No dia 9 de dezembro é celebrado o Dia da “Criança Especial”.
Para iniciar este texto, lanço três questões com o objetivo de gerar reflexões sobre as terminologias e as atitudes que temos em nossas práticas de cuidado em saúde.
Quem são as “crianças especiais”?
Quais características uma criança precisa ter ou adquirir para ser especial?
Em nossa sociedade, as “crianças especiais” são respeitadas e valorizadas?
Os termos “criança especial” e “crianças com necessidades especiais” são utilizados dentro e fora da área da saúde para se referirem a crianças com deficiências, autistas e outras diversidades. Hoje, em 2023, essa terminologia é considerada imprópria, redutora, e até pode ser interpretada como uma forma de preconceito, ao fazer pessoas se tornarem especiais pelo seu diagnóstico e não pelo o que são ou o que fazem em sua trajetória de vida.
Discutir a palavra “especial” e outras terminologias, para o Núcleo de Estudos sobre as Crianças e Adolescentes com Deficiências da Sociedade de Pediatria de São Paulo, é algo fundamental, um ponto de partida, pois acreditamos que respeitar a pessoa com deficiência começa pela forma com a qual nos referimos a elas, pelas nossas atitudes diárias e pela luta contra todas as formas de capacitismo, que é o preconceito contra pessoas com deficiência. E se os próprios sujeitos que vivenciam a condição da deficiência questionam o termo “especial” em suas oratórias, por que nós cuidadores faríamos diferente?
O uso da terminologia correta é uma porta de entrada para o cuidado eficaz. Termos inadequados, desatualizados e discriminatórios podem afastar a pessoa com deficiência e a sua família da relação de cuidado, reduzindo a confiança na equipe de saúde e a aderência ao acompanhamento. Para ter sucesso em nossas orientações e prescrições, é fundamental que seja construída uma relação que compreenda a diversidade, valorize as diferenças, respeite as individualidades e acolha cada sujeito, com ou sem uma deficiência.
As crianças especiais são todas as crianças, com e sem deficiências. Especiais pela sua existência, pela sua capacidade de modificação da sociedade, pela sua curiosidade de explorar o mundo, pelas suas habilidades e potenciais, pela sua forma única de ser. Crianças podem ser especiais para as suas famílias e pessoas que as rodeiam pelo que são, e não por um diagnóstico.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 1 bilhão de pessoas têm algum tipo de deficiência no mundo, sendo 1 em cada 10, criança. Dados do IBGE de 2010 mostram que o Brasil tem cerca de 4 milhões de crianças de 0 a 14 anos de idade com uma deficiência. Pelo Relatório Mundial sobre a Deficiência da ONU de 2011, em todo o mundo, as pessoas com algum tipo de deficiência ainda apresentam piores perspectivas de saúde, níveis mais baixos de escolaridade, participação econômica menor e taxas de pobreza mais elevadas em comparação às pessoas sem deficiência. Esses dados mostram que as crianças e adolescentes com deficiência ainda têm uma vida de lutas por direitos básicos, garantidos no papel pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI), em uma sociedade que contraditoriamente ainda as chama de “especiais”.
Para avançarmos na temática da criança e do adolescente com deficiência é preciso discutir terminologia, atitude, inclusão, acessibilidade, equidade de cuidados, direitos da pessoa com deficiência, deveres dos profissionais atuantes na infância, capacitismo, individualização da assistência, entre tantas outras temáticas que ainda hoje não são naturalizadas e aplicadas na sociedade em geral, onde se incluem os pediatras e demais profissionais da saúde.
Relator:
Fábio Watanabe
Núcleo de Estudos sobre a Criança e o Adolescente com Deficiência da Sociedade de Pediatria de São Paulo