O passo 4 e a assistência neonatal na sala de parto

Relatores:
Dra. Keiko Miyasaki Teruya
Doutora em Medicina (Medicina Preventiva) pela Universidade de São Paulo e membro do Depto. Científico de Aleitamento Materno da SPSP

Dra. Virginia Spinola Quintal
Mestre em Medicina e Doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Presidente do Depto. Científico de Aleitamento Materno da SPSP.

Dra. Nadia Sandra Orozco Vargas
Neonatologista da Unidade de Recém-nascidos Externos do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas e membro do Depto. Científico de Aleitamento Materno da SPSP

           Com a identificação do desmame precoce como a principal causa das altas taxas de Mortalidade Infantil e visando sua redução surgiu em 1990 a idéia de estabelecer ações que resgatassem a prática da amamentação em reunião realizada em um dos Centros da UNICEF localizado em Spedale degli  Innocenti na Itália – a Inciativa Hospital Amigo da Criança.  Essa reunião contou com a presença de um grupo de formuladores de Políticas de Saúde  de vários países e da Organização das Nações Unidas A identificação dos fatores envolvidos no desestímulo à amamentação relacionada a informações errôneas e práticas inadequadas levou a OMS e o UNICEF a optarem pela atuação no Hospital a fim de promover um início da alimentação seguro e adequado para a criança. A estratégia idealizada pela OMS/UNICEF – Iniciativa Hospital Amigo da Criança contidas na Declaração de Innocenti foi denominada de “Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno”, para promover, proteger e apoiar a amamentação. O objetivo básico consiste na mobilização de profissionais de saúde e funcionários de hospitais e maternidades para mudanças em rotinas e condutas visando a prevenir o desmame precoce.

            Estudo realizado pelo Institute for Health Metrics and Evaluation e divulgado recentemente pela revista médica britânica ‘The Lancet’ aponta que a taxa de mortalidade infantil no Brasil caiu 61,7%. Em 1990 eram 52,04 mortes por mil nascimentos, hoje são 19,88 mortes por mil. Com isso, o país está perto de atingir a meta estipulada para o milênio, que é chegar em 2015 com uma taxa de 15 mortes a cada mil nascidos. Apesar dos números positivos, o Brasil ainda está longe dos índices registrados em países como Islândia, Suécia e Chipre, com três mortes por mil nascimentos.

            Segundo o gerente de Estudos e Análises Demográficas do IBGE, Juarez de Castro Oliveira Os programas de vacinação em massa, o incentivo ao aleitamento materno, o acompanhamento de gestantes e recém-nascidos, além da relativa expansão do saneamento básico, contribuíram para isso”.

            No Brasil cerca de 27 000 recém-nascidos morrem antes de 30 dias de idade e, segundo o Ministério da Saúde, através da amamentação poderiam ser prevenidas  cerca de 7 000 mortes.

            Resultados do estudo realizado na zona rural de Gana com 10 947 bebês, nascidos entre julho de 2003 e junho de 2004, mostram que: iniciar a amamentação na primeira hora reduziu o risco de mortes infantis; retardar o início da amamentação levou a um acentuado aumento no risco de morrer; 22% das mortes neonatais podem ser evitadas se todos os bebês forem amamentados na 1ª hora de vida e 16% se o início for ao primeiro dia. Iniciar a amamentação depois de um dia de vida esteve associado a um aumento de 2,4 vezes no risco de morrer.  

            Por outro lado, todo recém-nascido em boas condições, quando colocado sobre o abdome materno logo após o nascimento, tem a habilidade de encontrar a mama materna e decidir quando iniciar a primeira mamada. Este movimento de rastejar pode demorar até 10 minutos; a primeira mamada poderá ocorrer dentro de 30 a 60 minutos e a sucção efetiva em média em 20 minutos (Breast Crawl, 2007-UNICEF). O Breast Crawl está associado com os órgãos dos sentidos e o sistema nervoso central, motor e neuro-endócrino, todos diretamente ou indiretamente ajudando o bebê a se movimentar facilitando sua sobrevida no novo mundo.

            Existem ainda outras vantagens com a amamentação precoce como um maior vínculo emocional entre mãe e bebê. “Mesmo que o bebê nasça de uma cesariana, ele pode ir para o colo da mãe, receber seu calor, seu amor, sentir sua pele. Mamar suaviza sua entrada neste mundo tão diferente do útero. No colo da mãe, o coração do bebê se acalma, sua temperatura se estabiliza e sua respiração encontra um ritmo adequado, benefícios que nenhum berço aquecido consegue imitar”.

            Frente a todas as evidências, a OMS/UNICEF idealizou a Iniciativa “Hospital Amigo da Criança” que visa oferecer a todos os bebês o melhor começo de vida possível ao criar um ambiente de assistência à saúde que tenha como norma o apoio à amamentação mediante o cumprimento, pelos hospitais, dos Dez Passos para o sucesso do Aleitamento Materno e das Normas Brasileiras de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras. No Brasil o MS acrescentou alem destes cumprimentos mais dez pré requisitos para se tornar um Hospital amigo da Criança.

