Hepatite aguda de causa desconhecida

Hepatite aguda de causa desconhecida


Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto divulgado em 16/05/2022


A hepatite é uma inflamação do fígado com múltiplas causas. Os agentes infecciosos mais frequentes são os vírus responsáveis pelas hepatites A, B, C, D e E. Quando a inflamação ocorre de forma rápida e abrupta, falamos de hepatite aguda.

Em 05 de abril de 2022, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recebeu notificação de 10 casos de hepatite aguda grave, de causa desconhecida, em crianças previamente saudáveis de 11 meses a 5 anos de idade na Escócia (sendo 1 caso com início em janeiro de 2022 e 9 casos com início dos sintomas em março de 2022). Todas as hepatites virais foram excluídas (A, B, C, D, E) e o coronavírus (Sars-CoV-2) e/ou adenovírus foram detectados em vários casos. Todos os casos necessitaram de internação e 7 necessitaram de transplante de fígado. Também foram notificados casos em outros países até 22 de abril de 2022, como Bélgica, Dinamarca, França, Irlanda, Israel, Itália, Holanda, Noruega, Romênia, Espanha e Estados Unidos. Investigações ativas de detecção de casos identificaram mais 34 confirmados desde a última atualização em 25 de abril, elevando o número total para 145. Dos casos confirmados, 108 são residentes na Inglaterra, 17 na Escócia, 11 no País de Gales e 9 estão na Irlanda do Norte. Nenhuma criança morreu e nenhuma delas tinha tomado algum tipo de vacina contra covid-19.

Autoridades da Indonésia confirmaram em 02 de maio que pelo menos três crianças morreram devido a uma hepatite aguda de origem desconhecida. Em 05 de maio, a Argentina confirmou seu primeiro caso.

O Reino Unido observou, recentemente, um aumento do adenovírus, que está circulando com o Sars-CoV-2, embora o papel desses vírus ainda não esteja claro. O adenovírus foi o patógeno mais comum detectado em 40 dos 53 casos testados. O adenovírus é um vírus comum que pode causar sintomas respiratórios ou vômitos e diarreia. Em geral, a infecção é limitada e não evolui com gravidade, embora casos raros de hepatite tenham sido relatados em pacientes imunocomprometidos ou pessoas submetidas a transplantes. No entanto, essas crianças não se enquadram na descrição, pois antes estavam saudáveis. Dez casos testaram positivo para Sars-CoV-2 na admissão, de 61 casos com dados de teste disponíveis (16%). Três casos foram co-infectados com adenovírus e Sars-CoV-2. A hepatite aguda não é uma característica comum da infecção por Sars-CoV-2 em crianças. A decisão de testar foi baseada na avaliação clínica. Nenhum outro fator de risco epidemiológico foi identificado até o momento.

Os casos no Reino Unido apresentavam-se clinicamente com hepatite aguda grave, com níveis elevados de enzimas hepáticas (superior a 500UI/L) e muitos apresentavam icterícia. Às vezes, precedida por sintomas gastrointestinais, como dor abdominal, diarreia e vômitos. A maioria dos casos não apresentou febre.

Embora o papel potencial do adenovírus e/ou Sars-CoV-2 na causa desse quadro seja uma hipótese, outros fatores infecciosos e não infecciosos precisam ser totalmente investigados, por isso, até o momento, a causa desta hepatite ainda é considerada desconhecida e permanece sob investigação ativa. 

Várias hipóteses estão sendo levantadas: um cofator estaria afetando crianças pequenas e tornando as infecções normais por adenovírus mais graves ou fazendo com que elas desencadeiem o problema (suscetibilidade, por exemplo, devido à falta de exposição prévia durante a pandemia; uma infecção prévia com Sars-CoV-2 ou outra infecção, incluindo um efeito restrito da variante ômicron; uma coinfecção com Sars-CoV-2 ou outra infecção); uma toxina, droga ou exposição ambiental; uma nova variante do adenovírus; um novo patógeno agindo sozinho ou como uma coinfecção; uma nova variante do Sars-CoV-2.

Especialistas em saúde pública, pediatras e outros médicos devem estar atentos aos casos de crianças que apresentam sintomas gastrointestinais agudos e icterícia ou transaminases séricas elevadas >500UI/L (AST ou ALT).

Cenário Brasil

No dia 28 de abril de 2022 foi realizada a primeira notificação pelo CIEVS RJ, sobre caso provável de hepatite aguda de etiologia desconhecida. O primeiro caso ocorreu em Niterói e está em investigação. A partir da notificação, o CIEVS Nacional articulou equipe de especialistas para apoiar no direcionamento da investigação.

Até o dia 05 de maio de 2022, foram notificados 07 casos prováveis em duas Unidades Federativas do Rio de Janeiro e Paraná, que atendiam aos sinais e sintomas descritos inicialmente pela OMS. Os casos prováveis continuam em investigação e revisão, a partir da nova definição de caso estabelecida, a partir das evidências científicas disponíveis, até o momento.

Apresentação clínica mais comum:

  • Icterícia (74%);
  • Vômitos (73%);
  • Acolia/hipocolia (58%);
  • Diarreia (49%);
  • Náusea (39,5%);
  • Letargia (55,6%);
  • Febre (29,6%)
  • Sintomas respiratórios (19,8%)

Pais e responsáveis devem estar atentos. Crianças com sintomas de uma infecção gastrointestinal, incluindo vômitos e diarreia, associado à icterícia, devem procurar imediatamente um serviço de saúde.

Segundo a OMS, existem as seguintes definições de caso:

Caso provável:

a)Crianças/adolescentes, menores de 17 anos com hepatite aguda (não A-E) com transaminase sérica >500UI/L (AST ou ALT), desde 20 de abril de 2022.

b) Crianças/adolescentes menores de 17 anos com quadro de hepatite aguda (não A-E) que evoluiu para hepatite fulminante, sem etiologia conhecida e necessidade de transplante de fígado no período de 01 de outubro de 2021 a 20 de abril de 2022.

Contato de caso provável:

Uma pessoa com hepatite aguda (não A-E) de qualquer idade que seja um contato próximo de um outro caso provável desde 20 de abril de 2022.

Todos os casos que atenderem às definições acima devem ser notificados imediatamente, tanto pela rede pública quanto pela privada de saúde, no formulário disponível no site da COVISA e enviadas para o e-mail: [email protected]

Relatora:
Adriana Maria Alves de Tommaso
Presidente do Departamento Científico de Hepatologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo

Foto: andrew lozovyi | depositphotos.com