Febre sem sinais de localização

Febre sem sinais de localização

Relatora:
Dra. Helena Keico Sato
Presidente do Departamento de Infectologia da SPSP ; Diretora Técnica da Divisão de Imunização do Centro de Vigilância Epidemiológica/Centro de Controle de Doenças da Secretária Estadual de Saúde – SP.

I – INTRODUÇÃO

Cerca de 20% dos atendimentos pediátricos de urgência tem como queixa principal febre com duração menor do que 7 dias. Na maioria dos atendimentos, após a história e exame físico cuidadosos, estas crianças, provavelmente, terão diagnósticos de infecções agudas do trato respiratório, diarréia aguda, doenças exantemáticas, etc. Em aproximadamente 20%, o diagnóstico será de febre sem sinais localizatórios (FSSL), Em 1960 foi definido o conceito de bacteremia oculta (BO): hemocultura positiva em paciente febril, em bom estado geral, com indicação de acompanhamento ambulatorial. A partir da década de 80 demonstrou-se que 10% das crianças menores do que 36 meses com febre sem sinais de localização tinham BO e destas, 2,5% desenvolveriam infecção bacteriana grave (DBG): sepse, meningite, pneumonia, artrite séptica, celulite e infecção do trato urinário. A partir 2000, com a disponibilidade da imunização para Haemophilus influenzae tipo be Streptococcus pneumoniae, vários estudos vem demonstrando diminuição importante de casos de BO com taxas de 1,6 a 1,8%.

Considera-se que taxas de BO abaixo de 0,5% tornam a investigação laboratorial das crianças com FSSL sem custo/benefício e atualmente alguns serviços recomendam que crianças de 6 a 36 meses, com vacinação completa sejam seguidas clinicamente, sem coleta de exames laboratoriais.
Foram desenvolvidos vários escores para definição de baixo e alto risco, geralmente para aplicação no atendimento de crianças em Pronto-atendimento/Pronto Socorro, utilizando dados como: idade – até 29 dias, de 1 a 3 meses e de 3 meses a 36 meses de idade, a temperatura – acima de 39ºC, histórico neonatal, patologias de base, hospitalização recente, uso de antibióticos e resultado de exames laboratoriais. Ao pediatra cabe o desafio de identificar entre as crianças com FSSL, quais estão em risco de bacteremia oculta e doença bacteriana grave.

II – PRINCIPAIS CRITÉRIOS DESENVOLVIDOS PARA IDENTIFICAR RISCO DE BO EM CRIANÇAS:

Tabela 1 – Avaliação de risco nos lactentes com febre (Murahovschi, 2003, modificado)
Boston (1992) Philadelphia (1993) Rochester (1985)
Idade em dias 28 a 89 29 a 56 0 a 60
Temperatura retal ≥ 38°C > 38°C ≥ 38°C
Leucograma(baixo risco) < 20.000 < 15.000 5.000 a 15.000
Análise do líquor Sim Sim Não
Antibiótico Sim Não Não
Radiografia de tórax Não Sim Não
%DBG quando baixo risco 5,4 0 1,1
Valor preditivo negativo 94,6% 100% 98,9%
Sensibilidade Não estabelecida 100% 100%
Tabela 2- Fatores de risco para bacteremia oculta (Palazzi e Feigin, 2009)
FATOR ALTO RISCO BAIXO RISCO
Idade ≤ 24 meses > 36 meses
Magnitude da febre ≥ 40oC ≤ 39,4oC
Contagem de leucócitos ≥ 15000/mm3 < 15000/ mm3
Esfregaço de sangue periférico Granulações tóxicas / vacuolização em leucócitos polimorfos nucleares, trombocitopenia Não há alterações
Doença crônica subjacente Anemia falciforme, imunodeficiência, desnutrição Nenhuma
História de contato com doença bacteriana Contato com Neisseria meningitidis ou Haemophilus influenzae Nenhuma
Aparência clínica Aparenta estar doente, toxemiada, infeliz, inconsolável, irritada, letágica, não bebe nem come o suficiente Aparentemente bem, não está irritada, brincando e comendo normalmente

III – PROPOSTA DE ALGORITMO PARA INVESTIGAÇÃO DE FSSL EM CRIANÇAS

Fegin et al, em 2009, assim como outros autores, sugerem a seguinte conduta no manejo de lactente com febre sem sinais de localização:

Internar e tratar todos com aparência de toxemia e os menores do que 30 dias.

Aqueles com idade entre 28 e 90 dias podem ser orientados e monitorados em casa se tiverem com boa aparência e com contagem de leucócitos, exame de urina, e líquor dentro dos valores normais.

1)-Conduta por faixa etária

Até 30 dias de vida

Internação,
Solicitar: hemograma, VHS, PCR, Urina I, Urocultura, Hemocultura, líquor, radiografia de tórax.
A associação ampicilina e cefotaxima deve ser indicada para contemplar estreptococo do grupo B e germes gram-negativos.

Lactentes de 2 a 3 meses

Solicitar: hemograma, VHS, PCR, hemocultura, Urina I, Urocultura, Líquor, Raio-X de tórax.
Se exames alterados iniciar antibiótico endovenoso com ceftriaxone, pensando nos agentes mais freqüentes: pneumococo, meningococo e hemófilo

Crianças de 3 a 36 meses

Solicitar os mesmos exames acima
Se exames normais reavaliação em 24 horas.
Se alterados iniciar ceftriaxone endovenoso.

Crianças maiores

Se toxemia: iniciar penicilina cristalina ou ampicilina endovenosa.

2)-Conduta em febre sem sinais de localização (SUR e Bukont, 2007modificado)

IV – CONTROVÉRSIAS

1)-Primeiro pico febril

O tempo de início e evolução dos sintomas é parte importante do raciocínio clínico que propicia o diagnóstico, o exame de criança com história de apenas um pico febril, sem toxemia, geralmente tem melhor valor preditivo negativo, isto é, nega alterações no exame físico. Deve ser lembrado que também os exames laboratoriais e de imagem alteram-se no decorrer do tempo. Os pais devem ser informados que não há necessidade de se estar febril no momento do exame clínico, este fato não contribui para a elucidação diagnóstica.

A criança examinada com febre, provavelmente estará mais chorosa, irritada, com aumento das freqüências cardíaca e respiratória e hiperemia de mucosas, então é necessário medicar, aguardar e reexaminar após queda da temperatura para melhor avaliação do estado geral.

2)-Grau de Temperatura

Na descrição do quadro clínico das patologias é mencionado, se habitualmente há evolução com temperatura elevada, sarampo, gripe, amigdalite estreptocócica geralmente cursam com picos elevados de temperatura. Quem tem pico elevado de temperatura, não terá necessariamente como diagnóstico uma das patologias citadas. Tanto patologias de etiologia viral como bacteriana, com bom prognóstico ou má evolução, podem ter os mais variados graus de temperatura e intervalos entre picos febris. A resposta a antitérmicos também não diferencia a gravidade ou etiologia do quadro.

A forma como é conduzida a medicação para a febre no ambiente hospitalar, com indicação de medicação intra-muscular, banhos e compressas, tem muita importância na percepção dos pais de que ter pico febril é extremamente perigoso. Como trata-se de evento bastante freqüente dos 6 aos 24 meses de idade, o atendimento de rotina e também de urgência são oportunidades de esclarecimento e orientação dos pais sobre febre, medicação, convulsão febril, evolução das doenças como um processo com diferentes fases de evolução.

V – BIBLIOGRAFIA:

  • Baraff LJ. Management of fever without source in infants and children.Ann Emerg Med., 2000;36(6):602-14.
  • Berezin EM e Carvalho ES. Febre sem sinais de localização. In:Bricks LF e Cervi MC. Atualidades em Doenças Infecciosas-Manejo e Prevenção.1a ed. Atheneu; 2002: 133-142.
  • Lee GM, Fleisher GR, Harper MB. Management of febrile children in the age of the conjugate pneumococcal vaccine: a cost-effectiveness analysis.Pediatrics, 2001; 108(4):835-44.
  • Marques HHS e Sakane PT. Febre sem sinais de localização. In:Sato HK e Marques SR. Atualidades em Doenças Infecciosas-Manejo e Prevenção. 2ª ed. Atheneu; 2009: 179-186.
  • Mintegi S, Benito J, Sanchez J, Azkunaga B, Iturralde I, Garcia S.Predictors of occult bacteremia in young febrile children in the era of heptavalent pneumococcal conjugated vaccine. Eur J Emerg Med, 2009; 16(4):
    199-205.
  • Murahovschi J. A criança com febre no consultório. Jornal de Pediatria, 2003; 79 (1): S55-S64.
  • Palazzi DL and Feigin RD. Fever without source and fever of unknown origin. In: Feigin RD and Cherry JD. Textbook of pediatric infection diseases. 6th ed. Philadelphia. Sauders; 2009: 851-862.
  • Pilishvili T, Lexau C, Farley MM, Hadler J, Harrison LH, Bennett NM, Reingold A, Thomas A, Schaffner W, Craig AS, Smith PJ, Beall BW, Whitney CG, Moore MR; Active Bacterial Core Surveillance/Emerging Infections Program Network. Sustained reductions in invasive pneumococcal disease in the era of conjugate vaccine. J Infect Dis., 2010;201(1):32-41.
  • Sur DK and. Bukont EL. Evaluating Fever of Unidentifiable Source in Young Children. American Family Physician, 2007; 75 (12): 1805-1811.
  • Texto divulgado pela SPSP em 28/04/2011.