Manifestação do DC de Adolescência da SPSP frente ao PL 1904/2024

Texto divulgado em 19/06/24


 O Departamento Científico de Adolescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), na função de advogar em prol dos adolescentes e lhes dando voz, vem a público esclarecer à sociedade civil e aos legisladores do país sobre os impactos da proposição do Projeto de Lei 1904/2024, sem prévia discussão com a sociedade e com profissionais de saúde.

De acordo com dados do Disque Direitos Humanos (Disque 100), de janeiro a maio de 2024 foram feitas 60 denúncias de estupro de vulnerável por dia.1 Levando-se em conta a estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de que apenas 8,5% dos estupros no Brasil são relatados à polícia, projeta-se que ocorram 822 mil casos ao ano, o que eleva o número de abusos sexuais de pessoas vulneráveis para 616 mil ao ano.2

O Boletim Epidemiológico “Notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, 2015 a 2021”, publicado em fevereiro de 2024, cita que 70,9% dos casos de violência sexual de crianças de 0 a 9 anos e 63,4% de adolescentes acontecem em suas residências, sendo os agressores majoritariamente homens e conhecidos da família.3 Diante desses dados, é de se imaginar o manto de silêncio que encobre esse tipo de agressão, seja por pressão do agressor, por vergonha, medo, culpa indevida ou mesmo não identificação de que se trata de uma violência, principalmente por parte das crianças.

Em média, 38 meninas de até 14 anos tornam-se mães a cada dia no Brasil. Em 2022, último período disponível nos relatórios do Sistema Único de Saúde (SUS), foram mais de 14 mil gestações entre meninas dessa faixa etária.4

Devido às condições em que acontecem as violências sexuais na infância e adolescência, às características dessas fases de desenvolvimento e às dificuldades de acesso a serviços de saúde capacitados para a identificação de sinais de violência sexual, é comum que as gestações não planejadas de crianças e adolescentes só sejam percebidas após 22 semanas. E as vítimas não devem ser penalizadas por isso. Forçar essas meninas à maternidade compromete sua saúde física, mental e tem consequências para seu futuro social e econômico, agravando sua situação de vulnerabilidade.4

Posto isso, o Departamento Científico de Adolescência da SPSP solicita aos legisladores do Brasil que, em vez de criminalizar pessoas inocentes, discutam leis que assegurem educação em sexualidade, acesso a métodos contraceptivos e estabeleçam, quando necessário, espaços seguros e efetivos para acolhimento e encaminhamento das vítimas de violência sexual.

 

Relatora: Andrea Hercowitz
Departamento Científico de Adolescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo

 

Referências

  1. Disque 100 recebe duas denúncias por hora de estupro de vulneráveis. Casos que ocorrem em ambiente familiar são subnotificados. Agência Brasil.https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-05/disque-100-recebe-duas-denuncias-por-hora-de-estupro-de-vulneraveis- acessado em 16/6/24.
  2. Ferreira H et al.Elucidando a prevalência de estupro no Brasil a partir de diferentes bases de dados. Ministério do Planejamento e Orçamento. Governo Federal. Ipea. https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11814/4/TD_2880_web.pdf –  acesso em 16/6/24.
  3. Notificaçõesde violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, 2015 a 2021. Boletim Epidemiológico. Ministério da Saúde. Em https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/edicoes/2023/boletim-epidemiologico-volume-54-no-08 – acesso em 16/6/24.
  4. 4. Com PL do aborto, instituições temem mais casos de gravidez em meninas. Agência Brasil. Emhttps://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-06/instituicoes-temem-mais-casos-de-gravidez-em-meninas-com-pl-do-aborto– acesso em 16/6/24.