Filhos do coração

Filhos do coração

A adoção decorre do fato de que muitas crianças não podem ser criadas por seus pais biológicos. Os motivos são os mais variados: falta de condição financeira, psicológica, maus-tratos, morte dos pais, negligência, abandono… Não podemos esquecer que o abandono está intimamente ligado às desigualdades sociais. O Estado tem mecanismos de proteção garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que promovem a acolhida em abrigos e cadastram essas crianças em estado de abandono em um sistema nacional para adoção. Esse sistema impede a adoção ilegal, que é, muitas vezes, geradora de abusos contra a criança adotada, ao transformá-la em “mão de obra barata” para a família adotante e não assegura para a criança nenhum direito legal de filiação e de herança.

O Brasil tem cerca de 4.900 menores esperando por adoção e 42.546 pessoas ou casais que pretendem adotar uma criança. Apesar da aparente “abundância” de pessoas aguardando a oportunidade de adotar uma criança ou adolescente, a adoção ainda é complicada e demorada (veja quadro 1).

Em nosso país existe uma nítida seletividade para a adoção. As preferências são por crianças brancas, sem irmãos, sem deficiência física ou cognitiva e com baixa idade. Grande parte dos adotantes prefere crianças com até 2 anos de idade; quanto mais velha, menor a chance de adoção. Maiores de 10 anos têm chances bem pequenas de serem adotadas (veja quadro 2); 50,7% das crianças esperando pela adoção são meninos e 49,3% meninas.

Para a criança adotada, a adoção é um resgate do passado e uma promessa de futuro.

Pode trazer alívio para uma carga que lhe foi imposta, sem qualquer possibilidade de ter sido evitada. É como um pedido de socorro, que só para de aumentar quando for bem atendido.

As razões que podem levar as pessoas a quererem adotar são várias; desde o anseio pela experiência da maternidade/paternidade que o processo natural frustrou, ou pela compaixão que se mobiliza para mitigar o sofrimento alheio ou, simplesmente, por um impulso circunstancial. De qualquer forma, a adoção exige dos adotantes, para que o desfecho seja adequado, que o façam com amor e compromisso. Para quem adota pode significar esperança, porém pode ser um contrato sem cláusulas de garantias.

O “filho do coração” é fruto de uma escolha livre.

Filhos precisam de pais, biológicos ou adotivos, que lhes deem segurança, proteção e estímulos, que estabeleçam laços de afetos duradouros.

Os abrigos deveriam, idealmente, ser temporários na vida de qualquer criança em situação de vulnerabilidade, porque todas as crianças merecem ter uma família que as acolha.

O caminho da adoção não é isento de turbulências. É necessário que a criança adotada tenha liberdade de expor seus sentimentos e se sinta acolhida.

É uma jornada que exige diálogo permanente, despojamento e sabedoria dos pais adotivos para acolher a criança que pode se sentir diferente e como se algo ainda estivesse faltando.

Ah! Como palavra final: a criança adotada tem que ser informada de que é adotada. Essa informação deve ser dada no tempo certo e do jeito certo (o mais breve possível, de acordo com a capacidade de compreensão da criança).

 

Quadro 1: Tempo de acolhimento

Até 6 meses 7.692
De 6 meses a 1 ano 6.502
Entre 2 e 3 anos 3.276
Acima de 3 anos 6.528

 

Quadro 2: Perfil das crianças e adolescentes abrigados

Até 3 anos 4.435
De 3 a 6 anos 3.571
De 6 a 9 anos 3.857
De 9 a 12 anos 4.561
De 12 a 15 anos 5.886
Acima de 15 anos 8.646

Fonte: SNA (Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento) – 2020

 

Relator:
Fernando MF Oliveira
Coordenador do Blog Pediatra Orienta da SPSP