Relatores
Dr. Thomaz Bittencourt Couto
Médico Preceptor do Pronto Socorro do Instituto da Criança do HCFMUSP e membro covidado do Departamento Científico de Emergências da SPSP
Dra. Amélia Gorete Reis
Doutora em Pediatria pela Faculdade de Medicina da USP, Médica assistente do Pronto Socorro do Instituto da Criança do HCFMUSP e membro do Departamento Científico de Emergências da SPSP.
A ressuscitação cardiopulmonar (RCP) está indicada na parada cardiorrespiratória (PCR) e na bradicardia com hipoperfusão. O diagnóstico da PCR é feito com a presença de inconsciência, ausência de pulsos em grandes artérias e apnéia ou respiração agônica (“gasping”). Na monitorização cardíaca, durante a PCR, observa-se um dos quatro seguintes ritmos: assistolia, atividade elétrica sem pulso (AESP), fibrilação ventricular (FV) ou taquicardia ventricular sem pulso (TV s/pulso). Na suspeita de PCR, as manobras de ressuscitação devem ser iniciadas a fim de manter algum fluxo de sangue oxigenado aos órgãos vitais. A RCP no paciente pediátrico também está indicada na bradicardia com hipoperfusão, ou seja, pulso central palpável numa frequência abaixo de 60 batimentos por minuto com inconsciência e apneia ou respiração agônica.
A epidemiologia da PCR da criança é diferente daquela do adulto. Em adultos, na maioria das vezes é um evento súbito de origem cardíaca com predomínio do ritmo em FV. Já nas crianças a PCR é tipicamente o resultado final da deterioração progressiva das funções respiratória e/ou circulatória, sendo o assistolia e a AESP os ritmos mais frequentes.
As diretrizes de RCP são revisadas pelo ILCOR (Aliança Internacional dos Comitês de Ressuscitação) a cada 5 anos, sendo que as últimas diretrizes 2010 foram publicadas nas revistas científicas Circulation e Resuscitation.
RESSUSCITAÇÃO BÁSICA OU SUPORTE BÁSICO DE VIDA (SBV)
Dados científicos indicam que a sequência completa do SBV deve ser:
- Checar a responsividade e a respiração
- Chamar por socorro e obter desfibrilador externo automático
- Checar o pulso
- Aplicar 30 compressões cardíacas no adolescente ou 15 na criança
- Abrir via aérea e prover duas respirações
- Retomar as compressões cardíacas.
A principal mudança no SBV foi a mudança da sequência ABC (abrir via aérea, ventilação, compressão cardíaca) da ressuscitação para CAB. A razão para esta mudança reside nas evidências de que embora a ventilação seja importante, as compressões cardíacas são elemento crítico na RCP, não podendo ser postergadas. Compressões devem ser iniciadas em 10 segundos do reconhecimento da parada cardíaca a uma taxa de 100 por minuto. No adolescente deve-se comprimir o tórax pelo menos 5 cm, e, na criança pelo menos 1/3 do diâmetro ântero-posterior. Compressões torácicas profundas e rápidas são necessárias para perfundir as artérias coronárias e cerebrais.
Foi retirada a avaliação da respiração baseada no “ver ouvir e sentir”. Atualmente, recomenda-se checar a respiração no momento inicial em que se testa a responsividade e realizar duas ventilações após as primeiras compressões.
Faz parte do SBV o uso do DEA (desfibrilador externo automático) tão logo esteja disponível.
RESSUSCITAÇÃO AVANÇADA OU SUPORTE AVANÇADO DE VIDA (SAV)
Não houve grandes mudanças nos pontos chaves na RCP realizada em ambiente hospitalar nas diretrizes atuais. As manobras no SAV são realizadas de forma simultânea, isto é, assim que a parada cardíaca é detectada, um profissional inicia imediatamente as compressões torácicas enquanto os outros se preparam para as outras condutas. A alta qualidade da RCP, em especial das compressões torácicas, é exigência fundamental para a recuperação.
Ventilação
Enquanto no SBV é realizada a respiração boca-a-boca ou boca-boca/nariz, no SAV a ventilação com bolsa-valva-máscara é a técnica de respiração inicial até que a intubação traqueal seja realizada. As diretrizes 2010 recomendam que, independentemente da técnica, cada ventilação não deve ultrapassar 1 segundo, o volume de ar deve ser apenas o suficiente para elevar o tórax, deve-se evitar respiração forçada e prolongada.
Se o paciente não está com intubação traqueal são realizadas 2 ventilações a cada 15 compressões cardíacas na criança e 30 no adulto. Se o paciente tem via aérea avançada, a compressão e a ventilação são realizadas de forma sem sincronia, ou seja, a cada minuto devem ser realizadas 100 compressões e 8 a 10 ventilações.
A intubação traqueal deve ser realizada prontamente nos casos de PCR e bradicardia com hipoperfusão, desde que não atrapalhe a compressão cardíaca. Quando tubos com cuff são usados, a pressão de insuflação deve ser monitorada e mantida em menos de 20 a 25 cm H2O. O diâmetro interno estimado em mm da cânula traqueal, sem cuff, para menores de 1 ano é 3,5mm, de uma a dois anos, 4 mm e acima de 2 anos (idade em anos/4) + 4. Tubos com cuff são, em geral, 0,5 mm menores.
Embora os estudos com o uso da máscara laríngea em situações de emergência sejam escassos, o seu emprego é aceitável quando a ventilação com bolsa-valva-máscara não é eficaz e a intubação não é possível.
Não há evidências para recomendar o uso rotineiro da pressão cricóide durante a ventilação e ou intubação traqueal não é mais recomendada de rotina, essa manobra deve ser suspensa se atrapalhar tais procedimentos. Estudos demonstram que a pressão cricóide não evita a aspiração e é uma manobra difícil de ser realizada corretamente.
Acesso vascular
Não houve mudança nas diretrizes atuais com relação ao acesso venoso. O uso precoce da via intra-óssea quando não se obtém acesso venoso periférico imediato continua enfatizado. A punção da veia femoral é também uma alternativa valiosa durante a RCP. Drogas administradas pelo tubo traqueal somente devem ser consideradas na ausência de outro acesso. Passagem de cateter venoso central, durante a RCP pediátrica, não se recomenda, já que consome tempo e atrapalha a execução das outras manobras.
Farmacoterapia
A tabela a seguir resume as principais drogas usadas na RCP pediátrica.
Terapia elétrica: desfibrilação
A desfibrilação é a despolarização assíncrona de uma massa crítica de células miocárdicas; está indicada Trata-se de administrar choque no tórax do paciente com um desfibrilador.
Os desfibriladores podem ser manuais e acoplados ao monitor cardíaco ou automáticos para uso fora do hospital (DEA). Podem ser monofásicos ou bifásicos de acordo com o formato de onda da descarga elétrica. Abaixo estão descritos os passos necessários na desfibrilação manual.
A escolha do tamanho das pás ou eletrodos auto-adesivos é baseada na idade e ou peso da criança. Pás de adultos (8 a 12 cm de diâmetro) em geral, são adequadas para crianças acima de 10 kg ou 1 ano, abaixo deste peso devem ser usadas pás infantis. É desejável que haja uma distância entre as pás de cerca de 3cm As pás nunca devem ser aplicadas diretamente na pele, pasta ou gel condutores são essenciais para propiciar a condução. Habitualmente as pás devem ser colocadas firmemente sobre o tórax, uma do lado superior direito do mamilo direito e outra à esquerda inferior do mamilo esquerdo, embora outras posições possam ser igualmente efetivas. O direcionamento indicado nas pás deve ser seguido.
A quantidade de energia (carga) a ser utilizada em crianças não está bem estabelecida, as diretrizes científicas de 2010 demonstraram que 2 a 4 J/kg como dose inicial e cargas maiores nos choques subseqüentes são benéficas. A “American Heart Association” recomenda: 2 a 4 J/kg no primeiro choque, 4 J/kg no segundo e mais de 4 nos subsequantes. Após cada choque se reiniciam imediatamente as compressões torácicas, e, após 2 minutos de RCP é que se observa o a mudança ou não do ritmo no monitor. Na FV ou TV s/pulso, a epinefrina deve ser administrada tão logo o acesso venoso esteja disponível, e, repetida cada 3 a 5 minutos. Todavia o uso de antiarrítmicos, amiodarona, ou lidocaína como alternativa, também é essencial. Assim sendo, durante um ciclo de 2 minutos de RCP se infunde epinefrina, no seguinte amiodarona e assim sucessivamente.
Monitorização da qualidade da RCP
A parada cardíaca pediátrica hospitalar ocorre mais frequentemente dentro da unidade de cuidados intensivos, muitos pacientes podem estar sob monitorização invasiva instalada previamente. Nesses, o formato da onda obtida com cateter arterial deve guiar a qualidade das compressões, amplitude maior é obtida adequando o local e profundidade das compressões. A observação da onda arterial também contribui para o reconhecimento do retorno da circulação espontânea.
A monitorização do CO2 exalado, através de capnometria ou capnografia, durante a RCP é preconizado nas diretrizes 2010. Observação do CO2 exalado confirma o sucesso da intubação traqueal e pode guiar a terapia farmacológica e efetividade das compressões torácicas.
Valores de CO2 exalado < 10 a 15 mmHg indicam que a qualidade das compressões deve ser melhorada. Por outro lado, aumento abrupto e sustentado nos valores de CO2 exalado pode prever retorno da circulação espontânea.
O quadro a seguir resume as ações essenciais durante a RCP.
Droga | Farmacologia | Indicações | Dose | Observação |
Epinefrina | Catecolamina endógena com ação estimulante nos receptores α e β; a ação α é a mais importante durante a parada cardíaca (causa vasoconstrição e restaura pressão diastólica na aorta → melhor perfusão miocárdica) | Primeira droga indicada na RCP independentemente do ritmo cardíaco, inclusive na bradicardia com hipoperfusão | 0,01 mg/kg → 0,1 ml/kg da epinefrina 1:10.000 (diluição de 1ml de epinefrina pura,1:1.000, em 9 ml de água destilada ou solução fisiológica) Adolescentes e adultos a dose é 1mg/dose da epinefrina 1:1.000. | Inativada em solução alcalina, não deve ser administrada com bicarbonato de sódio |
Atropina | Parassimpaticolítica que acelera o nó sinusal e aumenta a condução atrioventricular. | Bradicardia associada a hipotensão ou hipoperfusão, (epinefrina é mais efetiva), bradicardia associada a bloqueio atrioventricular, estímulo vagal e intoxicações por organofosforados | 0,02 mg/kg/dose IV e IO, e, 2 a 3 vezes maior no tubo traqueal. A dose mínima é 0,1 mg, já que doses menores produzem bradicardia devido a efeito central. A dose máxima é 0,5 mg na criança e 1,0 mg nos adolescentes. | A mesma dose pode ser repetida após 5 minutos. |
Vasopressina | Hormônio que produz aumento do fluxo sangüíneo cardíaco e cerebral em modelos experimentais de parada cardíaca. Estudos em adultos sugeriram que a epinefrina mais vasopressina foi associada com maior sobrevivência em 24 horas | Não há dados para avaliar sua eficácia e segurança em crianças e lactentes até o momento | 40 U para adultos e adolescentes IV ou IO | Na parada cardíaca do adolescente e adulto pode ser administrada substituindo a primeira ou segunda dose da epinefrina. |
Bicarbonato de sódio | Aumenta bicarbonato plasmático, age como tampão para excesso de íon hidrogênio, aumenta pH e reverte manifestações clínicas de acidose | Uso rotineiro não recomendado. Indicado em determinadas situações de parada cardíaca, como hiperpotassemia e intoxicações | 1mEq/kg/dose, podem ser repetidas de acordo com cada caso. | Administrar após a ventilação adequada para possibilitar a eliminação de gás carbônico. |
Cálcio | Eletrólito importante na contração da fibra miocárdica | Uso rotineiro não recomendado, podendo ser prejudicial. Indicado na suspeita ou comprovação de hipocalcemia, hiperpotassemia, hipermagnesemia e intoxicação por bloqueadores de canais de cálcio | Dose de 5 a 7 mg/kg de cálcio elementar equivale a 0,5 a 0,75 ml/kg de gluconato da cálcio a 10% (1 ml = 9 mg) | Cloreto de cálcio resulta em aumento mais significativo do cálcio inonizado, o gluconato causa menos irritação em veia periférica |
Glicose | Essencial no processo de formação de ATP | A concentração sanguínea de glicose deve ser monitorada à beira do leito durante a RCP | 0,5 a 1,0g/kg de glicose | Não é aconselhável administrar glicose indiscriminadamente, pois hiperglicemia transitória pode resultar em aumento da osmolaridade e dano neurológico |
Amiodarona | Inibidor não competitivo de receptores alfa e beta adrenérgicos e secundariamente a esse bloqueio simpatomimético, produz vasodilatação, supressão do nó AV e prolongamento do intervalo QT. A amiodarona também inibe os canais de cálcio reduzindo a condução ventricular e prolongando a duração do QRS | Antiarrítmico lipossolúvel utilizado na RCP para reverter a fibrilação ventricular e taquicardia ventricular sem pulso. | 5 mg/kg em bolo (máximo de 300mg), sendo que a mesma dose pode ser repetida até total de 15 mg/kg | Uso em associação com procainamida não é aconselhável. |
Lidocaína | Diminui automaticidade e suprime arritmias ventriculares | Alternativa à amiodarona nas situações de fibrilação ventricular e taquicardia ventricular sem pulso | 1mg/kg/dose quando indicada na RCP | |
Magnésio | Inibe captação de cálcio, causando relaxamento do músculo liso. Exerce ação anti-arritmica. | presença de hipomagnesemia ou “torsades de pointes” | 25-50mg/kg (máximo 2g) | O uso indiscriminado em outras situações de parada cardíaca não é recomendado |
IV: intravenosa IO: intra-óssea |
Referências:
- Part 13: Pediatric Basic Life Support: 2010 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Berg MD, Schexnayder SM, Chameides L, et al. Circulation. 2010 Nov 2;122(18 Suppl 3):S862-75.
- Part 14: Pediatric Advanced Life Support: 2010 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Kleinman ME, Chameides L, Schexnayder SM, et al. Circulation. 2010 Nov 2;122(18 Suppl 3):S876-908.
- European Resuscitation Council Guidelines for Resuscitation 2010 Section 6. Paediatric life support. Biarent D, Bingham R, Eich C, López-Herce J, et al. Resuscitation. 2010 Oct;81(10):1364-88.
- Part 10: Pediatric Basic and Advanced Life Support: 2010 International Consensus on Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care Science With Treatment Recommendations. Kleinman ME, de Caen AR, Chameides L, et al. Circulation. 2010 Oct 19;122(16 Suppl 2):S466-515.
Texto divulgado em 30/05/2011