no presente e no futuro, decorrentes da prática inadequada de exercícios. As constantes transformações nesta etapa da vida exigem que o médico busque também constantes avaliações, para que possa detectar mudanças em relação às necessidades, aos limites e às novas possibilidades do adolescente.

Relator: Maurício de Souza Lima
Secretário do Departamento de Adolescência da SPSP (Gestão2007-2009); Médico Hebiatra da Unidade de Adolescentes e Coordenador do Ambulatório dos Filhos de Mães Adolescentes do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, SP.

Texto divulgado em 31/08/2009.