Estudo inédito mostra que 1 em cada 5 crianças brasileiras tem suspeita de atraso no desenvolvimento; baixo nível de escolaridade da mãe e prematuridade estão entre os principais riscos
A Fundação Bill & Melinda Gates, o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) lançam no Brasil o programa Grandes Desafios Brasil: Desenvolvimento Saudável para Todas as Crianças. A iniciativavai oferecer atéR$10 milhões a pesquisas e soluções brasileiras capazes de detectar obstáculos ao desenvolvimento infantil e propor medidas inovadoras para solucioná-los. Metade da chamada será financiada pelo Ministério da Saúde e CNPq e a outra metade pela Fundação Gates.
Cerca de 20% das crianças brasileiras de até um ano apresentam suspeita de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor por problemas durante a gestação ou nos primeiros meses de vida. É o que mostra um estudo recente da Universidade Federal de Pelotas, que mapeou os principais riscos ao desenvolvimento saudável de crianças brasileiras. Fatores como baixo nível de escolaridade e renda da mãe, diabetes na gestação, número inadequado de consultas no pré-natal e prematuridade podem aumentar em mais de duas vezes as chances de problemas motores, cognitivos e de comunicação.
Pesquisas internacionais apontam que os primeiros 1000 dias de um ser humano são cruciais para garantir uma vida adulta produtiva. De acordo com uma pesquisa da Asia Development Review, investir em intervenções nesses primeiros meses pode aumentar o PIB de um país em até 3% porque crianças bem nutridas tem maiores chances de continuar na escola, de desenvolver maiores QIs (Quociente de inteligência) e de ganhar até 46% mais ao longo da vida.
Ainda há muito desconhecimento sobre as razões que impedem o nascimento, crescimento e desenvolvimento saudável de uma criança. Evidências sugerem que há diversas causas interligadas e abordar apenas um dos fatores de cada vez pode resolver apenas uma pequena parcela do problema. Por isso o Grandes Desafios Brasil: Desenvolvimento Saudável para Todas as Criançasbusca soluções integradas para identificar e prevenir diversos problemas simultaneamente, por exemplo, baixo crescimento fetal, prematuridade e baixo crescimento pós-parto.
O objetivo é determinar quais combinações de intervenções devem ser oferecidas à criança – e em que momento da infância – para reduzir fatores de risco que podem impactar sua vida adulta. Espera-se que o pesquisador explique como pretende testar e medir o impacto do seu projeto não só no Brasil como em outros países do mundo com problemas semelhantes.
O desenvolvimento infantil é resultado de uma combinação de fatores nutricionais (tipo de dieta durante a gravidez, duração da amamentação, peso ao nascer, altura aos dois anos de idade), de saúde materno infantil (crescimento intrauterino, prematuridade, imunizações, infecções da mãe do bebê) e socioeconômicos (saneamento básico, exposição à violência, nível de escolaridade e renda da mãe). Todos esses elementos somados determinam o adulto que a criança será no futuro.
Contexto global e brasileiro
No mundo, problemas como mortalidade infantil e desnutrição ainda são grandes obstáculos ao bom desenvolvimento físico e cognitivo. Seis milhões de crianças com menos de 5 anos morrem todos os anos. Entre as que sobrevivem, 165 milhões (26%) tem déficits de estatura, importante indicador de riscos para desenvolvimento futuro.
O Brasil reduziu drasticamente as mortes de crianças abaixo de 5 anos e o déficit de estatura, que caiu mais de 80% desde 1975. Mesmo assim, graves desafios ainda persistem. A cada ano, 26 mil crianças brasileiras morrem antes de completar 30 dias de vida e 450 mil ainda têm déficit de estatura por causa da desnutrição, segundo o Ministério da Saúde. O índice é maior na região Norte (14.8%) e entre indígenas (26%) e quilombolas (15%). Baixa estatura até os dois anos de idade pode indicar danos irreversíveis na vida adulta, como menores níveis de escolaridade e menor renda, segundo estudo do Lancet publicado em 2008.
Pesquisa da Universidade Federal de Pelotas aponta que fatores ligados ao perfil socioeconômico e ao comportamento da gestante antes, durante e depois da gravidez também são cruciais para determinar todo o ciclo de vida do bebê. Grávidas pertencentes às classes C e D e que estudaram menos de quatro anos tem pelo menos duas vezes mais risco de gerarem crianças com atrasos de desenvolvimento. O mesmo vale para mães que frequentaram menos que seis consultas no pré-natal, desenvolveram diabetes gestacional, tiveram bebês prematuros e amamentaram menos que seis meses. O risco de atrasos cognitivos é duas vezes maior entre famílias que não têm livros infantis em casa e nem leem histórias para os filhos.
Desde 1982, os pesquisadores de Pelotas vêm acompanhando a evolução de mais de 3000 bebês nascidos em três décadas diferentes (1982, 1993 e 2004). Em 1994, 37.1% das crianças de um ano exibiam traços de atraso no desenvolvimento. Uma década depois, esse número caiu para 21.4%, uma redução de 42%.
Para reduzir ainda mais esse índice é preciso identificar e combater diversos fatores de risco em conjunto. Isso é o que busca o Grandes Desafios Brasil: Desenvolvimento Saudável para Todas as Crianças. A chamada procura soluções integradas envolvendo três grandes áreas: nutrição, saúde materno infantil e fatores socioeconômicos e ambientais.
As propostas serão avaliadas de acordo com seu potencial de inovação e impacto em duas categorias de financiamento: até R$500 mil por dois anos e até R$4 milhões por quatro anos. Cientistas, pesquisadores e inovadores do país todo podem enviar projetos até o dia 13 de janeiro pelo site do CNPq.
Outras duas chamadas globais estão abertas a pesquisadores brasileiros:
· Mulheres e Crianças no Centro do Desenvolvimento: focada em novas abordagens para garantir mais direitos e voz às mulheres e, assim, permitir que metas em saúde e desenvolvimento sejam cumpridas.
· Novas Intervenções para Saúde Global: com o objetivo de acelerar e transformar inovações em vacinas, medicamentos e diagnósticos em intervenções seguras, eficazes e de baixo custo que possam ser amplamente empregadas em países em desenvolvimento.
Mais informações podem ser acessadas no site do Grandes Desafios.
Grandes Desafios no Brasil
Criado pela Fundação Bill & Melinda Gates em 2003, o Grandes Desafios é uma família de programas de financiamento de pesquisas inovadoras para solucionar graves problemas de saúde, agricultura e desenvolvimento. No Brasil, o programa Grandes Desafios mantém parceria desde 2011 com a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Lançada em 2013, a primeira chamada Grandes Desafios Brasil: Prevenção e Manejo de Nascimentos Prematuros, buscou ideias inovadoras para reduzir as altas taxas de prematuridade no Brasil. Entre as 156 propostas submetidas, 12 foram selecionadas e os pesquisadores contemplados receberam R$ 8,4 milhões para desenvolver seus projetos ao longo de dois anos. Motivado pelo sucesso do primeiro edital, a Fundação Gates e os parceiros brasileiros lançam agora a segunda iniciativa. A Grandes Desafios Brasil: Desenvolvimento Saudável para Todas as Crianças oferecerá até R$ 10 milhões a estudos e intervenções capazes de detectar obstáculos ao desenvolvimento infantil e propor medidas inovadoras para solucioná-los.