Fibras na promoção da saúde

Relatora: 
Dra. Helga Verena Leoni Maffei
Profª Titular em Gastroenterologia Pediátrica e Profª Emérita da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP – Universidade Estadual Paulista e Membro do Depto.  Científico de Gastroenterologia da Sociedade de Pediatria de SP.
 
Texto divulgador em 21/05/2014
 

 

Fibra alimentar (FA), em definição simplificada, corresponde aos componentes dos alimentos vegetais resistentes à digestão por enzimas humanas. Suas principais características são:

 1. Capacidade de reter água. Isto aumenta o volume do bolo fecal que é estímulo para contrações propulsivas colônicas, com consequente menor reabsorção de água pelo cólon e eliminação de fezes volumosas e macias. A maioria dos estudos demonstra que crianças com constipação funcional ingerem menos FA que as sem este sintoma (controles), indicando o papel da FA. No entanto, a capacidade de reter água é modificada por outra característica da FA, sua solubilidade. 

 2. As principais diferenças decorrentes da solubilidade são:

   – A FA solúvel retém mais água do que a insolúvel, mas 90-100% é fermentada no cólon, com consequente perda de parte da água retida, reabsorvida com os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) formados durante a fermentação. Perde, portanto, o grande estímulo para contrações propulsivas, mas aumenta a massa de bactérias que fermentam e colabora no tratamento da constipação. Os AGCC formados, por sua vez, têm importante papel na proteção dos colonócitos e funções implicadas na proteção contra a síndrome metabólica. Pela grande retenção de água antes de ser fermentada, parte da FA solúvel aumenta a viscosidade do bolo alimentar, portanto, a saciedade (útil para prevenir/tratar obesidade), assim como transita mais lentamente no intestino delgado, modulando a absorção de glicose (previne/trata diabetes). Ademais, tem capacidade de reter outras substâncias, como o colesterol e, diminuindo sua absorção, previne/trata doenças cardiovasculares (DCV).

A flatulência associada à fermentação, no entanto, pode ser fator limitante para ingestão de grande quantidade de FA solúvel (polpa das frutas e dos grãos, cereais refinados, aveia). Cumpre lembrar que a polpa do feijão contém adicionalmente outras substâncias fermentescíveis.

   – A FA insolúvel retém menos água do que a solúvel, mas apenas 30-80% é fermentada pela flora intestinal, mantendo, portanto, a função propulsiva colônica, sendo fundamental no tratamento da constipação.

A razão FA insolúvel:solúvel deve ser 2:1 (FDA-EUA, 1987)

 3. Composição da FA (2 exemplos)

          – alto teor de pentoses implica maior produção de fezes por grama de FA ingerida e é um dos fatores envolvidos na alta eficácia do farelo de trigo no trânsito colônico (7,2g ou 4,9g de fezes/g ingerido cru ou cozido). Algumas frutas/hortaliças produzem 4,7g de fezes/g ingerida (lembrar que melancia, melão e pepino sem casca praticamente não têm FA).

           – beta-glucana, FA solúvel presente em alta concentração na aveia e na cevada, tem propriedades implicadas na resistência à insulina, dislipidemias, hipertensão e obesidade.

Além da FA, os alimentos vegetais contêm vitaminas, sais minerais, fenois, fito estrógenos, etc., com potencial de atuação na diminuição dos lipídeos séricos e da pressão arterial, no metabolismo da glicose e da insulina, e no endotélio, aliviando o estresse oxidativo e a inflamação. Entretanto, no geral, estes elementos se concentram na parte externa dos alimentos e grande parte se perde durante o refinamento de cereais e ao descascar as frutas e os grãos.

A Pirâmide Alimentar americana que representa, graficamente, a alimentação saudável, enfatiza alimentos ricos em FA: ingestão diária de 6-11 porções de cereais (metade integrais), 2-4 de frutas (evitar sucos coados), 3-5 de hortaliças, 1-2 de feijão ou similar/oleaginosas/sementes, poucas porções de carnes/ovos, lácteos, gordura/açúcares adicionados.

Em crianças, FA é considerada benéfica na prevenção e tratamento da constipação, obesidade e diabetes. Embora grande parte dos estudos tenha sido feito em adultos, e ainda sejam necessários mais estudos para comprovar o benefício em crianças, os estudos em geral o demonstram. Em adultos, a FA está associada, adicionalmente, à menor mortalidade por DCV, câncer coloretal, de mama e outros. Na Europa, o risco de óbito em geral, ao longo de 12,7 anos, foi 10% menor a cada aumento de 10g/dia na ingestão de FA e esteve mais relacionado com maior ingestão de cereais integrais e hortaliças do que com frutas. O maior benefício ocorreu com ³28,5g/d, sendo 25-40g/dia a ingestão recomendada para adultos. Por outro lado, para câncer colônico o benefício adveio igualmente de cereais, frutas e hortaliças, mas para câncer retal a associação inversa foi evidente apenas para fibras de cereais. Destaque-se também estudo, em mulheres com diabetes, no qual a ingestão de cereais integrais, farelo de trigo em especial, se associou à redução da mortalidade em geral e por DCV em particular.

Alto percentual de constipação se inicia no primeiro ano de vida/após o desmame, reforçando que frutas, hortaliças, grão de feijão e cereais integrais devem ser iniciados ao desmame. A alimentação complementar deve ser antecipada (para 4-6 meses, eventualmente 2-4), caso o desmame tenha ocorrido antes do recomendado. Para tratar constipação, a ênfase recai sobre FA insolúvel (cereais integrais, tais como trigo para quibe, milho, pipoca e farelo de trigo, bagaços e cascas das frutas e dos grãos, sementes, tecido de sustentação das hortaliças ‘fibrosas’). Por outro lado, sendo a FA solúvel importante na prevenção/tratamento de doenças metabólicas (obesidade, diabetes, DCV), o alimento deve ser consumido na sua totalidade, sem desprezar cascas, bagaços, talos e sementes comestíveis. 

Em conclusão, ingestão de quantidade adequada de alimentos tem enorme benefício à saúde em geral. A alimentação dita saudável deve se iniciar ao desmame, lembrando que os hábitos alimentares se forjam neste momento, e ser indicada para toda a família. Esta alimentação ajuda a prevenir e tratar constipação, obesidade e diabetes na infância, além dos benefícios a longo prazo. Esta é a enorme responsabilidade dos pediatras e outros profissionais da saúde durante o atendimento primário à saúde, em todas as faixas etárias.

 

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