Fibrose cística: uma nova era no tratamento

Fibrose cística: uma nova era no tratamento

Comemoramos agora 35 anos da descoberta do gene que determina a fibrose cística, ocorrida em 8 de setembro de 1989, encerrando uma década de ouro no avanço dos conhecimentos que embasam novas pesquisas buscando tratamentos mais eficientes e a cura.

Conhecida também como “doença do beijo salgado”, mucoviscidose e fibrose cística (FC), é considerada a mais comum das doenças raras; é genética, crônica, não contagiosa e foi reconhecida em 1938, há 86 anos, como uma nova entidade de doença que acomete todo o organismo.

É herdada dos pais que são saudáveis, mas portadores de uma única variável genética, que quando transmitida por ambos na concepção da criança acarreta a doença. No Brasil, afeta uma criança a cada 7.500 a 10.000 nascimentos, porém ainda é pouco conhecida.

A fibrose cística caracteriza-se pela perda excessiva de sal no suor, o que pode causar desidratação e conferir sabor salgado quando a criança é beijada e a visualização de cristais de sal, principalmente na testa.

O gene mutado causa a ausência ou baixa produção de uma proteína existente em todas as células e que é responsável pelo movimento e equilíbrio do sal e água em todo o corpo.

Esse desequilíbrio altera a composição das secreções, tornando o suor salgado, muco espesso no sistema respiratório, sistema gastrointestinal e secreções viscosas nos canais pancreáticos e hepáticos, impedindo a função normal.

Com isso, o pâncreas, já acometido desde o nascimento, não produz a quantidade necessária de enzimas para a digestão normal, causando evacuações frequentes, com fezes malformadas, gordurosas, prejudicando o ganho de peso e podendo causar grave desnutrição, quando a doença não é tratada.

No sistema respiratório, o muco leva à obstrução dos canais condutores de ar (brônquios e bronquíolos), favorecendo a instalação de inflamação e infecções bacterianas crônicas, evoluindo para destruição dessas vias, com perda progressiva da função pulmonar.

O diagnóstico da FC pode e deve ser realizado já no primeiro mês de vida, através do teste do pezinho positivo (triagem neonatal), oferecido pelo SUS, e que detecta o aumento de uma enzima pancreática no sangue, levantando a suspeita da doença, que deverá ser confirmada pelo teste do suor, que constata a perda muito elevada de sal.

O diagnóstico precoce é fundamental para o prognóstico de vida, pois propicia o tratamento antes das manifestações da doença.

Atualmente, cerca de 70% dos novos diagnósticos são feitos pela triagem neonatal, que no Estado de São Paulo se iniciou em fevereiro de 2010. É importante ressaltar que o teste de triagem pode resultar em falsos negativos e que sintomas da doença, como tosse crônica e diagnósticos como “sibilos ou chiado’, pneumonias de repetição, baixo ganho de peso associado a fezes gordurosas e fétidas, desidratação pela perda de sal, devem alertar para a pesquisa da doença.

A melhora na mediana de sobrevida em países desenvolvidos tem sido progressiva e já atinge 50 anos; porém, no Brasil ainda temos a maioria dos indivíduos portadores da doença com menos de 18 anos.

O tratamento durante décadas foi dirigido às consequências da doença e envolve muitos medicamentos orais, inalatórios e fisioterapia, demandando muitas horas a cada dia, acarretando grande carga ao paciente e família. Porém, os últimos nove anos trouxeram conquistas que podem ser consideradas como novos marcos históricos, os moduladores das proteínas não funcionais, atuando para correção do transporte anormal do sal.

Em 2022, o SUS iniciou o fornecimento de um desses moduladores e, em maio deste ano, um outro modulador, que contempla cerca de 50% dos portadores da doença.

Esse tratamento inovador e revolucionário traz redução da carga do tratamento e perspectiva de melhora significativa na expectativa de vida.

Como essas drogas moduladoras da proteína agem em mutações específicas, outras alterações genéticas que também causam a doença estão sendo testadas para avaliar se são responsivas, propiciando que todos os pacientes portadores de fibrose cística recebam esse tratamento corretor.

O futuro é promissor para os portadores de fibrose cística e o sonho da cura parece mais próximo.

 

Relatora:

Neiva Damaceno
Professora Assistente de Pneumologia Pediátrica e Coordenadora do Centro de Diagnóstico e Tratamento da Fibrose Cística do Departamento de Pediatria da Santa Casa de São Paulo
Vice-Presidente do Departamento Científico de Pneumologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo