Medidas para o Pediatra Relacionadas à Pandemia da COVID-19

SPSP – Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto  divulgado em 20/03/2020

Departamento Científico de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo

 

Como já publicamos um informe sobre o coronavírus pandêmico (leia aqui), este documento visa auxiliar os pediatras no desempenho das atividades diárias no atendimento de crianças e adolescentes durante este período mais complicado.

Em 31 de dezembro de 2019, a China fez um alerta para Organização Mundial de Saúde (OMS) quanto a casos de pneumonia de etiologia desconhecida na cidade de Wuhan, província de Hubei. Em 7 de janeiro de 2020, autoridades chinesas identificaram um novo tipo de CoV – a partir daí, convivemos com a epidemia de um novo vírus. A doença foi subsequentemente chamada de Covid-19 (Doença pelo Coronavírus 2019) e o vírus de Sars-CoV-2. Estudos mostram que, muito provavelmente, esse vírus é proveniente dos morcegos, com o hospedeiro intermediário ainda desconhecido, e se iniciou em um mercado de animais silvestres em Wuhan, na China. Rapidamente o vírus disseminou-se pela cidade, chegando em outras localidades chinesas, Tailândia, Japão e se espalhando por 64 países em dois meses.

Situação atual

Até 20 de março de 2020 (data de fechamento desta edição), a OMS registrou 193.475 casos confirmados de infecção pelo Sars-CoV-2, com 7.864 óbitos, em 164 países. Importante ressaltar que esta é a letalidade dos casos diagnosticados, que são, na maior parte, aqueles sintomáticos. Possivelmente, muitos casos podem ser assintomáticos, ou ter apenas sintomas leves, o que diminuiria a letalidade. Apesar de menor letalidade que as outras epidemias por CoV, percebe-se uma capacidade maior de transmissibilidade, ou seja, contágio de transmissão entre seres humanos, aparentemente, mais consistente.  No Brasil, fala-se em mais de 300 infectados em 19 estados, mas certamente esse número está subestimado.

Situação em Pediatria

O número de casos em Pediatria é bastante inferior e de menor gravidade comparado ao de adultos, particularmente idosos. Entretanto, é vital ter em mente algumas informações importantes.

Estudo recente, publicado no Pediatrics (em fase de pré-publicação), analisando uma população de 2.143 pacientes pediátricos, mostra que quase a totalidade das crianças apresentou sintomas leves. Alguns dados relevantes: dos casos suspeitos, cerca de 20% foram confirmados. Portanto, o número de pacientes pediátricos diagnosticados como infecção pelo Sars-CoV-2 foi de 731 casos com idade abaixo de 18 anos. Houve um óbito em um paciente de 14 anos. Esse estudo demonstra que o foco da pandemia não são as crianças. No entanto, apesar dos casos pediátricos serem frequentemente assintomáticos, as crianças podem ser importantes na disseminação do vírus.

Papel do pediatra em relação ao coronavírus

Uma das realidades do momento é que, apesar das crianças – e mesmo adultos jovens – não serem o principal foco na prevenção da doença, visto que não são os que apresentam doenças mais graves, eles estão sendo diretamente atingidos por medidas de contenção, como fechamento de escolas e limitação de acesso aos espaços públicos. Mas, devemos recordar que temos como objetivo não deixar desamparadas as famílias que precisam de orientações e de atendimento.

Neste momento, será de suma importância tentar minimizar a transmissão de qualquer quadro respiratório dentro da unidade de atendimento, com especial atenção ao novo coronavírus sem, entretanto, esquecer a possibilidade dos outros vírus respiratórios, que neste período do ano apresentam, também, uma grande frequência, particularmente o vírus sincicial respiratório e influenza.

Neste momento, cabe ao pediatra acalmar as famílias e até, se possível, orientar em como superar esses momentos de reclusão em casa. Sugestão de atividades possíveis em casa fazem parte desse cenário.

O atendimento no consultório está mantido, porém deve ser elaborado um novo fluxo de atendimento para oferecer a melhor assistência possível para todas as famílias. Esse fluxo deve ser constantemente reavaliado conforme a evolução do cenário da epidemia e, se necessário, novas modificações podem ser implementadas.

Em relação à rotina diária em consultórios médicos e ambulatório:

  • Se for possível, os atendimentos de rotina para pacientes estáveis devem ser adiados neste momento;
  • As consultas ambulatoriais devem ser priorizadas para atendimento das crianças que não estão passando bem (preferindo atendimento em consultório, consulta agendada, do que em PS);
  • A utilização da tecnologia (telefonema ou telemedicina para atendimentos e orientações não emergenciais) deve ser reforçada;
  • Intensificar medidas de higiene;
  • Organizar horários de atendimento e evitar deixar pacientes em sala de espera (tanto para ambulatórios como consultórios);
  • Importante: se possível, colocar em locais de fácil visualização orientações para proteção contra a Covid-19 e orientações para lavagem de mãos e cuidados em casa;
  • Médicos com idade superior a 60 anos, ou que apresentam fatores que aumentem risco para doença grave, devem minimizar a atuação médica direta com pacientes no contexto atual.

Como organizar o atendimento

Estamos entrando em uma época com uma série de vírus respiratórios e o coronavírus será mais um deles. Portanto, os pacientes sintomáticos também deverão ficar “isolados” entre si. Uma alternativa é mantê-los com máscara cirúrgica o tempo todo, desde a entrada no consultório ou prédio (se tiver elevador), e deixar sempre à disposição o álcool gel. Provavelmente, será difícil essa orientação em crianças pequenas, além de ser possível e provável que não estejam disponíveis máscaras cirúrgicas para todos. Uma solução seria orientar a família, em caso de consulta, para providenciar sua máscara cirúrgica para proteção. A utilização da mesma poderá ser útil no período que o paciente estará na clínica. É importante, também, manter, o quanto possível, uma distância entre os pacientes (uma alternativa é agendar os pacientes com um breve intervalo de tempo, para evitar ao máximo a interação entre eles). Por último, é sugerido que se evitem conversas desnecessárias, a fim de menor dispersão de gotículas, uma música de fundo deverá ajudar a quebrar o silêncio.

Os funcionários (limpeza, secretariado e qualquer outro) serão peça-chave para a minimização do risco de todos, inclusive deles mesmos. E é importante o entendimento de que eles também estão fazendo parte no combate à pandemia, portanto seu envolvimento é fundamental. É de extrema importância a capacitação de todos quanto a boas práticas de higiene e proteção. O uso de máscara cirúrgica é necessário no momento de atendimento dos pacientes sintomáticos. É aconselhável o uso de trajes privativos e não a roupa de uso pessoal. Após o término do dia, essa roupa deverá ser retirada na própria clínica e enviada para limpeza e desinfecção. O uso de luvas pelos funcionários não faz muito sentido se eles mantiverem uma constante lavagem das mãos, além de ser um gasto a mais de um recurso muito importante no momento.

Testar pacientes pediátricos com sintomas respiratórios para vírus respiratório e Covid-19. O diagnóstico viral pode ser importante, pois o achado de outro vírus respiratório, como vírus sincicial respiratório ou influenza, pode servir de auxílio nas orientações. Lembrar que alguns painéis virais apresentam testes para outros coronavírus que não Sars-CoV-2. Por exemplo, coronavírus 229E, coronavírus HKU1. Coronavírus OC43 e coronavírus NL63 são detectados no painel viral do FILM ARRAY e não guardam nenhuma relação com a Covid-19.

Reforçando orientações

  • Manter o incentivo à imunização. As carteiras de vacinas devem se manter atualizadas em atenção especial ao período de imunização para influenza;
  • Aleitamento materno deve ser preservado, pois não há evidências de transmissão através do leite materno. Mesmo os raros casos de recém-nascidos filhos de gestantes com Covid-19 não apresentaram sintomas respiratórios;
  • As mães que amamentam devem seguir com o aleitamento e devem ser orientadas para redobrar os cuidados, caso apresentem sintomas respiratórios, com lavagem de mãos e uso de máscara cirúrgica durante a amamentação.

Reforçando medidas de prevenção

O Ministério da Saúde orienta cuidados básicos para reduzir o risco geral de contrair ou transmitir infecções respiratórias agudas, incluindo o Sars-CoV-2. Entre as medidas estão:

  • Evitar contato próximo com pessoas que sofrem de infecções respiratórias agudas;
  • Realizar lavagem frequente das mãos, especialmente após contato direto com pessoas doentes ou com o meio ambiente;
  • Utilizar lenço descartável para higiene nasal;
  • Cobrir nariz e boca quando espirrar ou tossir;
  • Evitar tocar mucosas de olhos, nariz e boca;
  • Higienizar as mãos após tossir ou espirrar;
  • Não compartilhar objetos de uso pessoal, como talheres, pratos, copos ou garrafas;
  • Manter os ambientes bem ventilados;
  • Evitar contato próximo a pessoas que apresentem sinais ou sintomas da doença;
  • Evitar contato próximo com animais selvagens e animais doentes em fazendas ou criações;
  • Viagens devem ser realizadas apenas em casos de extrema necessidade.

Profissionais de saúde devem utilizar medidas de precaução padrão, de contato e de gotículas (máscara cirúrgica, luvas, avental não estéril e óculos de proteção). Para a realização de procedimentos que gerem aerossóis de secreções respiratórias, como intubação, aspiração de vias aéreas ou indução de escarro, deverá ser utilizado aerossol por precaução, com uso de máscara N95.

Referências Bibliográficas

Zhu N, Zhang D, Wang W, Li X, Yang B, Song J, et al. A novel coronavirus from patients with pneumonia in China, 2019. N Engl J Med. 2020 Jan 24 [Epub ahead of print].

Phan LT, Nguyen TV, Luong QC, Nguyen TV, Nguyen HT, Le HQ, et al. Importation and human-to-human transmission of a novel coronavirus in Vietnam. N Engl J Med. 2020 Jan 28 [Epub ahead of print].

Yuanyuan Dong, Xi Mo, Yabin Hu, Xin Qi, Fang Jiang, Zhongyi Jiang, Shilu Tong Epidemiological Characteristics of 2143 Pediatric Patients With 2019 Coronavirus Disease in China [Epub ahead of print]. PediatricsDOI: 10.1542/peds.2020-0702.

CDC- COVID-19 and braest feeding https://www.cdc.gov/breastfeeding/breastfeeding-special-circumstances/maternal-or-infant-illnesses/covid-19-and-breastfeeding.html