Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto divulgado em 28/06/2019
É cada vez mais frequente nos consultórios pediátricos os pais trazerem a queixa de dificuldades relacionadas ao desempenho escolar. Assim como é papel do pediatra manejar um quadro de tosse ou febre, é importante que saiba como conduzir e orientar uma criança ou adolescente que apresente dificuldade de aprendizado.
Quando se trata de dificuldade escolar, é fundamental que se faça uma distinção entre os conceitos de dificuldade de aprendizado e de transtorno de aprendizado. Trantorno de aprendizado se refere a uma afecção de natureza neurobiológica, relacionada a uma inabilidade específica, como para leitura (dislexia), escrita (disgrafia) ou matemática (discalculia). Nesses casos, o indivíduo apresenta uma performance significativamente abaixo do esperado para sua capacidade intelectual em áreas específicas. Vale lembrar que uma parcela muito pequena dos indivíduos que apresentam mal desempenho escolar tem efetivamente um transtorno de aprendizado.
Por outro lado, o conceito de dificuldade de aprendizado abrange um grupo heterogêneo de problemas que podem alterar a capacidade da criança aprender, independentemente de suas condições neurológicas para tal. O primeiro ponto importante é definir se a criança/adolescente realmente apresenta uma dificuldade de aprendizado ou se existe uma cobrança desproporcional por parte dos pais acerca do seu desempenho. Nesse caso, é importante orientar os pais e alinhar as expectativas da família. Se for observado que realmente há uma dificuldade, devemos levar em conta na investigação do quadro os seguintes fatores:
- Fatores escolares: muitas vezes a criança pode estar em uma escola cuja metodologia de ensino não se adequa ao seu perfil e isso pode prejudicar seu aprendizado. Ainda nesse sentido, outras questões que podem interferir na aprendizagem são condições físicas inadequadas das salas de aula, número elevado de alunos na classe (dificultando uma atenção mais direcionada dos professores) e falta de um preparo adequado do corpo docente.
- Fatores socioambientais: o estímulo para o aprendizado não está restrito ao ambiente escolar. É preciso que em casa os pais também estimulem e deem suporte para o aprendizado, seja participando do momento das lições de casa ou ajudando a solucionar dúvidas que surjam durante os estudos. Ainda nesse sentido, um ambiente domiciliar conturbado, com ocorrência de violência doméstica, alcoolismo ou drogadição também terá um impacto negativo no desempenho acadêmico das crianças e adolescentes.
- Fatores emocionais: uma criança ou adolescente que esteja passando por um processo de sofrimento emocional, como em um quadro depressivo, certamente terá uma queda do desempenho acadêmico. É fundamental que se tenha em mente a possibilidade de um quadro depressivo, principalmente quando há uma queda repentina no rendimento escolar. Muitas vezes os sintomas de depressão podem ser confundidos com desatenção, desinteresse ou falta de vontade. Os quadros de ansiedade também têm repercussões negativas no desempenho acadêmico e deve-se suspeitar deles, principalmente quando a criança/adolescente parece aprender bem os conceitos, mas na hora das provas fica nervosa e não consegue ter o desempenho esperado.
- Fatores orgânicos: diversas questões orgânicas podem prejudicar a capacidade de aprendizado. As principais questões que devemos ter em mente na investigação da queixa de dificuldade escolar são:
- Dificuldades sensoriais (visão e audição): é fundamental que uma criança/adolescente com queixa de mau desempenho acadêmico tenha sua visão e audição avaliadas.
- Distúrbios do sono: uma criança/adolescente que tem um sono ruim (em qualidade ou quantidade), certamente terá prejuízo do seu desempenho acadêmico.
- Distúrbios da tireoide: tanto o hipotireoidismo quanto o hipertireoidismo podem ter impacto negativo no rendimento escolar.
- Desempenho cognitivo: se a criança/adolescente tem em seu histórico situações que poderiam trazer prejuízos para o seu desempenho cognitivo, como prematuridade extrema, sofrimento no parto (hipóxia neonatal), infecções congênitas, traumatismos crânio-encefálicos ou internações com necessidade de suporte de UTI, é importante que seja feita uma avaliação formal da sua capacidade cognitiva, por meio de uma avaliação neuropsicológica.
- Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade: acomete uma em cada 20 crianças e adolescentes e é um diagnóstico importante a ser considerado frente à queixa de dificuldade escolar.
- Epilepsia (crises de ausência): também é um diagnóstico importante a ser considerado na investigação de dificuldade de aprendizado, principalmente nos indivíduos com queixa de desatenção.
- Transtorno do espectro do autismo (TEA): dificilmente o diagnóstico de TEA será efetuado apenas com base em dificuldade escolar, mas indivíduos que estão no espectro podem apresentar dificuldades acadêmicas.
- Síndromes genéticas: algumas síndromes genéticas podem ter repercussões no aprendizado, como Síndrome de Down, Síndrome de Turner, Síndrome de Willians, Síndrome do X-Frágil.
Através da anamnese (história clínica) e do exame físico, o pediatra deve direcionar as principais hipóteses diagnósticas que poderiam justificar a dificuldade escolar do seu paciente e solicitar os exames complementares e avaliações que sejam necessárias para o caso. Por exemplo: se há suspeita de uma alteração auditiva, o paciente deve ser submedido a uma audiometria; se há suspeita de uma alteração de tireoide, deve realizar as dosagens hormonais; se há suspeita de um transtorno de linguagem, deve realizar avaliação fonoaudiológia; e assim por diante.
Tendo em mãos os resultados de exames e avaliações, o pediatra deve encaminhar esse paciente para as terapias necessárias (medicamentosas ou não), visando reverter ou ao menos minimizar as dificuldades apresentadas, de forma que essa criança/adolescente possa se desenvolver e aprender em seu máximo potencial.
Relatora
Mariana Facchini Granato
Grupo de desenvolvimento e aprendizagem