“Família, família/ Papai, mamãe, titia/ Família, família/ Almoça junto todo dia/ Nunca perde essa mania/ Mas quando a filha quer fugir de casa/ Precisa descolar um ganha-pão/ Filha de família se não casa/
Papai, mamãe, não dão nem um tostão
Família êh! Família ah!/ Família!/ Família êh! Família ah! Família!
Família, família /Vovô, vovó, sobrinha/ Família, família Janta junto todo dia/ Nunca perde essa mania/ Mas quando o neném fica doente (Uô! Uô!)/ Procura uma farmácia de plantão / O choro do neném é estridente (Uô! Uô!) /
Assim não dá pra ver televisão/ Família, família/ Cachorro, gato, galinha
Família, família / Vive junto todo dia / Nunca perde essa mania
A mãe morre de medo de barata (Uô! Uô!)/ O pai vive com medo de ladrão / Jogaram inseticida pela casa (Uô! Uô!)/ Botaram cadeado no portão”
(Titãs – Arnaldo Antunes / Toni Bellotto.)
Cada família é única. Cada qual com sua característica própria, sua dinâmica, seus desafios, suas dores e alegrias. Em cada ambiente cultural, étnico e social, cada família tem a sua própria identidade. Ainda não surgiu nenhuma outra estrutura social, mais efetiva e mais adequada, para o acolhimento do ser humano ao nascer, que a família – a “célula mater” da sociedade.
É nesse contexto inicial de acolhimento que as bases para o crescimento emocional, cognitivo e social da criança são estabelecidas. Os pais são os principais modelos de comportamento, fonte de apoio afetivo para os filhos, responsáveis por transmitir valores, ensinar habilidades e construir base segura para que as crianças possam explorar o mundo ao seu redor. É num ambiente de amorosidade e de pertencimento que a autoestima se fortalece. A família deveria ser sempre, idealmente, esse lugar de refúgio e consolo. Mas, nem sempre o é, porque, por exemplo, a violência, contra a criança e para com o adolescente, acontece entre as quatro paredes de um lar, em muitos casos; ou, porque pais e filhos estão sofrendo de ansiedade, em um mundo altamente gerador de estresse e insegurança, ou porque as crianças estão navegando vulneráveis em meio aos perigos das mídias na web.
As famílias – cada qual do seu jeito, mas todas, inevitavelmente, estão sofrendo o impacto dessa realidade sombria, neste tempo de inteligência artificial, desemprego em massa, conflitos armados que se multiplicam, deslocamentos de grandes massas migratórias de pessoas em busca de esperança, de mudanças rápidas, de carência de referenciais sólidos, de proliferação da drogadição, de conectividade intensa, de um mundo “eternamente” on-line. #incerteza.
A propósito da comemoração do Dia Internacional da Família – 15 de maio, resgato alguns elementos identificadores do perfil atual da família brasileira, obtidos através dos últimos dados coletados pelo IBGE. #pontosparareflexão:
1. A sociedade brasileira envelhece cada vez mais rápido
Os desafios são de ordem econômica, à medida que aumenta a população economicamente inativa, e social, tendo em vista as necessidades de cuidado de familiares idosos e o stress sobre os vínculos familiares potencialmente advindos de uma redução das gerações mais novas com o passar do tempo.
2. Redução significativa da proporção de casais com filhos e um correspondente aumento dos casais sem filhos
Reflexo de uma maior participação da mulher no mercado de trabalho, da redução das taxas de fecundidade e do envelhecimento da população, no período de 1995 a 2015, houve aumento na proporção dos casais sem filhos. Esse índice passou de 12,9% para 19,9%.
Embora os casais com filhos permaneçam como a forma predominante de composição familiar, sua participação caiu de 57,7% para 42,3% nas últimas duas décadas (IBGE, 2016).
3. Mulheres chefes de família e famílias monoparentais
Mantém-se estabilizado em aproximadamente 16% a partir de 2010.
4. O número de mulheres negras chefes de famílias monoparentais é proporcionalmente muito superior ao número de mulheres brancas na mesma condição. As mulheres negras encontram-se quase quatro vezes mais expostas à desafiante condição de chefes de família monoparentais e, portanto, mais sujeitas à pobreza e a dificuldades de equilíbrio entre o trabalho e a vida familiar.
5. A taxa de fecundidade no Brasil diminuiu de 6,28 para 1,87 em 50 anos (1960 a 2010). Em 2030 deve ser alcançado o patamar de 1,5.
