Febre amarela

Febre amarela

A Febre Amarela é uma doença infecciosa febril aguda, causada por um vírus do gênero Flavivírus (a quem pertencem também o vírus da Dengue e Zika) e transmitida por vetores artrópodes, no caso, o mosquito.

Apresenta dois ciclos de transmissão epidemiologicamente distintos: o ciclo silvestre, cujos principais vetores transmissores são os mosquitos Haemagogus e Sabethes e o ciclo urbano, transmitido principalmente pelo Aedes aegypti (Figura 1). No ciclo silvestre da doença, os macacos são os principais hospedeiros e amplificadores do vírus. O homem participa como um hospedeiro acidental e adquire a doença se expondo em regiões de matas, sem imunização prévia.

Figura 1: Ciclos de transmissão da Febre Amarela

Fonte: http://www.blog.saude.gov.br/index.php/perguntas-erespostas/52216-faqms-perguntas-e-respostas-sobre-a-febre-amarela

O vírus da Febre Amarela é transmitido pela picada de mosquitos infectados, que são o reservatório do vírus. Uma vez infectados, permanecem assim durante toda a vida. Apenas as fêmeas transmitem o vírus por meio do repasto sanguíneo que provê nutrientes essenciais para a maturação dos ovos. A transmissão também ocorre de forma vertical (forma transovariana, ou seja, diretamente para a prole) no mosquito, favorecendo a manutenção do vírus na natureza. Não há transmissão de pessoa a pessoa.

Locais de risco da doença
A maior parte do território brasileiro é considerada região endêmica, ou área de risco, para Febre Amarela. Os casos estão distribuídos entre Tocantins (Região Norte), Bahia e Rio Grande do Norte (Região Nordeste) e Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo (Região Sudeste). A partir do primeiro caso de Febre Amarela em 2016, em São José dos Campos (local provável de infecção na Mata dos Macacos), intensificou-se a vigilância das epizootias (infecção no macaco) no Estado de São Paulo, juntamente com intensificação da vacinação contra a doença nas regiões que já eram de recomendação da vacina.

No início de 2017, foram diagnosticados mais dois casos em humanos (em Batatais e Américo Brasiliense), áreas de recomendação de vacina de Febre Amarela. Todos esses casos ocorreram em regiões situadas mais ao norte do Estado de São Paulo. No entanto, no final de janeiro de 2017, foi diagnosticado um caso no município de Santa Cruz do Rio Pardo, ao sul do estado de São Paulo. Outros estados como Minas Gerais e, posteriormente, Espírito Santo, também registraram casos de Febre Amarela no início de 2017.

Um grande número de casos suspeitos da doença no Estado de São Paulo, tiveram como local provável de infecção o estado de Minas Gerais. A partir disso, as atividades de vigilância sobre a ocorrência de mortes de macacos nos parques, diagnóstico laboratorial e controle de vetor foram intensificadas. Os municípios que mais notificaram epizootias (infecção no macaco) até o momento foram: Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Potirendaba, Catanduva e Catiguá.

Ciclo da doença, manifestações clínicas e diagnóstico
Após a picada do mosquito, o vírus se mantém latente no organismo do hospedeiro por um período de três a seis dias (média de 10 dias) e vai se replicar durante dois dias nas formas leves, e de cinco a sete dias nas formas graves (período de transmissão para outro mosquito se picar o hospedeiro contaminado).

O período de incubação no mosquito varia de sete a 11 dias, e o tempo de vida de um mosquito é de 30 a 60 dias. Ainda há a questão de o mosquito Aedes apresentar a transmissão do vírus de forma transovariana, ou seja, diretamente para a prole, dispensando o ser humano no ciclo.

A infecção no ser humano pode não apresentar sintomas (40 a 65% dos casos) ou se manifestar com formas clínicas leve, moderada, grave e maligna (Figura 2).

Figura 2: Distribuição das formas clínicas

Fonte: Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 36:275-293, mar-abr, 2003

 

• Na forma leve, os únicos sintomas presentes são febre e dor de cabeça, pouco intensas, com duração máxima de dois dias.
• Na forma moderada, aparecem também outros sintomas como indisposição geral, prostração, hiperemia conjuntival, vômitos, dores nos músculos, articulações e no estômago e calafrios, com duração de dois a quatro dias. Eventualmente algum dos sintomas clássicos da doença pode se manifestar, como sangramento nasal (epistaxe) e pele amarelada (icterícia leve), porém de forma transitória.
• Na forma grave, ocorre intensificação dos sintomas anteriores, com febre muito alta (39ºC a 40ºC), vômitos com sangue, dor de estômago, dores muscular e de cabeça de grande intensidade, além da franca icterícia, outros sangramentos como nasal e nas fezes.
Pelas alterações renais, pode ocorrer diminuição da urina. A resolução do quadro ocorre entre cinco a sete dias.
• Na forma maligna, as hemorragias são mais frequentes e intensas (na urina, na gengiva, pele, ouvido, útero), com insuficiência hepática, insuficiência renal e choque.

A doença tem evolução bifásica e um período de remissão entre as fases, com melhora dos sintomas variando de horas a dois dias e retorno dos sintomas exacerbados.

De acordo com a forma clínica, o período de convalescença será breve nas formas leves (dois dias) e prolongado nas formas graves, cursando com cansaço importante por até duas semanas. A letalidade (óbito) varia de 30 a 50% nas formas graves e maligna da doença.

Não existe tratamento específico para o vírus, apenas medidas de suporte nas formas leves e suporte avançado em UTI nas formas graves. A vacinação é a forma eficaz de prevenção da doença.

O diagnóstico é clínico, epidemiológico e laboratorial. O diagnóstico laboratorial específico é feito através do isolamento do vírus, testes genéticos e sorológicos. Já o laboratorial inespecífico é feito através do hemograma e avaliação da função hepática e renal.

Vacina febre amarela
A vacina tem sido utilizada para prevenção da doença desde 1937 e confere imunidade de 90 a 100% nos vacinados. Deve ser aplicada 10 dias antes da viagem para locais dentro de zonas endêmicas.

A vacina Febre Amarela da cepa 17DD está disponível nas unidades de saúde públicas e a cepa 17D204 nas clínicas privadas, mas apesar da diferença, ambas têm excelente proteção e segurança. É uma vacina bem tolerada – cerca de 2 a 5% dos vacinados poderão apresentar, a partir do 3º ao 4º dia após a vacinação, febre, dor de cabeça e dor muscular.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda, desde maio de 2014, uma dose da vacina Febre Amarela para proteção por toda a vida. Assim, a validade do certificado internacional de vacinação contra Febre Amarela passa para apenas uma dose para toda a vida do vacinado. No entanto, o Programa Nacional de Imunizações do Brasil (PNI) recomenda duas doses (Tabela 1).

Tabela 1: Recomendação para vacinação contra Febre Amarela para residentes em áreas endêmicas ou viajantes

Indicação Esquema
Crianças de 9 meses a 4 anos de idade (4 anos 11 meses e 29 dias) 1 dose aos 9 meses e 1 dose de reforço aos 4 anos (intervalo mínimo de 30 dias entre as doses)
Pessoas > 5 anos de idade que receberam 1 dose da vacina antes de completar os 5 anos 1 dose única de reforço (com intervalo mínimo de 30 dias entre as doses)
Pessoas > 5 anos de idade nunca vacinadas ou sem comprovante de vacinação 1 dose da vacina e 1 dose de reforço em 10 anos
Pessoas > 5 anos idade que receberam 2 doses da vacina Considerar vacinado. Não administrar nenhuma dose
Gestantes (independente do estado vacinal) Contraindicada. Em surtos, avaliar risco/benefício
Mulheres amamentando crianças Contraindicada. Em surtos, avaliar risco/benefício. Se recebeu vacina, suspender aleitamento por 28 dias.
Viajantes Devem seguir o Regulamento Sanitário Internacional (RSI). Para viagens dentro do país, a recomendação do PNI deve ser seguida, sendo realizada a vacina no mínimo 10 dias antes da viagem (somente na primovacinação. Se reforço, não há tempo mínimo).
Pessoas com 60 anos ou mais, que nunca foram vacinadas ou sem comprovante de vacinação. O médico deverá avaliar o risco/beneficio, levando em conta o risco da doença e o risco de eventos adversos nessa faixa etária

