Hemofilia: o que é e quais os principais cuidados?

Hemofilia: o que é e quais os principais cuidados?

Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto divulgado em 29/04/2022


No mês de abril acontece o dia mundial para a conscientização da hemofilia (17/4). A hemofilia é uma doença genética, que causa deficiência do fator VIII da coagulação (hemofilia A, mais frequente) ou do fator IX da coagulação (hemofilia B, menos frequente). Na maioria das vezes, é hereditária, causada por uma mutação no cromossomo X, e por isso, se ela já existe naquela família, a mãe do menino hemofílico é portadora do gene alterado e o avô é hemofílico. Mas pode também ser uma mutação nova, onde não há casos naquela família. Mais raramente, se o pai é hemofílico e a mãe é portadora, pode acontecer da doença ocorrer na filha menina, que tem os dois cromossomos X alterados. 

Podem ocorrer diversos tipos de sangramentos no hemofílico, que variam com as faixas etárias. Podem ser sangramentos externos (onde vemos o sangue), em órgãos internos e sangramentos da pele (conhecidos como hematomas e equimoses). Quanto à intensidade, podem ser desde sangramentos espontâneos; sangramentos causados por traumas leves, desproporcionais à lesão ocorrida ou até sangramentos mais graves. Entre eles, podemos destacar: sangramento anormal com a queda do coto umbilical do recém-nascido; hematomas anormais nos locais de aplicação de vacinas ou injeções; hematomas e equimoses em diversos locais; sangramento do nariz (epistaxe), sangramento na gengiva (com escovação dos dentes, erupção dos dentes ou tratamento dentário); hemartrose (sangramento nas articulações), hematoma muscular; hemorragia grave com traumatismo cranioencefálico; hemorragias anormais em cirurgias. 

Devemos lembrar que apesar de haver sangramentos em pessoas que já têm o diagnóstico, estes podem ser prevenidos e tratados. E para aqueles que não têm o diagnóstico ainda, como nos bebês, por exemplo, esses sinais são um alerta para a investigação diagnóstica.

 Em relação ao tratamento, primeiramente, toda pessoa com hemofilia deve ser acompanhada em um centro especializado em doenças da coagulação hereditárias na sua região e isso é bem organizado no Brasil. O tratamento consiste em orientação às famílias para a prevenção e tratamento dos episódios hemorrágicos e suas complicações, com consultas periódicas multiprofissionais. 

Os pacientes recebem o concentrado de fator correspondente (VIII ou IX) como profilaxia, no pré-operatório de cirurgias, por exemplo, ou então, em determinado momento o paciente passa a receber o fator (cuja aplicação é intravenosa) algumas vezes por semana, mesmo sem ter hemorragias. Isto previne hemorragias mais graves, e se mostrou uma medida importante na melhora da qualidade de vida dos doentes. Para tratar as hemorragias, em caso de trauma, hemorragias espontâneas, hematoma muscular ou hemartrose, o paciente deve ser levado ao serviço de referência para avaliação e para receber o fator correspondente. O concentrado de fator utilizado é recombinante e tem uma segurança e eficácia muito grandes. Não está indicado o uso de plasma em pessoas que já têm o diagnóstico.       

Há vários estudos em andamento com terapias para a cura da hemofilia, como as terapias gênicas, por exemplo. Mas ainda não estão amplamente disponíveis em nosso meio. 

O diagnóstico precoce é muito importante para prevenir e evitar sangramentos graves. Se uma família já tem pessoas com o diagnóstico de hemofilia e a mãe é portadora, já pode ser feita uma orientação com o hematologista antes mesmo do bebê nascer, e tudo pode ser preparado para o parto e nascimento. Os cuidados, as medicações e vacinas são pensados para aquela pessoa em especial.  Se a mãe é portadora, deve ser colhida a dosagem do fator VIII do recém-nascido logo após o nascimento. Se não há diagnóstico de hemofilia na família, qualquer sangramento anormal deve ser investigado. O pediatra deve ser consultado e ele pode pedir o hemograma e os testes de coagulação, que são a triagem inicial para essa doença. Se houver suspeita de qualquer doença hemorrágica (há outros tipos, inclusive mais comuns), a pessoa deve ser encaminhada para o hematologista. 

Aqui falamos em diagnóstico precoce, em bebês e crianças, porque a doença pode se manifestar logo após o nascimento e estar presente no decorrer da vida. É nossa obrigação proteger e cuidar das nossas crianças desde a gestação, o nascimento e por toda a infância e adolescência. 

É importante ressaltar que hoje em dia a qualidade de vida da pessoa com hemofilia é muito melhor do que há décadas atrás e o conhecimento, suporte e atendimento a essa pessoa estão bem organizados e a sobrevida também é bem melhor do que já foi no passado. A pessoa pode estudar, trabalhar, ter a sua profissão e sua realização, sendo útil para si, sua família e para a sociedade. 

O diálogo entre escola e família sobre todas as condições de saúde e doença também é fundamental, pois estamos lutando pela inclusão de todos na sociedade. A família deve ter um laudo, relatório ou atestado médico sobre a doença da criança e entregá-lo no início do ano letivo para a escola, com informações práticas de como a escola deve agir em casos de emergência e quais são os cuidados no dia a dia. Na infância, e principalmente na adolescência e fase adulta, deve-se reforçar e estimular a prática de esportes com orientação adequada. Como exemplos, deve-se estimular a prática de natação, ginástica, ciclismo, caminhada, alongamentos, ioga, musculação e fazer orientação adequada sobre medidas de prevenção e controle de traumas. No caso da hemofilia, não são recomendadas atividades de impacto, com risco de trauma, como por exemplo, esportes de quadra e lutas. Se a criança está na escola e sofre uma queda ou outro tipo de trauma, principalmente da cabeça, a família deve ser avisada para tomar as providências necessárias.  

A doença pode afetar sim a vida das crianças, mas como em toda condição crônica, podemos ajudar a família e as crianças com hemofilia a terem uma vida plena e buscarem todas as suas potencialidades. Com a devida orientação, compreensão e aderência da família ao tratamento, a criança pode ter uma boa qualidade de vida, com baixo índice de complicações e sobrevida longa, com capacidade de realização na vida pessoal e profissional. 

Relatora:
Miriam V. Flor Park
Presidente do Departamento Científico de Hematologia e Hemoterapia da Sociedade de Pediatria de São Paulo

Foto: fernando zhiminaicela | pixabay.com