O dia 10 de setembro é destinado mundialmente à prevenção do suicídio. Conscientizar a população e os profissionais de saúde é importante pois, segundo dados da OMS – Organização Mundial da Saúde, em 2018, o suicídio foi a causa de 56% das mortes violentas no mundo, sendo que, no Brasil, entre jovens de 15 a 29 anos, o suicídio figura como segunda maior causa de morte. Outro recorte, pertinente ao Município de São Paulo, recentemente publicado no jornal Folha de S. Paulo, na edição de 25/8/2023, dá conta de que, no primeiro semestre deste ano, o número de tentativas de suicídio e casos de autoagressão foi 82% maior se comparado ao mesmo período no ano de 2019. Essas transformações tornaram o dia a dia dos profissionais de saúde mais desafiador, tornando o suicídio uma questão de saúde pública.
O suicídio é um acontecimento de extrema complexidade e de causa multifatorial. O que observamos no dia a dia da clínica em saúde mental é que é um tema que não admite respostas óbvias e uniformes. Atribuir o suicídio a um evento único na vida da pessoa, como, por exemplo, ao término de um relacionamento, é uma leitura ingênua. Podemos elencar alguns fatores correlacionados a maior risco de suicídio: tentativas anteriores, dependência química, transtornos mentais, histórico de abusos e traumas.
Não é possível antever um suicídio, mas podemos auxiliar a todos que estão envolvidos na vida das crianças e adolescentes a cuidarem, desde o início da infância, preventivamente, de situações que levem a pessoa a um momento de tamanha dor, a ponto de ela sentir que está “sem saída”, enxergando no suicídio a única opção para lidar com suas angústias. O Estado, a escola, as famílias, pediatras e os profissionais de saúde mental se tornam, nesse sentido, as redes de proteção e auxílio aos jovens, contribuindo para que eles lidem melhor com as adversidades inerentes ao seu desenvolvimento.
Pensando nos aspectos de prevenção, famílias e pediatras podem observar com atenção situações durante a infância indicativas de um maior sofrimento mental, que podem ganhar expressão em sintomas tais como as compulsões (por comida, jogos, uso de telas, uso de álcool, cigarro e outras drogas), comportamentos autolesivos, transtornos alimentares e de ansiedade, desinvestimento e isolamento excessivo da própria família e de amigos, envolvimento em bullying, tanto como autor, quanto como vítima. Esses sinais podem ganhar colorido mais intenso na adolescência, período que envolve uma série de transformações de ordem física e mental. Aumento da impulsividade de forma geral, somado a maior exigência em demandas acadêmicas (vestibular, escolha da futura profissão), bem como as descobertas e vivências sexuais, todas situações que, concomitantes, demandam, em um curto espaço de tempo, uma transformação e maturidade enormes.
Todos os sintomas elencados acima podem ser interpretados como dificuldade de elaboração de sentimentos, os quais indicam a ocorrência de um sofrimento maior. Uma importante orientação aos pais, em relação à prevenção das situações-limite em saúde mental, é que não deixem para depois esse tipo de cuidado: não esperem até que uma situação se agrave para contarem com ajuda de profissionais de saúde mental. Não é possível, a nenhuma família, impedir um filho de viver as adversidades inerentes e que surgem na vida de qualquer criança, porém é possível ajudá-lo a construir recursos para lidar com suas angústias de uma maneira mais saudável.
É importante ressaltar que uma tentativa de suicídio pode representar não apenas a vontade de colocar fim a um sofrimento extremo, como também a comunicação de um sofrimento, um pedido urgente de ajuda. A todos os envolvidos em situações-limite como essas, sejam famílias, pediatras ou escola, é fundamental cuidar para também não se moverem por angústia, não fazerem movimentos bruscos e impulsivos, algo que esse tipo de situação grave inevitavelmente mobiliza.
É também necessário cuidar para que um jovem que passou por tal situação não seja estigmatizado, pois isso pode contribuir para uma maior dificuldade em se conectar com aqueles que estão lhe oferecendo ajuda, aumentando seu isolamento e desespero. O maior fator de contribuição nesses casos é cuidar inicialmente para que essa pessoa seja amparada e esteja fora de risco, para que então, estabilizada a situação, seu sofrimento seja devidamente escutado.
Quem passa por tal experiência deve ter a oportunidade de se conectar a profissionais de saúde que o auxiliem, construindo novas possibilidades de enfrentamento de suas dores, transtornos mentais e sintomas. É fundamental que a família da pessoa que tentou suicídio seja incluída no tratamento pós-evento, pois os familiares também precisarão construir outros caminhos, novas formas de ajudar e reconhecer os sinais de sofrimento de seus filhos, além de lidar com a própria angústia e sofrimento que tais situações geram neles.
Relatora:
Flavia Schimith Escrivão
Psicóloga Especialista em Psicologia Clínica e Psicanalista.
Membro dos Núcleos de Estudos de Saúde Mental e de Depressão entre Crianças e Adolescentes da Sociedade de Pediatria de São Paulo