No dia 2 de abril celebra-se o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, uma data estabelecida pela ONU em 2007. A iniciativa busca promover a compreensão e a empatia em relação às pessoas no espectro autista, além de incentivar a criação de políticas públicas que garantam a inclusão e a proteção desses indivíduos. O símbolo da conscientização, representado por um laço colorido, reflete a diversidade e a importância de apoiar a causa.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição que aparece de várias maneiras, podendo afetar a fala, o comportamento e as habilidades sociais da criança. A partir dos dois anos, os pais começam a notar alguns comportamentos que podem ser sinais do transtorno, como dificuldades para falar, repetir ações constantemente, ter hipersensibilidade a certos estímulos e dificuldades em interagir socialmente. Alguns sinais comuns incluem atraso na fala ou até uma fala muito repetitiva ou sem intenção comunicativa; não manter contato visual; inquietação motora, como balanceio do corpo para frente e para trás, flappings (chacoalhar as mãos ritmicamente). Além disso, é comum a criança rodar objetos, andar na ponta dos pés e a busca por objetos rígidos e aleatórios e brincadeiras que não envolvem um faz de conta.
Muitos desses comportamentos já haviam sido descritos e nomeados de autismo infantil precoce, em 1943, por Leo Kanner, psiquiatra austríaco naturalizado norte-americano.
O autismo se apresenta de formas variadas: pode-se dizer que são vários autismos, ainda que algumas características se apresentem em todos eles. Entendemos que todos os indivíduos são únicos, por isso há uma multiplicidade de fenômenos e várias formas e intensidade em que esses comportamentos se apresentam em cada criança. Assim, faz sentido falar em espectro.
As últimas pesquisas apontam para causas multifatoriais, em que há uma interação de causas orgânicas, genéticas, emocionais e ambientais. E as novas descobertas da Epigenética demonstram uma interação importante entre elementos genéticos e ambientais, chamando a atenção para os fatores que interferem na expressividade genética, sem que haja alterações no DNA. Além disso, a plasticidade neuronal, nos primeiros anos de vida, pode ajudar a modificar padrões neuronais.
Vários estudos já apontam para falhas precoces no desenvolvimento dos bebês, que seriam consideradas “portas abertas” para os TEAs. Assim, se pudermos intervir a tempo, em sessões conjuntas pais-bebê, muitas conquistas significativas podem ser alcançadas, fortalecendo os vínculos afetivos e, desta forma, propiciando um desenvolvimento mais satisfatório das funções psíquicas.
Existem cada vez mais estudos e investigações sobre o desenvolvimento dos bebês e as possíveis falhas nesse processo, se detectadas precocemente e trabalhadas, incidirão positivamente na saúde psíquica, muitas vezes desviando essas crianças de um caminho que as levaria ao autismo, ou ao menos amenizando um quadro que poderia vir a ser mais grave.
Muratori e Apicella, dois pesquisadores do autismo, acreditam que as anormalidades no desenvolvimento motor podem estar relacionadas às atipicidades sociais. Os autores postulam que a presença de habilidades motoras precoces fora do padrão, por exemplo, hipoatividade, repertório motor pobre e assimetria postural, pode ser entendida como possível precursora corporal das dificuldades sociais. Esses pesquisadores também salientaram que as intervenções psicanalíticas nas relações iniciais pais-bebês demonstram ganhos significativos nas funções sociais e cognitivas de crianças autistas, principalmente porque acontecem em um momento de maior plasticidade neuronal.
Ainda que seja importante pensarmos em desenvolvimento cognitivo e nos entraves que possam surgir nesse quesito, é imprescindível atentar ao fato de que o cognitivo se constrói junto ao desenvolvimento psíquico e emocional.
Dessa forma, é cada vez mais necessário o estudo do desenvolvimento psíquico e a maneira como trabalharmos com essas crianças, dentro desse referencial que considera a psique e o emocional. Essa abordagem é mais abrangente do que o mero foco na modificação padronizada de comportamentos sociais não adaptados, pois cada criança é única, tem uma história de desenvolvimento, uma família, um psiquismo que lhe é próprio.
Relatora:
Fátima Maria Vieira Batistelli
Psicanalista da SBPSP – Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Membro do GPPA – Grupo de Pesquisa e Psicanálise em Autismo.
Membro da Clínica 0 a 3 – Intervenção nas relações iniciais pais-bebê e criança pequena, da SBPSP.
Membro do Núcleo de Estudos de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo