Episódio 13: A sabedoria dos avós está em estar disponível para os filhos e, ao mesmo tempo, não ser invasivo.
A expressão que dá título a este artigo tem paralelo com a ideia de que todo dia na casa da avó é domingo. Ou segue a linha de que avós são destinados a satisfazer os desejos dos netos e dar-lhes amor infinito, sempre. Casa dos avós é onde as crianças podem fazer o que em suas casas não lhes é permitido por seus pais. Casa dos avós é casa da alegria, do prazer, do doce, do sim para tudo. Estas percepções se enquadram em outro estereótipo: pais educam, avós desfrutam da companhia dos netos e dão carinho. “Mãe educa, avó estraga”. Este modelo de entendimento não é mais compatível com o mundo de hoje.
Avós não devem competir pelo amor dos netos com os pais deles, ou seja, com os seus filhos. Nos dias atuais, o papel dos avós assume importância mais destacada para dar suporte e educação aos netos. Não é infrequente que a casa dos avós seja uma instância necessária para a permanência dos netos para que os pais das crianças possam trabalhar. Muitas vezes, os avós também trabalham e se desdobram para exercer o duplo papel.
Não deve haver conflito entre as orientações recebidas na casa dos netos com aquilo que os avós permitem e fazem com as crianças em suas casas, caso contrário acaba sendo uma educação sabotadora. O importante é um diálogo entre pais e avós que levem a um consenso. Vale este lembrete para os avós: “O excesso de crítica é tão prejudicial quanto à omissão absoluta”. Vale este outro lembrete para os filhos: “Avós não são babás-substitutas-amorosas, que têm a obrigação de estarem em eterno plantão de sobreaviso para um chamado a qualquer hora”.
Não existe na língua portuguesa (em outras línguas também não) palavra que expresse a “ação”, a “funcionalidade” que os avós desempenham. Para a mãe dizemos que no exercício de cuidar e educar os filhos ela exerce a “maternagem”. Para os pais, na atividade equivalente, dizemos que é a “paternagem”. Fica o vazio linguístico para definir o “papel” dos avós no cuidado dos filhos dos filhos. Será que esta função está clara? Esta resposta tem que ser buscada em cada família e em cada sociedade ao longo do tempo. Avós devem lembrar que seus filhos estão desenvolvendo a arte de serem mães e pais. É uma questão de tentativa e erro, muitas vezes. Filhos esperam encontrar em seus pais o apoio para esse desenvolvimento.
A sabedoria dos avós está em estar disponível para os filhos e, ao mesmo tempo, não ser invasivo. Pergunta correta destes, endereçada aos filhos, deveria ser: “Precisam de ajuda?”, substituindo frases do tipo: “Deixa que eu faço”, “Não é assim”, “Tá tudo errado”.
Nessa mistura de gerações várias “culturas” diferentes podem estar envolvidas: a cultura da casa do avô, a cultura da casa da avó, a cultura desenvolvida na casa dos pais, a cultura da casa do marido da filha, a cultura da casa da mulher do filho. É um campo para o exercício da tolerância. Há muita riqueza nesse intercâmbio de saberes e conhecimentos intergeracionais. O fenômeno do convívio de várias gerações em um mesmo momento de vida dos diversos personagens, nos dias atuais, é inusitado para a história da civilização. O aumento da longevidade tem proporcionado, cada vez mais, que em família haja o encontro entre avós, pais, netos, bisnetos e até tataranetos. O relacionamento e os papéis dos mais velhos nessa mistura irão variar com o tempo e para cada sociedade.
Esta seção “A Vovó dizia” traz o mote da experiência vivencial do idoso como um referencial para reflexão. Cada geração dará ao idoso espaço proporcional ao respeito e a importância que os mais jovens lhes derem. A “passagem do bastão cultural” de uma geração para a outra sempre existirá. É assim que o velho se faz novo.
Lembremos então, nesses dias em que comemoramos o Dia da Avó (26 de julho) e o Dia dos Avós (27 de julho), que: “Nossos filhos e os filhos de nossos filhos sempre nos brindam com a possibilidade de passar a limpo o relacionamento que tivemos com nossos pais e nossos filhos”.
Recomendo a leitura desse livro: Livro dos Avós. Na casa dos avós é sempre domingo? Lídia R. Aratangy e Leonardo Posternak. São Paulo: Artemeios, 2005.
Relator:
Fernando MF Oliveira
Coordenador do Blog Pediatra Orienta da Sociedade de Pediatria de São Paulo
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