Doença de Still – Artrite Idiopática Juvenil Sistêmica

Dra. Claudia Saad Magalhães
Professora Adjunta da Disciplina Epidemiologia e Controle das Doenças Reumáticas Pediátricas da Fac. de Medicina de Botucatu – UNESP  e membro do
Depto. Científico de Reumatologia a SPSP.

Dr. Roberto Marini
Professor Assistente do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Univ. Estadual de Campinas-UNICAMP e membro do
Depto. Científico de Reumatologia a SPSP.

Dra. Maria Teresa Terreri
Professora Adjunta do Setor de Reumatologia Pediátrica do Departamento de Pediatria da EPM/Unifesp e Presidente do
Depto. Científico de Reumatologia a SPSP.

 A forma sistêmica da Artrite Idiopática Juvenil (AIJ), ou doença de Still, tem características peculiares e diferentes dos demais subtipos de AIJ [1-3]. Para o seu diagnóstico é preciso excluir outras doenças infecciosas, neoplasias como a leucemia aguda, neuroblastoma metastático, vasculites como a doença de Kawasaki e poliarterite nodosa, o lúpus ou as artrites reativas, que podem mimetizá-la nas fases iniciais.

Entre todas as formas da AIJ, onde a prevalência estimada é 0,1% na população pediátrica, cerca de 10-15% correspondem à forma sistêmica.

O diagnóstico é confirmado de acordo com critérios para a classificação da AIJ [4], sendo caracterizada por artrite persistente por mais de 6 semanas, febre prolongada e intermitente por mais de duas semanas. A curva térmica é típica, com um a dois picos febris diários e queda rápida da temperatura. Nos períodos afebris há melhora do estado geral e atividade. Um exantema máculo-papular evanescente eventualmente pruriginoso ocorre durante os períodos febris. Durante a febre, a criança apresenta desconforto por artralgia e mialgia difusas, podendo apresentar pleurite, pericardite ou miocardite. Hepatoesplenomegalia e linfadenopatia também podem estar presentes.

A AIJ sistêmica é menos responsiva aos tratamentos utilizados com sucesso na forma poliarticular, como os anti-inflamatórios, o metotrexate ou os antagonistas de TNF alfa [5-7]. Na apresentação com pericardite ou miocardite, há necessidade de utilização de prednisona ou prednisolona em altas doses (1-2 mg/Kg/dia ou na forma de pulsoterapia mensal com metilprednisolona). A presença da síndrome de ativação macrofágica, caracterizada por febre contínua, alterações importantes no estado geral, alterações neurológicas, citopenias (anemia, leucopenia e plaquetopenia), hipofibrinogenemia, aumento de triglicérides e ferritina sérica, pode ocorrer com comprometimento de múltiplos órgãos, convulsões, insuficiência renal, hepatopatia e coagulopatia.  O diagnóstico é confirmado pela presença de hemofagocitose no mielograma ou punção ganglionar. Além do controle de fatores desencadeantes, infecciosos ou medicamentosos, o tratamento desta síndrome requer a hospitalização, metilprednisolona em doses altas e ciclosporina.

O metotrexate isoladamente ou associado à ciclosporina, assim como a infusão de imunoglobulina intra-venosa mostraram-se eficazes em alguns casos, mas a maioria é refratária. A prednisona oral é eficaz no controle da atividade inflamatória, contudo há necessidade de doses elevadas e duração prolongada, o que pode levar a eventos adversos como o atraso do crescimento e a osteoporose secundária. Sobretudo, nas formas mais graves acometendo crianças menores, há maior risco de dano articular estrutural [8].

 

Avanços Recentes

O conhecimento sobre a patogênese da AIJ sistêmica assim como as novas perspectivas de tratamento, foram os avanços mais recentes. Há comprometimento da imunidade inata como nas doenças autoinflamatórias. Os indicadores de mau prognóstico são principalmente a corticodependência nos primeiros 3 a 6 meses do início das manifestações sistêmicas e maior risco de persistência da atividade inflamatória, a longo prazo [6,8]. Aqueles com atividade persistente são os candidatos aos tratamentos com anti-citocinas  (anti IL-1 e anti IL-6).

A interleucina 6 desempenha um papel importante na patogênese da AIJ sistêmica, os seus picos séricos acompanham os picos febris. O tratamento com anticorpo monoclonal humanizado anti-receptor de IL6 (Tocilizumab) mostrou resultados promissores no controle de sinais sistêmicos [9, 10] . Além da IL6, a IL1 desempenha um papel-chave e antagonistas de IL1 (Anakinra, Canakinumabe e Rilonacepte) têm sido usados [11,12,13].

A AIJ ainda persiste como doença “orfã” proporcionando desafios para o diagnóstico e tratamento adequado.

 

Referências

1.     Quartier P.  Systemic-onset  juvenile idiopathic arthritis. Arch. Pediatr 2008; 15: 865-6.

2.     Behrens EM, Beukelman T, Gallo L et al. Evaluation of the presentation of Systemic Onset Juvenile Rheumatoid Arthritis: Data from Pensylvania Systemic Onset Juvenile Arthritis Registry (PASOJAR) J Rheumatol 2008; 35: 343-8.

3.     Ramanan AV, Grom AA   Does Systemic-onset  juvenile idiopathic  arthritis belong under juvenile idiopathic arthritis? Rheumatology 2005; 44: 1350-3.

4.     Petty RE, Southwood TR, Baum J et al. Revision of the proposed classification criteria for juvenile idiopathic arthritis: Durban, 1997. J Rheumatol 1998; 25:1991-4.

5.     Woo P, Southwood TR, Prieur AM et al. Randomized, placebo-controlled, cross-over trial of low-dose oral methotrexate in children with extended oligoarticular or systemic arthritis. Arthritis Rheum 2000; 43:1849-57.

6.     Quartier P, Taupin P, Bourdeaut F et al. Efficacy of etanercept for the treatment of juvenile idiopathic arthritis according to the onset  type. Arthritis Rheum 2003; 48:1093-101.

7.     Giannini EH, Lovell DJ, Silverman ED et al. Intravenous immunoglobulin in the treatment of polyarticular juvenile rheumatoid  arthritis: a phase I/II study. Pediatric Rheumatology Collaborative Study Group. J Rheumatol 1996; 23:919-24.

8.     Singh-Grewal D, Schneider R, Bayer N et al. Predictors of disease course and remission in systemic juvenile idiopathic arthritis: significance of early clinical and laboratory features. Arthritis Rheum 2006; 54:1595-601.

9.     Yokota S, Miyamae T, Imagawa T et al . Clinical study of  tocilizumab in children with systemic-onset juvenile idiopathic arthritis. Clin Rev Allergy Immunol 2005; 28:231-8.

10.   Yokota S, Imagawa T, Mori M et al. Efficacy and safety of tocilizumab in patients with systemic onset  juvenile idiopathic arthritis: a randomized double-blind placebo-controlled withdrawal phase III trial. Lancet  2008; 371: 998-1006.

11.   Pascual V, Allantaz F, Arce E et al. Role of interleukin-1 (IL-1) in the pathogenesis of systemic onset juvenile idiopathic arthritis and clinical response to IL-1 blockade. J Exp Med 2005; 201:1479-86.

12.   Lequerré T, Quartier P, Rosellini D et al. Interleukin-1 receptor antagonist (anakinra) treatment in patients with systemic-onset juvenile idiopathic arthritis or adult onset Still’s disease. Preliminary experience in France. Ann Rheum Dis. 2008; 67:302-8.

13.   Gattorno M, Piccini A, Lasiglié D et al. The pattern of response to anti-interleukin 1 treatment  distinguishes two subsets of patients with systemic-onset  juvenile idiopathic arthritis. Arthritis Rheum 2008; 58: 1505-15.

Texto divulgado em 14/06/2012