Fonte: Departamento Científico de Imunizações SBP e Norma Informativa nº 143/C

Contraindicações para o uso da vacina Febre Amarela:
• Crianças menores de seis meses.
• Portadores de imunodeficiência congênita ou adquirida, neoplasia maligna.
• Pacientes infectados pelo vírus HIV com alteração imunológica.
• Pacientes em terapêutica imunodepressora: quimioterapia, radioterapia, corticoide em doses elevadas (equivalente a prednisona na dose de 2mg/kg/dia ou mais para crianças, ou 20 mg/dia ou mais para adultos, por mais de duas semanas).
• Medicações antimetabólicas (por exemplo a azatioprina e ciclofosfamida).
• Medicamentos modificadores do curso da doença, os biológicos: (Infliximabe, Etanercepte, Golimumabe, Certolizumabe, Abatacept, Belimumabe, Ustequinumabe, Canaquinumabe, Tocilizumabe, Rituximabe).
• Pacientes com história pregressa de doença do timo (miastenia grave, timoma).
• Gestante, devido ao possível risco de infecção do feto pelo vírus vacinal. A vacina Febre Amarela está contraindicada em gestantes, salvo em situações de alto risco de exposição. Na impossibilidade de adiar a vacinação, como em situações de emergência epidemiológica, vigência de surtos, epidemias ou viagem para áreas endêmicas, deverá ser avaliado o benefício/risco da vacinação. A vacinação em gestantes deverá ser analisada caso a caso.
• Pessoas com história de uma ou mais das seguintes manifestações anafiláticas após dose anterior da vacina ou após ingestão de ovo: urticária, sibilos, laringoespasmo, edema de lábios, hipotensão, choque nas primeiras duas horas.
Fonte: Documento técnico vacina febre amarela – fevereiro 2017

Informações adicionais
• A vacina Febre Amarela não deve ser aplicada junto com as vacinas tríplice viral ou tetraviral (vacina sarampo-caxumba-rubéola-varicela) na primeira dose, em crianças menores de dois anos de idade, devendo as aplicações ocorrerem em intervalo de, no mínimo, 30 dias pela possibilidade de interferência na resposta imunológica a estes agentes.
• Pessoas vacinadas devem aguardar quatro semanas após a vacinação para doarem sangue ou órgãos.
• Em situações de surto, a vacina pode ser aplicada em lactentes já a partir de seis meses. Nessa situação, esta dose não é considerada válida pela eventual interferência de anticorpos maternos, devendo o esquema ser reiniciado aos nove meses de idade.

Links:
Áreas de recomendação para vacina de febre amarela – Estado de São Paulo
http://www.saude.sp.gov.br/resources/cve-centro-de-vigilancia-epidemiologica/areas-de-vigilancia/doencas-de-transmissao-por-vetores-e-zoonoses/doc/famarela/famarela16_ recomendacoes_vacinacao.pdf).
Áreas de recomendação para vacina de febre amarela – Brasil
http://sbim.org.br/images/files/ms-listamunicipios-fa.pdf.
Áreas de recomendação para vacina de febre amarela – Outros Países
http://www.anvisa.gov.br/viajante/.

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Relatora:
Dra Silvia Regina Marques

Presidente do Departamento Científico de Infectologia da SPSP.

Publicado em 16/03/2017.
photo credit: Attila Barabás | Dreamstime.com

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