            A Iniciativa Hospital Amigo da Criança faz parte atualmente da Estratégia Global para a Alimentação de Lactentes e Crianças de Primeira Infância da Organização Mundial da Saúde e do UNICEF (AMS-2002). Foi incorporada pelo Ministério da Saúde como ação prioritária em 1992 e desde então, com o apoio das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde e Sociedade Brasileira de Pediatria vem capacitando profissionais, realizando avaliações e estimulando a rede hospitalar para o credenciamento.

            A fundamentação dos Dez Passos para o sucesso do Aleitamento Materno está baseada em evidencias cientificas. Um dos principais passos a cumprir pelo Hospital é o passo 4: Ajudar as mães a iniciar a amamentação na primeira meia hora após o nascimento do bebê (OMS/UNICEF 1991). Atualmente este passo tem uma nova interpretação: Colocar os bebês em contato pele-a-pele com suas mães imediatamente após o parto, durante pelo menos uma hora e encorajar as mães a reconhecerem quando seus bebês estão prontos para mamar, oferecendo ajuda, se necessário (OMS/UNICEF-2006).

•                      Há comprovação cientifica de que o início da amamentação precoce para o recém nascido normal aumenta a duração da amamentação; mantém o calor, principalmente ao pré termo e o coloniza com os organismos maternos; os bebês aprendem a sugar de maneira mais eficiente; promove melhores resultados no seu desenvolvimento; pode ajudar a mulher a se sentir competente, apoiada e pronta para interagir com seu bebê; pela liberação da ocitocina estabelecer o vinculo mãe/filho e ainda ajuda a prevenção da hemorragia pós-parto e a involução uterina.

            O inicio da amamentação dentro da primeira hora pós-parto depende do apoio que as mulheres recebem do setor saúde e de suas famílias, da existência de uma política hospitalar que mantenha mãe e bebê juntos durante o período de alerta após o parto (cerca de uma hora) e que impeça o uso de alimentos pré-lácteos e bicos artificiais, respeitando o ritmo desenvolvido pela mãe e seu filho.

            Quais seriam as práticas que podem ajudar uma mulher a se sentir competente, apoiada e pronta para interagir com seu bebê a fim de iniciar a amamentação logo após o parto?

  • Escutar a parturiente
  • Oferecer apoio emocional durante o parto;
  • Receber alimentos leves e bebidas no inicio do trabalho de parto;
  • Ter liberdade de movimentação durante o trabalho de parto;
  • Não ter intervenção desnecessária (parto cesáreo; episiotomia; uso de analgésicos com efeito sedativo; punção venosa, etc);
  • Ter seu bebê em contato pele a pele imediatamente ao nascer;
  • Receber ajuda na primeira mamada;
  • Evitar embrulhar o bebe com firmeza logo após o nascimento e separar mãe e bebe após nascimento.

            Oferecer apoio durante o parto permitindo acompanhante no pré-parto, parto e pós-parto reduz a percepção da dor, o estresse e acelera o parto, aumentando a confiança da mãe. Além disso, reduz o risco de hipotermia e hipoglicemia do lactente por este mamar precocemente o colostro e reduz o nível de estresse com maior desenvolvimento do vinculo mãe/filho.

            Recomenda-se o contato pele a pele entre mãe/filho sem interrupções e sem pressa. Coloca-se apenas um campo limpo sobre o bebê e sua mãe, antes mesmo do clampeamento do cordão, permanecendo juntos por pelo menos uma hora. Este contato acalma tanto a mãe quanto o bebê; estabiliza os batimentos cardíacos e a respiração do bebê; mantém o bebe aquecido com o calor do corpo da mãe; auxilia na adaptação metabólica e na estabilização da glicose sanguínea do bebe; reduz o choro; reduzindo o estresse e uso de energia; possibilita a colonização do intestino do bebe com as bactérias da mãe, contanto que ela seja a primeira pessoa a segurar o bebe e ainda mais possibilita o estreitamento dos vínculos afetivos entre mãe e bebe.

            O exame do bebê pode ser realizado com o bebê sobre o peito da mãe. Pesagem, medição e outros procedimentos devem ser realizados posteriormente. Ambos (mãe e filho) devem ser encaminhados juntos à maternidade ou alojamento conjunto.

Referências:

1. Labbok MH. Breastfeeding and Baby-Friendly Hospital Initiative: more important and with more evidence than ever. J Pediatr (Rio J). 2007; 83(2):99-101.

2. Edmond KM, Zandoh C, Quigley MA, Amenga-Etego S, Owusu-Agyei S, Kirkwood BR. Delayed Breastfeeding Initiation Increases Risk of Delayed Neonatal Mortality. Pediatrics March 2006; 117(3): e380-e386

3. DeChateau P,  Wiberg B. Long term effect on mother-infant behavior of extra contact during the first hour postpartum. Acta Peadiatr, 1977, 66:145-151

4. Christensson K et al. Temperature, metabolic adaptation and crying in healthy full-term newborns cared for skin-to-skin or in a cot. Acta Paediatr, 1992, 81:490.

5. Righard L, Alade O. Effect of delivery room routines on success of first breastfeed. Lancet, 1990, 336:1105-1107.

Texto divulgado em 01/10/2012