O dia 23 de setembro é o Dia Mundial de Combate ao Estresse, ação que visa discutir seus efeitos, manifestações, formas de enfrentamento e prevenção, temas muito relevantes em tempos de pandemia.
Definindo o estresse – A palavra estresse origina-se da inglesa, stress, que significa pressão, tensão. É uma denominação moderna para um fenômeno que foi essencial para a adaptação, e consequente evolução, de qualquer forma de vida, especialmente a humana. Define-se o estresse como uma série de respostas do organismo diante de uma situação de ameaça ou de um dano ao seu bem-estar. Ao detectar ameaças, nosso corpo responde com a liberação de hormônios que acarretam o aumento dos batimentos cardíacos, da pressão arterial, da frequência respiratória e da disponibilidade de glicose no sangue, preparando-nos para a crucial questão: lutar ou fugir. Essa decisão envolve também o nosso cérebro, que controla o estado de alerta (afinal, é preciso decidir) e o nosso comportamento (correr ou ficar). Uma vez debandada a ameaça, nosso organismo reorganiza-se, alcançando um novo estado de equilíbrio. Esses mecanismos foram essenciais para a sobrevivência dos nossos antepassados e ainda são importantes nos dias atuais. No entanto, tornam-se prejudiciais quando ocorrem de maneira contínua, intensa e sem a existência de uma rede de suporte que possa, de alguma maneira, diminuir os seus efeitos.
Algum nível de estresse é sempre prejudicial? As crianças podem apresentar certo nível de estresse antes de sua festa de aniversário ou de uma viagem desejada. Levando-se em conta a natureza sociocultural dos seres humanos, as reações desencadeadas pelo estresse ocorrem também diante de situações desconhecidas ou mudanças, mesmo que sejam para melhor.
Pequenos desafios são comuns na vida de qualquer criança e querer protegê-las dessas vivências pode ser prejudicial, por não possibilitar que elas aprendam a lidar com essas novas situações em uma fase em que há o respaldo e a proteção da família e da sociedade.
E quando o estresse nas crianças se torna prejudicial? Quando ocorre de forma intensa, prolongada e sem a proteção dos adultos responsáveis por seus cuidados.
Essa situação é mais grave quando ocorre mais cedo na vida da criança. Nas crianças pequenas (menores de cinco anos), o estresse pode ser dividido em três tipos, de acordo com sua intensidade e efeitos maléficos:
- Estresse positivo: quando é breve e sem grande intensidade.
- Estresse tolerável: relaciona-se com situações que não fazem parte da vida de toda criança, mas que podem ocorrer, como a morte de um familiar ou o divórcio dos pais, por exemplo.
- Estresse tóxico: ocorre quando a criança é submetida a situações de estresse intensas, frequentes e prolongadas, que ultrapassam sua capacidade de lidar com elas, como nos casos de violência. Esse maior nível de ativação do organismo ao estímulo estressor, principalmente quando associado à ausência de um suporte protetor de um adulto cuidador, pode levar a uma disruptura no circuito cerebral, a alterações nos sistemas metabólicos, imunológicos, entre outros, com suas consequências a curto, médio e longo prazo.
Portanto, o fator nuclear que define a gradação do estresse é a existência de uma rede de suporte estável e amorosa formada pelos adultos que cuidam das crianças. Uma pequena frustração pode ser muito estressante se a criança vivenciá-la sozinha, sem a validação dos seus sentimentos (é ruim mesmo quebrar um brinquedo), sem entender o que está sentindo (ninguém nasce sabendo reconhecer o que é tristeza ou raiva, por exemplo) e sem a certeza de que as pessoas que mais ama poderão ajudá-la quando precisar ou continuarão a amá-la, mesmo depois de suas crises de raiva.
Como os pais e as outras pessoas que cuidam da criança podem ajudá-la a aprender a lidar com o estresse?
De início, é preciso conhecer o temperamento das crianças. Desde muito pequenas, há grande variabilidade no modo como elas lidam com situações estressantes: algumas choram com facilidade, outras irritam-se e há aquelas que não conseguem se expressar, mas que estão sofrendo. A reação das crianças também varia de acordo com sua idade e período de desenvolvimento. Não podemos esperar que uma criança de quatro anos reaja do mesmo modo que uma criança maior no primeiro dia de aula, mesmo que já tenha frequentado a escola.
Em tempos tão estressantes também para as famílias, é preciso lembrar que para as crianças nada substitui o olhar amoroso dos seus pais. Assim, é essencial conhecer a rotina da criança e ter disponibilidade de tempo para saber o que está ocorrendo na sua vida, o que não significa “dominar a cena”, impedindo que a criança adquira autoconfiança para lidar com os seus desafios.
Diante dos “bons estresses”, como um aniversário que se aproxima, os pais podem ajudar antecipando o que irá acontecer, conversando sobre o que as crianças estão pensando e sentindo, esclarecendo que “é comum as pessoas se sentirem assim diante de situações desconhecidas” e assegurando que elas poderão contar com a ajuda dos pais se precisarem.
Ninguém quer que uma criança sofra, mas é impossível evitar alguns fatos que podem acontecer na vida de qualquer pessoa. Nessas situações, tentar manter alguma rotina, ensinar a criança a praticar manobras de relaxamento, como os exercícios respiratórios, por exemplo, assegurar a presença de momentos de pausa para brincar, encontrar amigos ou ter contato com a natureza são comprovadamente eficazes no enfrentamento do estresse. O contato com a natureza associa-se positivamente com a melhora do sono, da atividade física, de habilidades como a capacidade de atenção e memória.
Conversar sobre o que estão sentindo, suas fantasias e preocupações, acolher o sofrimento e reconhecer que os adultos também sofrem é uma das melhores maneiras de ajuda recíproca entre os pais e as crianças. O que torna esse tipo de estresse tolerável é, novamente, a rede protetora das relações afetivas entre as crianças e seus cuidadores.
Em conclusão, o estresse é considerado um dos principais problemas de saúde dos nossos tempos e seu estudo constitui um vasto campo multidisciplinar de pesquisas que evidenciaram a profunda relação entre os fatores sociais e a saúde das pessoas. A vivência de situações de estresse intensas sem uma rede afetiva de suporte, principalmente nos primeiros anos, associa-se com prejuízos na saúde global dos indivíduos por toda a vida. Muitas doenças dos adultos iniciam-se na infância e relacionam-se diretamente com a presença do estresse tóxico nesse período. A pobreza, a insegurança alimentar, o preconceito racial e as disparidades nas oportunidades de acesso a serviços de saúde e educacionais de qualidade são fatores associados a esse tipo de estresse. Para a diminuição das disparidades de saúde e de bem-estar das pessoas em busca de uma sociedade mais justa, o primeiro e, talvez, o mais importante passo nesse sentido seja a construção de uma grande rede de apoio às crianças e suas famílias.
Saiba mais:
- Worthman CM. Evolutionary biology of human stress, in basics in human Evolution. Eds.: Muehlenbein MP, Academic Press, 2015, Pages 441-453.
- Live Science Staff – Why Stress is Deadly? Disponível em:
https://www.livescience.com/2220-stress-deadly.html#:~:text=Stress%20takes%20its%20toll%20on,review%20essay%20in%20the%20Dec. Acessado em 20/09/2022.
- National Scientific Council on the Developing Child. (2005/2014). Excessive stress disrupts the architecture of the developing brain: working paper 3. Updated Edition. Disponível em: https://developingchild.harvard.edu/wp-content/uploads/2005/05/Stress_Disrupts_Architecture_Developing_Brain-1.pdf. Acessado em 20/09/2022.
- Shonkoff JP, Garner AS. The Committee on Psychosocial Aspects of Child and Family Health, Committee on Early Childhood, Adoption, and Dependent Care, and Section on Developmental and Behavioral Pediatrics. The lifelong effects of early childhood adversity and toxic stress. Pediatrics2012;129(1):e232–e246.
- American Academy of Pediatrics. Healthychildren.org. Helping children handle stress. Disponível em: https://www.healthychildren.org/English/healthy-living/emotional-wellness/Pages/Helping-Children-Handle-Stress.aspx. Acessado em 20/09/2022.
- Childhood stress: how parents can help. Disponível em: https://kidshealth.org/en/parents/stress.html. Acessado em 20/09/2022.
Relatora:
Rosa Resegue
Núcleo de Estudos de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo
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