“Não, não! Pelos pelos da minha barba, eu não te deixarei entrar!”

“Não, não! Pelos pelos da minha barba, eu não te deixarei entrar!”

Esta frase é repetida três vezes na história dos “Três porquinhos”. É dita em resposta à pergunta do lobo mau, quando este pede para entrar na casa de cada um dos porquinhos, com a intenção de devorá-los. Esta frase dá suporte para a interpretação de que esta fábula retrata o desenvolvimento infantil em suas fases diferentes, sendo que cada porquinho descreveria um estágio desse desenvolvimento. A frase serviria como uma marca de identidade pessoal.

“Era uma vez três porquinhos que decidiram sair da casa da mãe para construir suas próprias casas e viverem independentes…”. Assim começa o conto. O desenvolvimento de uma criança é uma jornada que começa no clampeamento do cordão umbilical e continua se dando por meio de diversas separações dos pais/cuidadores. É uma jornada, não isenta de riscos. A mãe dos porquinhos já os advertira sobre eles.

Duas grandes maneiras de caminhar nesse percurso são possíveis; uma, é viver orientado pela satisfação imediata do prazer; outra é viver com prudência, pensando no amanhã. O que o conto propõe é que a criança, por si mesma, aprenda a reconhecer que a satisfação de um prazer, às vezes, precisa ser adiada. Aprender a dizer não. As casas dos porquinhos menores são frágeis, de palha e de madeira, foram facilmente derrubadas pelo sopro do lobo mau. Foram construídas com rapidez, para permitir que, muito mais rapidamente, tivessem um tempo livre para o desfrute das brincadeiras. A casa do porquinho mais velho, construída com pedras, exigiu mais inteligência e tempo. Demorou mais, privou aquele porquinho, por certo período, de ter tempo para aproveitar as brincadeiras com os irmãos; no entanto, se mostrou mais efetiva para a sua proteção e preservação da vida.

Os contos de fadas ensinam sem que imponham. As crianças se identificam de alguma maneira com eles e conseguem captar, por elas mesmas, os exemplos propostos. Ao ler ou ouvir esta história a criança pode se identificar com qualquer um dos personagens; pode, também, por comparação, se aperceber do seu próprio mundo real. Esse é o grande processo “terapêutico” e “educativo” de um conto de fada.

Neste conto, em particular, destacamos:

  • Cada porquinho é submetido ao estresse da presença do lobo mau e enfrenta a sua decisão;
  • O lobo mau é real e personifica a maldade, a vulnerabilidade da existência;
  • O lobo mau, que confere aspecto de crueldade, é punido;
  • A criança pode captar que a inteligência, a diligência, a estratégia, são aliadas importantes para o enfretamento dos perigos e das dificuldades da jornada;
  • Há um final feliz (nesta fase do desenvolvimento psicológico da criança é importante que ela tenha esperança. Mais tarde, na adolescência, quando o pensamento abstrato passar a ser um instrumental importante de sua mente, ela terá capacidade para concluir que “nem sempre o herói vence”.);
  • A mãe fez o que tinha que fazer – orientar, advertir dos perigos. Ela, todavia, não pode livrar seus porquinhos do medo, do risco, da ansiedade, etc. Essa mãe, assim como todas as outras mães, não pode viver a vida dos filhos ou por eles.

“Quanto mais tentei entender a razão pela qual essas histórias têm tanto êxito no enriquecimento da vida interior da criança, mais me dei conta de que esses contos – num sentido bem mais profundo do que qualquer outro material de leitura – começam no ponto em que a criança efetivamente se acha em seu ser psicológico e emocional. Falam de suas graves pressões interiores de um mundo que ela inconscientemente compreende e, sem menosprezar as lutas íntimas mais sérias que o crescimento pressupõe, oferecem exemplos tanto de soluções temporárias, quanto permanentes para dificuldades presentes.”*

Leia contos de fadas para a criança, você estará cuidando do desenvolvimento intelectual e emocional dela, porém não tente explicá-los com a sua racionalidade de adulto; além de atrapalhar, faz perder a graça. A própria criança vai buscar e encontrar o significado apropriado para o seu mundo interior.


Saiba mais:

* A psicanálise dos contos de fadas. Bruno Bettelheim; tradução Arlene Caetano. 44ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2023. p.13.

(O enfoque desta história, em particular, é tratar do desenvolvimento da sexualidade e o lidar com os complexos edipianos da criança; perspectiva que deixamos de abordar, intencionalmente).

 

Relator:
Fernando MF Oliveira
Coordenador do Blog Pediatra Orienta da SPSP