Muitos pais frequentam nossos consultórios perguntando sobre a forma das pernas de seus filhos. O alinhamento natural dos joelhos durante o crescimento segue um padrão comum à maioria das crianças, independentemente do sexo, até o início da adolescência.
Ao nascimento, os joelhos são normalmente afastados, com as pernas arqueadas para fora, ao que se denomina “deformidade em varo”. Entre o primeiro e o segundo ano de vida, os joelhos tornam-se “retificados”. Logo após, suas formas se invertem, com os joelhos aproximados e os tornozelos afastados, na chamada “deformidade em valgo”. O auge regular desta forma, referida também como “joelhos em X”, é atingido entre 3 e 4 anos de idade. Aos 8 anos de vida as pernas e os joelhos geralmente assumem a forma próxima à definitiva.
Durante a adolescência, a bacia feminina aumenta em largura, tornando os joelhos das moças levemente mais valgos (ou “em X”) do que os joelhos dos rapazes.
Algumas situações de doenças por causas hereditárias, metabólicas, infecciosas, traumáticas, tumorais, ou mesmo sem causa aparente, podem influenciar na formação e no crescimento dos membros, alterando a forma dos joelhos e das pernas.
Os joelhos afastados (em varo) são sempre considerados desfavoráveis, não apresentando função futura saudável, por concentrarem a força exercida pelo peso do corpo na porção interna desta articulação, levando o mesmo a ter desgaste da cartilagem e do menisco interno (figura 1).
O mesmo ocorre nos casos em que os joelhos crescem muito encostados, com tornozelos mais afastados (em valgo acentuado), concentrando a força do peso na região lateral, com maior potencial de degeneração do menisco e da cartilagem articular externa (figura 2).
Por esta razão, torna-se importante seguir o desenvolvimento dos membros inferiores das crianças e adolescentes. Quando houver assimetria entre os lados direito e esquerdo, acentuação do eixo para dentro ou para fora, associação de rotação interna ou externa, é necessário pesquisar uma possível causa para a alteração.
A começar pela história familiar (hereditária), estudamos as condições em que a criança cresce, como alimentação, oferta de vitamina D, cálcio e fósforo, pesquisa da função hormonal e renal, geralmente através de exames de sangue específicos.
Estudos radiográficos podem auxiliar o médico a avaliar a forma dos membros, registrá-los para comparação futura durante o crescimento, estudar defeitos ósseos ou articulares, com correspondência a várias doenças que podem causar tais alterações (figuras 3 A e 3 B).
O tratamento, quando necessário, é definido de acordo com a possível doença ou alteração causadora da deformidade. Por exemplo, no caso de raquitismo nutricional, a simples reposição da vitamina D à criança pode fazer com que os joelhos voltem para o alinhamento normal, antes em varo ou valgo. O uso de botas ou palmilhas não corrige ou influi na forma dos pés ou das pernas. Quando a angulação dos joelhos está alterada, sem melhora espontânea, órteses plásticas customizadas podem ser utilizadas para procurar deter a piora desta alteração.
Certas deformidades causadas por doenças genéticas necessitam de tratamento cirúrgico através de crescimento guiado, quando o médico orienta cirurgicamente a região óssea responsável pelo crescimento através da colocação de material metálico específico para alinhar o membro, cirurgia denominada hemiepifisiodese (figura 4).
Em casos mais graves, por sequela de fraturas, infecção ou tumores, pode ser necessário corrigir o membro por cortes no osso deformado, cirurgia denominada osteotomia, casos felizmente mais raros.
Resumidamente, nos casos de assimetria da forma das pernas, joelhos afastados (varos) ou joelhos em X muito acentuados (valgos), a criança ou o adolescente deve ser avaliado por médico especialista para acompanhamento e eventual tratamento.
Figura 4. Joelhos varos por doença hereditária (Blount).
Relator:
Nei Botter Montenegro
Vice-Presidente do Departamento Científico de Ortopedia da Sociedade de Pediatria de São Paulo
Figuras: Arquivo pessoal Dr. Nei Botter