Segundo a Organização Mundial da Saúde, crises humanitárias são “eventos de grandes proporções que afetam populações ou sociedades, causando consequências difíceis e angustiantes, como a perda maciça de vidas, interrupção dos meios de subsistência, colapso da sociedade, deslocamento forçado e ainda graves impactos políticos, econômicos com efeitos sociais, psicológicos e espirituais”.
A espiritualidade é a busca e a expressão do significado da vida, do propósito, da transcendência e a relação ou a experiência de conexão consigo mesmo, com a família, com os outros, com a natureza e o significado do sagrado.
No momento atual, o mundo inteiro foi invadido pela pandemia da Covid-19 e, consequentemente, foi recomendado que as famílias permaneçam em casa diante do caos instalado. A vulnerabilidade, a insegurança, o receio da doença e as informações veiculadas pelas mídias supervalorizam as notícias negativas e os fatos estressantes e angustiantes, o que colabora para a instalação do pânico e do medo.
A quebra da rotina de vida, com a restrição das famílias dentro dos seus lares, se apresenta como uma situação nova e que exige um exercício de paciência, compreensão, tolerância e muita criatividade para que as horas de convivência sejam agradáveis.
É a oportunidade de meditar, ouvir música, cantar, dançar, desenhar, pintar e interagir com as crianças em brincadeiras criativas.
As crianças, com toda sua alegria e energia, são as mais tolhidas dentro do espaço restrito. Foram afastadas também de seus amigos e avós, tendo que lidar com a perda temporária da presença física, que é substituída pelo contato virtual, quando possível.
De forma geral, as crianças refletem o ambiente onde se encontram e sofrem ansiedade, receio e angústia ao perceberem que, aqueles que poderiam confortá-las e acalmá-las nos seus receios, estão descontrolados e inseguros. Elas ficam mais inquietas, ansiosas e irritadiças, o que acaba se transformando num ciclo vicioso que piora a dinâmica do ambiente.
Como os pais podem ajudar
Os pais, entendendo que as crianças refletem o ambiente em que estão, podem mudar esse ciclo. Sugerimos utilizar uma música suave e conversas, explicando o porquê de precisamos ficar em casa, numa linguagem simples, acalmando as crianças. Podem também fazer juntos um pensamento positivo desejando que as pessoas doentes se recuperem e que todos se proponham a ficar em casa com a família por um tempo, até que os médicos, que estão cuidando da nossa saúde, informem que é possível retornar às nossas atividades habituais.
Ao criar um momento de paz e tranquilidade, os pais podem incentivar as crianças a expressarem as suas inquietações, explicando-lhes que nem tudo foi tolhido. Dessa forma, enfrentam essa fase de reclusão como uma oportunidade para ficarem mais juntos, transmitir segurança, podendo utilizar, inclusive, o ato de contar histórias de superação como uma ferramenta para passar conteúdo construtivo de força, esperança e coragem. Ensinar a dar valor a todos os momentos da vida, mostrando que mesmo os difíceis nos mostram ocasiões de superação, também ajuda as crianças a compreender que irão retornar às suas atividades ao ar livre, aos parques e lazer.
A verdade sempre é o melhor caminho e o exemplo de conduta; a melhor maneira de educar. É importante mostrar às crianças que estar em casa é uma oportunidade de se ter momentos ricos de aprendizado.
Ficar em casa também é uma forma de se relacionar com os entes mais queridos. Estabelecer rotinas diárias com as crianças é muito saudável: preparar refeições juntos, arrumar a casa. Assim, a criança aprende a colaborar, a ser solidária e se sente valorizada pelo que consegue fazer. O trabalho conjunto torna o núcleo familiar mais forte, mais unido.
A subjetividade, o eu interno, pode ser alimentado com conversas, músicas, jogos, brincadeiras, exercícios físicos, leituras, estudos, filmes em família.
Mudando o indivíduo, a família se modifica, a sociedade se transforma e o mundo pode ser reconstruído tendo como base a solidariedade, a generosidade e o comprometimento. Esse reencontro com o outro através da prática do amor é a verdadeira essência do sagrado e do significado da vida, constituindo o exercício da espiritualidade diária.
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Relatoras:
Dra. Lelia Cardamone Gouveia
Dra. Aida de Fatima Thome Barbosa
Núcleo de Estudos da Espiritualidade da Criança e do Adolescente da Sociedade de Pediatria de São Paulo