6. O tamanho médio das famílias brasileiras diminuiu de 3,62 pessoas em 2008 para 3,07 em 2018.
7. O desejo por mais filhos diminui com o aumento da idade da mulher, caindo de 72,9%, entre as jovens de 15 a 19 anos, a 40,2% na faixa dos 25 a 29 anos e a 13% entre 35 e 39 anos.
8. O aumento da escolaridade é acompanhado por uma diminuição no número de filhos. Mulheres com mais de 8 anos de estudos têm, em média, metade do número de filhos das que têm até 3 anos de estudo.
9. No Brasil rural as mulheres têm mais filhos que na zona urbana. Em 1970 tinham, em média, três filhos a mais do que aquelas que viviam nas cidades. Trinta e dois anos mais tarde, a diferença se atenuou, mas permanece num valor de 1,3 filhos, em média, a mais nas áreas rurais.
10. Alta mortalidade proporcional decorrente de causas externas em grupos de faixas etárias de crianças e adolescentes:
Brasil |
Total |
Menos de |
1 a 4 anos |
5 a 9 anos |
10 a 14 anos |
15 a 19 anos |
|
15,4 |
2,2 |
22,6 |
48,2 |
56,3 |
72,2 |
Fonte: Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde, Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, Coordenação de Informações de Saúde, Sistema de Informações sobre Mortalidade. |
11. Aumento de lesões auto infligidas em crianças e adolescentes
Ano |
2015 |
2016 |
2017 |
2018 |
|
Crianças 0 a 9 anos |
0,8 |
1,1 |
2 |
1,1 |
|
Adolescentes 10 a 19 anos |
22 |
23,6 |
28,1 |
29,8 |
|
Fonte: Elaborado a partir do Boletim Epidemiológico nº 38 do Ministério da Saúde. Boletim Fatos e Números. Saúde Mental. Secretaria Nacional da Família. |
12. Evolução das taxas de mortalidade por suicídio
Nas comparações internacionais com mais 89 países, o Brasil ocupa a 43ª posição no ranking, com taxa de 0,7 suicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes de 10 a 14 anos de idade; a 51ª posição entre os adolescentes de 15 a 19 anos, e a 53ª no conjunto de 10 a 19 anos de idade. (Fonte: gov.br. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania).
Ano |
2011 |
2013 |
2015 |
2017 |
2019 |
5 a 14 anos |
0,33 |
0,39 |
0,45 |
0,62 |
0,67 |
15 a 19 anos |
3,64 |
3,83 |
4,17 |
5,2 |
6,36 |
20 a 39 anos |
6,73 |
6,75 |
6,81 |
7,34 |
8,19 |
40 a 59 anos |
7,09 |
7,6 |
7,78 |
8,35 |
8,43 |
60 + |
6,96 |
7,27 |
7,78 |
8,19 |
7,88 |
Fonte: Elaborado a partir do Boletim Epidemiológico nº 33 do Ministério da Saúde. Boletim Fatos e Números. Saúde Mental. Secretaria Nacional da Família. |
13. Aumento das taxas de homicídio
Tipo de incidente |
Faixa etária |
Depois do ECA 1991 – 2018 |
Taxa de Homicídio |
0 – 9 anos |
38,1% |
10 – 14 anos |
51,9% |
|
15 a 19 anos |
99,8% |
|
0 a 19 anos |
127,0% |
|
Taxa de Homicídio |
0 – 9 anos |
6,1% |
10 – 14 anos |
126,4% |
|
15 a 19 anos |
186,7% |
|
0 a 19 anos |
228,6% |
|
Taxa de Homicídio por Outros Meios que não a Arma de Fogo |
0 – 9 anos |
51,5% |
10 – 14 anos |
-20,9% |
|
15 a 19 anos |
-9,5% |
|
0 a 19 anos |
8,4% |
|
Fonte: Atlas da Violência 2020. IBGE/Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Gerência de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica e MS/SVS/CGIAE Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM |
14. Mais da metade dos brasileiros de 25 anos ou mais ainda não concluiu o ciclo básico de aprendizagem do ensino médio. 52,6% dos brasileiros nesta faixa etária não concluíram o mínimo esperado de estudo.
Há muito para refletir nesta data.
Relator:
Fernando MF Oliveira
Coordenador do Blog Pediatra Orienta da SPSP