“A tosse que não passa, a coriza ora clara ora amarelada, as noites sem dormir”. Essa é a realidade da grande maioria das famílias durante as estações de outono e inverno. A sabedoria do dito popular proclama os malefícios que vêm com o frio. É nessa época que os consultórios dos pediatras e serviços de pronto atendimento ficam repletos de “gripados angustiados” em busca de um xarope milagroso. Mas a pergunta que não quer calar é: Porque as crianças ficam tão doentes, muitas vezes sequencialmente nessa época do ano?
As infecções respiratórias são responsáveis pela maioria das doenças em crianças chegando a ocorrer 6 a 8 vezes por ano nos menores de 5 anos. Os principais causadores das popularmente chamadas “gripes” são os vírus. Os vírus mais frequentemente associados às infecções respiratórias são o virus influenza, vírus da gripe (cujo H1N1 é um dos tipos), o vírus parainfluenza, o adenovirus, o vírus sincicial respiratório, o coronavirus e o rinovirus.
Na prática, quando o médico usa a denominação “virose” está se referindo a um tipo de infecção que “passa sozinha, que quem cura é o próprio corpo”. Para que ocorra esta cura é preciso que o corpo tenha a chamada “imunidade”. Quanto menor a criança e quanto maior for a sua exposição a diferentes vírus, mais difícil será a cura da infecção e maior será a chance de se infectar por outro vírus sequencialmente. Assim, nos pequenos, as infecções muitas vezes acontecem uma após a outra, dando a ideia de que algo de errado esta acontecendo.
Mas como funciona essa tal de imunidade? Durante a gestação a mãe passa para o bebê toda a sua memória de defesa do corpo, a lembrança de como se defender das infecções. Essa defesa, ou melhor, esses anticorpos maternos, permanecem no corpo do bebe até quase completar um ano de idade. É nessa época, de nove meses a um ano, que desprovido dos anticorpos materno, o bebe começa a entrar em contato com os vírus e a ficar doente. A partir das infecções que apresenta aprende a se defender desses agentes e a criar a sua própria “memória imunológica”. Porém estamos expostos a uma infinidade de vírus e muitos deles sofrem mutações para enganar a defesa do corpo e voltam a causar doenças. Cosidera-se que, em média, aos três anos de idade, as crianças estão mais “seguras”, com memória imunológica mais eficaz. Nessa época, as infecções virais tendem a ocorrer menos frequentemente com menor duração e gravidade.
Alguns fatores contribuem para que as “viroses” ocorram mais frequentemente e comprometam mais a vida das crianças. O nascimento precoce, ou seja a prematuridade, faz com que a criança receba os anticorpos maternos por tempo menor, ficando assim com a imunidade prejudicada. O leite materno além de inúmeros outros benefícios, contem anticorpos maternos que contribuem para a imunidade do lactente. Crianças que não recebem leite materno estão mais susceptíveis a infecções. A exposição aos vírus que estão infectando outras pessoas como nas escolas e creches é um dos principais estímulos para a ocorrência das infecções virais. A entrada precoce na creche (muitas vezes aos quatro meses ao término da licença maternidade), associada ao desmame precoce (pelo mesmo motivo) criam um cenário perfeito para essa população de lactentes entrarem no clima da estação das viroses respiratórias.
Como já citado anteriormente o tempo que o corpo da criança vai levar para curar a “virose” é bastante variável. Assim uma tosse de dois,ou três dias deve ser tratada com naturalidade se não estiver acompanhada de cansaço, que é o principal sinal de gravidade para as viroses respiratórias. A presença ou não de secreção (popularmente chamada de catarro) não denota gravidade ao quadro. A febre pode estar presente na maioria dos quadros “gripais” com duração média de até três dias. A fluidificação da secreção é mandatória para alivio facilitado dos sintomas e para evitar as temidas complicações das viroses. As crianças muitas vezes têm dificuldade na expectoração da secreção. Secreção espessa, sem que seja expectorada perpetua o sintoma de tosse. A ingestão de água e a limpeza nasal com solução salina são o segredo do sucesso.
As complicações mais temidas das viroses respiratórias são as infecções bacterianas secundárias. Quando se fala em bactéria a situação começa a ficar um pouco mais grave. As infecções virais aos consumirem a defesa do corpo para sua cura acabam deixando o corpo da criança debilitado para que as bactérias que muitas vezes colonizam (ou seja moram na superfície do corpo sem invadi-lo) causem as temidas infecções bacterianas.
E como reconhecer essa transição de infecção viral para infecção bacterina? As infecções bacterianas normalmente comprometem o estado geral da criança. Impactam nas atividades do dia a dia, costumam estar acompanhadas de queda do estado geral, prostração, hipoatividade, perda do apetite, não somente no momento da febre, mas como um mal-estar permanente. A febre a partir do quarto dia de persistência também deve ser observada com cuidado. A falta de ar, cansaço, respirando com dificuldade mais do que 50 vezes em um minuto para qualquer faixa etária é sinal de gravidade de extrema importância que deve motivar a procura imediata pelo serviço de saúde. Para as infecções bacterianas e somente para essas estão indicados os antibióticos. As viroses respiratórias não se beneficiam em nada com o uso de antibióticos e somente o médico têm capacitação para fazer a diferenciação entre infecção viral e bacteriana e para indicar o uso de antibióticos.
Assim alguns vírus ocorrem mais frequentemente nas estações frias e é no frio que as pessoas ficam mais aglomeradas em ambientes fechados o que facilita a disseminação dos vírus. Nos pequenos, nos que frequentem escolas e creches e nos que tem fatores de risco com prematuridade e desmame precoce as viroses respiratórias ocorrem meses a fio sem que nenhum xarope resolva o problema. O uso inadequado de antibióticos é frequente principalmente pela sua introdução precoce antes que se faça a diferenciação entre infecção viral e bacteriana comprometendo a flora endógena das crianças e trazendo sintomas associados desnecessários como alteração do hábito intestinal, irritação gástrica e inapetência. A fluidificação da secreção, o estimulo à expectoração, a alimentação saudável (principalmente o leite materno nos lactentes), a imunização adequada para a idade por meio das vacinas disponíveis e o isolamento da exposição excessiva (como escolas e creches) no momento da doença ainda são o melhor remédio.
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Relatores:
Dra Deborah Ascar Requena Perez
Departamento Científico de Infectologia da SPSP
Publicado em 26/05/2014
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