Por mais segurança no kart

Por mais segurança no kart

kart é provavelmente a forma mais popular de esporte motorizado do mundo, sendo praticado por adultos e crianças. Desde sua introdução na década de 1950 (no Brasil, na década de 1960), passou a ser reconhecido como a porta de entrada para outras formas de automobilismo, pelo menor custo e maior facilidade de acesso.

A FIA-CIK (Commission Internationale de Karting) é o órgão internacional que estabelece regulamentos para essa modalidade, definindo padrões de pistas e campeonatos, assim como os aspectos técnicos dos karts. No Brasil, a CBA (Confederação Brasileira de Automobilismo), por meio da Comissão Nacional de Kart, é a responsável pelas normas das competições oficiais de kart.

Em comparação com outros esportes de alto risco, quase nenhum dado científico está disponível sobre lesões e riscos relacionados a essa modalidade. Ao sentar-se em um kart, o tronco e as extremidades ficam relativamente desprotegidos. Apesar do risco substancial de lesões graves, o número de requisitos de segurança obrigatórios permanece baixo. Capacete, luvas, macacão, balaclava, sapatos fechados são os exigidos na maioria das pistas de kart. Outros equipamentos, como protetor torácico e protetor cervical, apesar de primordiais, não são.

A Comissão de Segurança de Produtos de Consumo dos EUA (CPSC), em 2000, verificou que houve mais de 10.000 atendimentos em hospitais devido a lesões ocorridas durante corridas de kart. Cerca de 67% dessas vítimas eram crianças e adolescentes entre 8 e 14 anos. Embora, em sua maioria, essas lesões não sejam graves, algumas podem ser potencialmente fatais, seja por trauma direto (fraturas, contusões, abrasões, lacerações, queimaduras) ou trauma por desaceleração (lesões por compressão da coluna vertebral, “chicoteio”, lesão das artérias carótidas ou vertebrais).

Há dois modelos de kart: o indoor (velocidade máxima, em média, 70 km/h) e o de competição (velocidade máxima varia de 80 a 140 km/h). Os torneios no Brasil são distribuídos conforme as categorias oficiais, para menores de 18 anos: mini (de 6 a 8 anos); cadete (8 a 10 anos); júnior menor (10 a 12 anos); júnior (12 a 14 anos); novato (categoria de iniciantes com pelo menos 14 anos de idade); graduado de kart A e B (maiores de 14 anos); piloto de kart indoor (acima de 12 anos).

Diferentemente do kartcross, modalidade usada na terra, com uma “gaiola” de proteção e cinto de segurança, as outras modalidades não utilizam essa gaiola, nem Santo Antônio ou outro equivalente, nem tampouco cinto de segurança (justiça seja feita, alguns locais de kart indoor, geralmente para lazer, adicionaram o cinto de segurança, assim como outras adaptações foram feitas para proteção do piloto). A justificativa para o não uso do cinto de segurança seria que, numa capotagem, o piloto não permaneceria embaixo do kart – seria preferível que fosse ejetado!!!

Além do fato de não haver muita literatura científica a respeito de lesões que podem ocorrer com os pilotos de todas as idades, mesmo utilizando as proteções mencionadas, não há dados sobre o que acontece com os jovens pilotos (crianças e adolescentes).

É muito utilizada no meio médico a expressão “criança não é um adulto em miniatura”, referindo-se às diferenças anatômicas, fisiológicas e até psicoemocionais de cada fase da vida. Assumir que uma criança ou adolescente possa ser ejetado de um kart em velocidade e que isso é “seguro”, como acontece com um adulto (com todas as proteções obrigatórias e mais as proteções cervicais e torácicas), vai totalmente de encontro ao que há anos se estuda em relação às crianças/adolescentes vítimas de acidentes automobilísticos.

No início de outubro de 2022, Marcella P. Assumpção, pilota de 10 anos, sofreu um acidente na pista durante a 2ª corrida do SPlight: um kart “roda” na frente dela, fazendo com que o veículo da Marcella bata, “empine”, atirando-a ao chão (com o kart caindo por cima). A pequena pilota estava com capacete, balaclava, luvas, macacão, sapatos de corrida, protetor cervical e protetor torácico e, mesmo assim, teve fratura de clavícula e lesão cervical. Há outros exemplos que podemos mencionar…

O fato é que, primeiro, todos os itens de segurança que a Marcella utilizou (todos devidamente certificados) deveriam ser obrigatórios, sempre. Sem eles os danos seriam muito maiores. Segundo, assumir que uma criança possa ser ejetada do kart em velocidade, sem que corra mais riscos do que um adulto na mesma situação é, digamos, fantasioso – para não dizer irresponsável!

Por que não se coloca proteção no kart como em outras modalidades automobilísticas? Santo Antonio e cinto de segurança impediriam a ejeção do piloto, o movimento de chicoteio do pescoço, o trauma direto no volante, além do Santo Antonio permitir que o piloto, numa capotagem, permaneça embaixo do kart, sem o risco de esmagamento.

A aparente infrequência de acidentes graves no kart (lembrem-se, faltam dados!) não é justificativa para correr tantos riscos. Que esses futuros “Ayrton Senna” possam praticar a modalidade em segurança, sem o risco de morte ou sequelas.

 

Saiba mais:

* Eker HH, Van Lieshout EMM, Den Hartog D, Schipper IB. Trauma mechanisms and injuries associated with go-karting. Open Orthop J. 2010;4:107-110.

 

Relatora:

Tania Zamataro
Presidente do Departamento Científico de Segurança da Criança e do Adolescente da SPSP
Coordenadora do Blog Pediatra Orienta da SPSP