No dia 19 de novembro comemora-se o Dia Internacional do Homem. Você deve estar se perguntando: se o mundo é dos homens, por que eles precisam de um dia de celebração? E é justamente pela pressão social dos papéis de gênero e a associação de masculinidade com “ser durão”, não mostrar fraqueza e ter que resolver tudo com violência, que esse dia foi criado: para lembrar a importância do cuidado com a saúde masculina.
O processo de construção da masculinidade inicia-se ainda na infância, sendo influenciado pelo que se observa nos padrões de referência. Esses modelos são ensinados desde tenra idade e reproduzidos principalmente nas relações familiares. Todavia, quando alguns comportamentos nocivos fazem parte de tal constructo, podem desencadear diversos danos. A vulnerabilidade do homem é encoberta e ignorada pelo fenômeno que chamamos de masculinidade tóxica ou machismo, e é uma das principais razões para esse descaso deles com a saúde. Não afeta apenas a saúde física: a masculinidade tóxica é nociva para ambos os sexos, pois os estereótipos e a pressão social para corresponder às expectativas dos papéis de gênero tradicionais, geram doença e sofrimento emocional.
Infelizmente, desde pequenos muitos homens são criados para não dar o devido valor e cuidado à sua saúde e sentimentos: homem não chora! Seja homem! Não seja uma mulherzinha! Engole esse choro! Seus sentimentos são negados e silenciados constantemente.
Como consequência, os homens são mais alvo de violência interpessoal: 95% dos assassinos no mundo são homens. Na adolescência, a taxa de mortalidade dos meninos é quatro vezes maior do que das meninas; a partir dos 13 anos, a taxa de mortalidade dos meninos aumenta (Tabela 1) e o homicídio é a primeira causa de morte em meninos de 15 a 19 anos.
Ao longo da vida, a negligência com a saúde vai se agravando e as taxas de problemas com uso de substâncias, depressão e suicídio aumentam progressivamente no sexo masculino, sendo mais prevalente do que nas mulheres. Entre os homens, a taxa de morte por suicídio em 2019 foi de 10,7 por 100 mil, enquanto entre as mulheres o número foi de 2,9.
Portanto, comportamentos associados ao machismo levam a inúmeras repercussões negativas para os homens e estão associados a menor desempenho acadêmico, menor posição social e renda, insucesso em relacionamentos conjugais e comportamentos antissociais, tais como agressividades, direção agressiva, dirigir embriagado, ter relações sexuais desprotegidas, tendência a estupro e atitudes antipáticas para com mulheres vítimas de agressão sexual.
Estudos demonstram que em países com maior equidade de gênero, os adolescentes são mais felizes e apresentam menos ansiedade e depressão. Os papéis de gênero igualitários estão associados a maior satisfação com a vida e melhores relacionamentos intrafamiliares, com amigos e na escola, para ambos os sexos, com metade de chance de ter depressão e morrer por morte violenta. Para nos tornarmos agentes de mudanças sociais, dentro dos grupos que nos definem, devemos questionar os papéis quanto à sua determinação e funções históricas, e constatar as relações de dominação que reproduzimos uns sobre os outros, permitindo que a consciência de nossos papéis altere a identidade social.
Temos que ensinar aos nossos meninos que pedir ajuda é um ato de coragem. É não desistir da vida.
Tabela 1. Número de óbitos no Brasil em 2022 de 0 a 44 anos
Relatora:
Lília D’Souza-Li
Professora Associada do Departamento de Pediatria, Faculdade de Ciências Médicas, UNICAMP
Membro do Departamento Científico de Adolescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo