Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto divulgado em 01/06/2022
No dia 1 de junho era comemorado, por iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) desde 1950, o Dia Mundial da Criança, com o objetivo de chamar a atenção para os problemas que as crianças então enfrentavam.
Oficialmente, passou para 20 de novembro, para celebrar a data em que a ONU, em 1959, aprovou os Direitos da Criança. Quarenta anos depois, em 20 de novembro de 1989, foi adotada a Convenção dos Direitos da Criança, em Assembleia-Geral da ONU e ratificada pelo Brasil em setembro de 1990.
E por que lembramos do dia 1 de junho?
Porque as crianças devem ser lembradas em todas as datas e todos os dias
Os números têm o poder de expressar a grandeza de um evento, mas não traduzem a dimensão de uma tragédia. Eles se direcionam para o lado esquerdo do cérebro, não falam com o lado direito ou, se preferirem, não atingem o coração. As estatísticas criam as colunas de débito e das perdas, não traduzem a intensidade do sofrimento, a gama de frustrações, a quantidade de lágrimas vertidas, as expectativas frustradas.
Recorro, então, aos poetas para transmitir a ideia central desta data. Khalil Gibran diz que “os filhos são os filhos da ânsia da vida que anela por si mesma” … que “são flechas na mão do arqueiro…”. Tem razão! Crianças são a expressão mais eloquente da vida que anseia pela vida, isto é, que quer desabrochar e vir a ser, exuberante e plena. Sim, crianças são flechas lançadas para o futuro, para um alvo chamado “plenitude existencial”. Estas crianças são facilmente lembradas em outras datas, por exemplo: Dia de São Cosme e Damião, Halloween, 12 de outubro, Natal. Estas são as crianças que vemos. Mas a data que se comemora nos provoca a lembrar das crianças que não vemos – que constam nas estatísticas da “infância perdida”.
Quem são elas?
São aquelas que nasceram em lares disfuncionais e experimentam, precocemente, que o mundo não é justo.
São aquelas que não foram acolhidas com afeto, ao contrário sofrem violência de naturezas diversas.
São aquelas que não podem brincar com bolas ou bonecas ou videogames porque não têm tempo disponível, estão trabalhando.
São aquelas que sequer têm o mínimo do pão, apenas migalhas.
São aquelas que têm a vida interrompida pela morte precoce, não devido a causas naturais, mas pela violência que as capturou; ou porque não tiveram acesso aos recursos da saúde.
São aquelas que não viajam no mundo imaginário da fantasia, mas “viajam” entregando “pacotes” para o tráfico que as cooptou.
São aquelas cujas alternativas de escolha são estreitas, os horizontes próximos, a esperança vazia, especialmente, porque a escola permanece fechada determinando a exclusão social permanente.
São aquelas que nos “incomodam” ou nos “assustam” nas esquinas de nossas ruas.
O Dia Internacional da Criança nos força a lembrar que o destino destas crianças não foi pré-determinado, foi tecido pelas escolhas dos homens e das mulheres do mundo em que vivem.
Todos nós, segundo a Convenção dos Direitos da Criança, devemos zelar para que todas elas, independente de raça, cor, religião, origem social, país de origem, têm direito ao afeto, amor e compreensão, alimentação adequada, cuidados médicos, educação gratuita, proteção contra todas as formas de exploração e a crescer num clima de Paz e Fraternidade.
Recorro aos poetas, novamente, para que nos inspirem com otimismo: “Quando as coisas ficam ruins, é sinal de que as coisas boas estão por perto…” Cora Coralina.
Às crianças que não vemos.
Relator:
Fernando MF Oliveira
Coordenador do Blog Pediatra Orienta da Sociedade de Pediatria de São Paulo
Foto: monkeybusiness I depositphotos.com