Incontinência urinária infantil

Incontinência urinária infantil

Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto divulgado em 17/05/2022


 A incontinência urinária (IU) é a perda involuntária de urina que ocorre após o estabelecimento do controle miccional adquirido de forma plena ou quando este já deveria ter sido obtido. Pode ser classificada em contínua e intermitente e em diurna e noturna. A perda contínua e constante de urina necessita de avaliação e atenção em qualquer idade. Este foco deve ocorrer principalmente após o estabelecimento esperado do desfralde, pois pode estar relacionada com alterações estruturais e anomalias congênitas do rim e do trato urinário (CAKUT).

A IU intermitente, em geral, se associa com perdas urinárias em menor quantidade em crianças a partir dos 5 anos de idade, podendo ocorrer durante o dia ou à noite. A IU diurna pode ocorrer em distúrbios congênitos ou adquiridos que comprometem a estrutura e a função da bexiga e do trato urinário inferior. A IU também pode ser confundida com o aumento do volume urinário (poliúria), o qual ocorre devido à inabilidade do rim em concentrar a urina, presente em patologias que levam à perda progressiva da função renal.

Outro ponto importante é que a IU no período diurno também pode estar relacionada com disfunção do trato urinário inferior (DTUI) e com distúrbios relacionados com a micção. Estas condições podem fazer parte da assim chamada enurese noturna não-monossintomática, quando além de escapes involuntários de urina no período noturno e do sono, se associam outros sintomas do trato urinário inferior, tais como alterações da frequência miccional, manobras e posturas de retenção, hesitação, urgência miccional, entre outras manifestações.

É importante destacar também que, muitas vezes, os distúrbios funcionais urinários se acompanham de comorbidades como as infecções urinárias de repetição, a constipação, distúrbios psiquiátricos, distúrbios do sono, anomalias congênitas do sistema nervoso central e obesidade, por exemplo.  Quando a DTUI se associa à constipação, esta enfermidade é designada como disfunção vesical e intestinal (DVI). Além da constipação, outras comorbidades podem estar associadas, tais como infecções do trato urinário, distúrbios comportamentais, entre outros.

A identificação da IU envolve, inicialmente, uma anamnese detalhada e informações coletadas da criança e do adolescente, dos genitores, dos cuidadores e dos profissionais da escola. É importante a avaliação criteriosa do pediatra durante a consulta de rotina e a análise do desenvolvimento e aquisições relacionadas ao desfralde diurno e noturno e da caracterização do estabelecimento do padrão miccional. Através deste inquérito, podemos constatar, por exemplo, que “as roupas íntimas ficam molhadas durante o dia ou à noite”. É importante a caracterização dos marcos de desenvolvimento evolutivos relacionados a fisiologia da micção, os horários e a frequência das micções e das perdas observadas, a postura miccional, as manobras relacionadas à micção, entre outros dados. É importante avaliar se a criança “fica segurando para fazer xixi”, se “tem que correr rápido para urinar”, acompanhado ou não de perdas de urina ou gotejamento nas roupas ou até mesmo no trajeto do chão. Muitas vezes, a IU é detectada indiretamente pela presença de odor residual no vestuário e nas roupas íntimas.

Além disso, a avaliação da ingestão de líquidos e do hábito intestinal é fundamental. Uma ferramenta para o diagnóstico utilizado pelos profissionais envolvidos é o diário das eliminações, incluindo o diário miccional e o diário das evacuações, onde os cuidadores descrevem durante o dia e noite, registro da ingestão hídrica, frequência e volume urinário, perdas observadas, entre outros aspectos já comentados. O exame clínico pelo médico e, eventualmente, a realização de exames específicos podem ser indicados, destacando-se a ultrassonografia dos rins e vias urinárias (preferencialmente com estudo funcional da bexiga), a urofluxometria, entre outros exames complementares. O nefrologista pediátrico, assim como outros profissionais, pode auxiliar na caracterização e no diagnóstico da IU.

O planejamento terapêutico, em geral, é multiprofissional e depende da condição de base relacionada. Alterações estruturais podem necessitar de abordagem cirúrgica ou endoscópica. As DTUI e a DVI, dependendo do caso, são habitualmente abordadas com uroterapia e reeducação miccional com micção programada, englobando orientações quanto à postura miccional, ingestão hídrica e à periodicidade da micção. A abordagem urofisioterápica é fundamental, onde o profissional utiliza várias técnicas de condicionamento dirigidas para cada caso. A utilização de medicações, como os anticolinérgicos, entre outros, também constituem parte do arsenal terapêutico dirigido e individualizado. Em alguns casos, a terapia cognitiva-comportamental pode ser uma medida auxiliar.

 

Relator:
Olberes Vitor Braga de Andrade
Presidente do Departamento Científico da Nefrologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo

 Foto: t tomsickova | depositphotos.com