Caros pais,
Estamos todos no mesmo barco!
Estamos reclusos em casa e somos acompanhados de pensamentos e sentimentos nada confortáveis. Inúmeras preocupações e medos rondam nossos dias e nos assaltam permanentemente. Estamos mergulhados nas águas das incertezas! E, geralmente, lidamos mal com aquilo que não sabemos, tendemos a tentar encontrar uma saída na base do certo e errado, algo que venha do lado de fora e não de dentro da gente.
Junto com a situação inédita que nos captura e as tentativas de lidar com uma vida que foi revirada de cabeça para baixo, fazemos chegar a vocês uma série de dicas com o objetivo de ajudar a cuidar dos impactos e aproveitarmos o momento para operacionalizar uma rotina saudável para as nossas famílias.
Sugestões, tais como: aproveitar o tempo em casa para brincar com seu filho, ter diálogo com ele, ensinar as tarefas domésticas e o valor de efetuá-las, ou aproveitar para estar mais próximos e dividir a mesa das refeições, reforçar o ensinamento da importância da higiene na nossa saúde. Esse é o momento!
Essas sugestões podem ser frutíferas e realmente nos auxiliar, mas podem ser vivenciadas por alguns como mais uma exigência, dentre as que já tínhamos, e aqueles que não conseguirem segui-las podem se sentir mais perdidos e culpados.
Não basta girarmos uma chave para passar a brincar prazerosamente com os filhos ou ensiná-los que precisam esperar, colaborar… Antes tínhamos pouco tempo juntos, e agora? O que fazer com muito tempo e a extrema presença? E as tantas solicitações?
Os ritmos foram abalados e reverberam a seu modo em cada pai, mãe e filho. A crise pode ser considerada uma moeda de duas faces. Talvez possamos abrir espaço para que a ruptura que nos atravessa possa ser uma oportunidade, lembrando que, etimologicamente, essa palavra significa um vento propício para o barco sair ou atracar no porto!
Um momento favorável à reflexão acerca da matéria-prima com a qual a vida pode ser verdadeiramente tecida, podendo sair do modo “piloto automático” ao discriminar de que forma podemos imprimir nosso jeito a essas sugestões, ou criar saídas alternativas.
E talvez essa seja a grande oportunidade: entrar em contato com nós mesmos, para nos conhecer na relação que estabelecemos com os filhos, tentando abrir espaço para criarmos formas de estarmos e crescermos juntos.
Se cada um de nós puder refletir sobre o que está sentindo, suas dificuldades, talentos, desejos e ritmos próprios, e que se permita certo tempo para construir caminhos mais conectados com um jeito possível de ser pai e mãe, poderá melhor acompanhar e nutrir o trajeto do crescimento e amadurecimento dos filhos, sejam eles crianças ou adolescentes.
Não é negando os afetos difíceis que ajudamos nossos filhos a crescerem! Somos seres que, desde sempre, precisamos do outro, e é na relação que estabelecemos com os outros que nos alimentamos e nos tornamos gente, o que não merece ser negligenciado.
Para terminar, um poeta:
O meu avô sempre dizia que o melhor da vida haveria de ser ainda um mistério e que o importante era seguir procurando. Estar vivo é procurar, explicava. (…) Era um detetive de interiores, queria dizer que inspecionava sobretudo sentimentos. (…)
As mais belas coisas do mundo
Valter Hugo Mãe
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Relatora:
Cristiane da Silva Geraldo Folino
Departamento de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo