Coronavírus, quarentena e “boa” alimentação dos nossos filhos

Com o crescimento do número de casos de COVID-19 no Brasil e no mundo, a pandemia do novo coronavírus evolui entre incertezas e constante geração de conhecimento científico relacionado às estratégias para prevenir e combater a infecção, ou pelo menos, tentar evitar as formas graves da doença.

O isolamento social (permanência do maior tempo possível em casa) tem levado a modificações da dinâmica familiar. As dificuldades de lidar com essa fase, direta e indiretamente, podem acarretar consequências à saúde, que vão além da doença. A forma de realizar as refeições é uma dessas mudanças impostas pela quarentena e que pode ter como consequências os distúrbios nutricionais. Crianças e adolescentes, que realizavam pelo menos uma ou mais das refeições principais na escola, estão se alimentando em casa, em tempo integral.

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No entanto, garantir horários das refeições organizados e uma alimentação equilibrada qualitativa e quantitativamente não tem sido uma tarefa fácil para os pais, por diversas razões: maior número de afazeres domiciliares assumidos por eles, existência de maior ou menor acesso a alimentos saudáveis, a praticidade do fast food, a exigência de trabalhar remotamente e, nos diversos contextos sociais, pela necessidade de criar alternativas para manter uma fonte de renda suficiente para o bem-estar e sobrevivência.

A boa nutrição, que é historicamente aliada à boa imunidade ou à defesa competente do organismo contra a agressão de agentes infecciosos, é basicamente resultado da boa alimentação, que inclui o consumo diário de nutrientes necessários para a boa atividade de órgãos e sistemas do corpo.

Dentre essas boas características, aponto aqui, especificamente, os efeitos benéficos do estado nutricional adequado de vitaminas (A, C e D) e minerais (zinco e selênio) na manutenção do sistema imune competente e, consequentemente, no seu papel no controle e prevenção de doenças infecciosas, como a COVID-19.

Estes cinco micronutrientes participam dos mecanismos de defesa do organismo contra a invasão de vírus, bactérias e outros agentes estranhos, protegendo as mucosas respiratórias e gastrintestinais, regulando a inflamação, agindo como antioxidantes, garantindo a geração de anticorpos específicos ou fortalecendo células protetoras.

Ok, mas o que oferecer para nossos filhos nesta época de “improviso” alimentar para garantir estas funções?

Os alimentos considerados melhores fontes de vitaminas (A, C e D) e minerais (zinco e selênio) e que devem ser oferecidos na mesa familiar estão dispostos no quadro abaixo.

Micronutriente Origem/Alimentos
Vitamina A Origem animal: carne e óleo de fígado (órgão de reserva), leite e ovos Origem vegetal: vegetais folhosos verde-escuros, óleos, frutas e vegetais com coloração do amarelo ao vermelho (manga, mamão, abóbora, cenoura, batata doce, espinafre, mostarda e couve)
Vitamina C Frutas cítricas (limão, laranja, acerola e abacaxi), não cítricas (melancia, melão, cerejas, kiwi, manga, mamão, morango e tomate) e legumes (repolho, brócolis, couve, couve-flor, mostarda, pimentão vermelho e verde, ervilha e batata)
Vitamina D* Peixes com alto teor de gordura (salmão, sardinha e atum), óleo de fígado de peixe, gema de ovo, fígado, leite e seus derivados
Zinco Mariscos, ostras, carnes vermelhas, fígado, miúdos, ovos, grãos integrais e cereais matinais fortificados
Selênio Castanha do Brasil, peixes (sardinha, salmão), fígado de boi, farelo de arroz, farinha de trigo integral, cebola, alho, cebolinha, mostarda, repolho, brócolis, couve-flor e cogumelos

*Especificamente, o consumo diário de alimentos fonte de vitamina D é indispensável, pela redução da exposição solar decorrente da quarentena.

Fonte: elaborada pelo autor

Enfatizo que, embora existam algumas hipóteses recentemente levantadas, até o momento, não há qualquer evidência científica do benefício do uso de suplementos alimentares ou medicamentosos com estes micronutrientes para prevenir ou tratar a COVID-19 em indivíduos saudáveis, principalmente na faixa etária pediátrica. Além disso, altas doses levam ao risco de toxicidade e, consequentemente, prejudicam a saúde.

No entanto, é fundamental destacar que o estado de deficiência de qualquer um destes micronutrientes deve ser identificado e reparado prontamente para garantir o bom funcionamento do sistema imune. Aqui sim, diante da forte suspeita clínica ou da deficiência nutricional comprovada, estratégias de suplementação e tratamento são, assim como eram antes da pandemia atual, altamente indicadas e contribuem significativamente com o combate às doenças infecciosas.

Convido os pais para uma reflexão: este momento de pausa, sem trânsito, sem escolas, sem igreja, sem parques, sem praias, sem jogos de futebol, sem bares, restaurantes ou lanchonetes pode ser uma oportunidade para proporcionar uma alimentação mais saudável para toda família e para compartilhar o momento das refeições. Mesmo frente ao desafio da adaptação ao isolamento social, este certamente é um caminho para a promoção da saúde e fortalecimento familiar. Tal modificação da prática e comportamento alimentar pode surpreender nossas expectativas, quanto à possibilidade de aquisição de preferências e hábitos alimentares saudáveis pelos nossos filhos.

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Relator: Tulio Konstantyner
Departamento Científico de Nutrição da Sociedade de Pediatria de São Paulo
Membro titular do Departamento Científico de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria