O Dia Mundial da Prevenção do Suicídio ocorre no dia 10 de setembro e visa ampliar a conscientização da população acerca do tema. Esse debate é cada vez mais importante, sendo essa a percepção da Sociedade de Pediatria de São Paulo, pois o suicídio, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma das principais causas de morte em todo o mundo e, entre jovens de 15 a 29 anos, a quarta causa de morte.
De partida, é fundamental reforçar que o suicídio tem causa multifatorial, em que interferem elementos psicológicos, sociais e culturais. Entre os fatores de risco para o suicídio mais conhecidos estão: transtornos mentais, dependências químicas, abusos, traumas, perdas econômicas e tentativas anteriores.
Diante desse cenário, é inevitável nos perguntarmos se é possível falar em efetivas medidas de prevenção. Cuidar da saúde mental, não só da criança, mas de todos que a cercam, é o primeiro passo desse caminho. A saúde mental precisa estar ligada aos cuidados cotidianos, onde a presença do cuidador demanda ser além da presença física, uma presença implicada, emocionalmente presente. Esse primeiro cuidado pode contribuir para que mais tarde, na adolescência, mesmo diante de tantos desafios para crescer e construir sua subjetividade, o jovem encontre amparo psíquico que lhe permita fazer escolhas e suportar as adversidades. Não é incomum que casos de bullying estejam conectados e façam parte do cenário de agravamento da saúde mental de um adolescente. O enfrentamento a essas situações sem dúvida é necessário. Para uma criança ou adolescente que experimenta maior dificuldade no enfrentamento de situações de angústia psíquica, o bullying pode se tornar um excesso impossível de ser suportado.
Vivemos em um país marcado por diferenças sociais e econômicas drásticas, no qual o acesso aos recursos de saúde, educação e moradia são muito desiguais, sendo possível assim imaginar o quão desafiador pode ser para muitas famílias administrarem suas exigentes jornadas de trabalhos e ainda assim cuidarem da saúde e bem-estar de seus vínculos familiares. É um enorme desafio!
Quando assistimos entristecidos os casos de suicídio em jovens, surgem as inúmeras perguntas e apontamentos automáticos, culpas e recomendações. Todo cuidado é pouco ao abordarmos tema tão delicado e complexo. Ao observarmos os fatores de risco para o suicídio, surge a recomendação para que jovens que estejam em evidente sofrimento sejam acompanhados e recebam auxílio psicológico. Porém, quando levamos em consideração a adolescência e a velocidade de transformações que ela imprime no indivíduo, podemos considerar que mesmo um jovem aparentemente ‘’bem-sucedido’’ do ponto de vista dos anseios sociais pode estar sofrendo grande pressão. Somadas a isso temos as crescentes exigências dos mercados de trabalho, os apelos estéticos e de consumo (impulsionados e veiculados pelas redes sociais), encaixando o jovem num ‘‘padrão’’: um aluno de alta performance, por exemplo, mas em franco sofrimento, ainda que não aparente. É importante, nesse sentido, nos atentarmos enquanto pais, profissionais de saúde e de educação, para outras formas de adoecimento menos evidentes, mas com grande potencial de risco. Estas situações descritas já são potencialmente deletérias e vêm moldando a forma de ser e sofrer dos jovens e dos adultos na atualidade. Também observamos, com certa frequência, que tanto os pais quanto os profissionais de saúde e de educação se veem perdidos frente aos seus impactos. Há um esgarçamento social em curso, no qual há carência de recursos de amparo no meio social mais amplo. E no desamparo procuramos e precisamos de amparo.
É importante considerar que o desenvolvimento, desde a infância, não se processa de forma linear e que ao longo da vida crianças e adolescentes podem evoluir ou regredir em função do modo como são cuidados e das adversidades que encontram pelo caminho. Crescimento não significa apenas ganhos e é preciso estar atento, porque eles podem dar sinais sutis de que não estão conseguindo elaborar os desafios e as perdas que o crescimento também implica.
Uma dessas vias de expressão de sofrimento é o corpo, que o adolescente utiliza para várias coisas e que está no cerne de sua relação com o mundo, o que podemos constatar não apenas no modo como a imagem é cultuada, mas também nos comportamentos de autolesão, e em última instância, no suicídio.
Na autolesão, o corpo se torna o cenário de expressão dos conflitos internos e de descarga das experiências emocionais dolorosas, o que propicia um alívio momentâneo, frente a vivência de um caos emocional e da dificuldade de transformá-lo em palavras. Com isso, o jovem continua conseguindo se manter agarrado à vida, à realidade que o circunda e ao grupo ao qual pertence. Mas, como o alívio é transitório, o ato tende se repetir, agravando o sofrimento.
O suicídio é o desfecho mais grave da junção entre um excesso de dor, de perturbação e de pressão emocional, de falta de sentido no viver, e revela um enfraquecimento dos vínculos reais do jovem com as pessoas que lhe são significativas e que poderiam lhe proporcionar os recursos de proteção.
Os recursos de proteção são construídos no meio familiar e social e estão intimamente relacionados com os vínculos afetivos na família, na escola e na comunidade na qual o jovem se insere, mas também estão atrelados às percepções e senso de si que ele constrói desde a infância: os sentimentos de autoestima, autoconfiança, as perspectivas de futuro e as habilidades afetivas, sociais e cognitivas.
O principal fator de proteção é o sentimento de estar conectado, numa relação de intimidade e confiança, bem-estar e apoio, de referência para as escolhas e enfrentamento dos desafios que a vida coloca. Em suma, saber que pode contar com alguém, ao longo do percurso da vida e não apenas nos momentos de crise ou de enorme sofrimento.
Ter um sentido para a vida previne e protege do suicídio.
Relatoras:
Cristiane da Silva Geraldo Folino
Flávia Schimith Escrivão
Vera da Penha M. Ferrari Rego Barros
Núcleo de Estudos de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo