Relatores:
Alexandre Massashi Hirata
Membro do Núcleo de Estudos da Violência e dos Departamentos Científicos de Segurança e de Adolescência da SPSP – gestão 2010-2013; Colaborador da Disciplina de Hebiatria do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP.
Théo Lerner
Membro do Núcleo de Estudos de Violência da SPSP – gestão 2010-2013; Colaborador do Programa de Atenção à Violência Sexual da Faculdade de Saúde Pública da USP e do Ambulatório de Sexualidade da Clínica Ginecológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, SP.
Sociedade de Pediatria de São Paulo 8/10/2010.
Introdução
O abuso sexual pode ser definido como “todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual cujo agressor está em estágio de desenvolvimento mais adiantado que a criança ou o adolescente. Tem por intenção estimular sexualmente a criança ou o adolescente ou utilizá-los para obter satisfação sexual pelo uso da violência física, de ameaças e da indução de sua vontade.” (Minayo) Trata-se de uma relação cujo objetivo é satisfazer unilateralmente o abusador.
É um fenômeno universal que atinge, indistintamente, todas as classes sociais, etnias, religiões e culturas.
Dada sua elevada incidência e prevalência, suas conseqüências a curto e longo prazo, e as implicações sociais e jurídico-legais, a violência sexual pode ser considerada um complexo problema de saúde pública.
A violência sexual ocorre principalmente no ambiente intrafamiliar. Estudo multicêntrico, organizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou que 1 a 21% das mulheres relataram terem sido vítimas de violência sexual antes dos 15 anos de idade sendo na grande maioria por membros da família.
A real incidência da violência sexual é desconhecida, dada a baixa notificação em todo o mundo. Nos Estados Unidos, calcula-se que apenas 16% dos estupros são comunicados às autoridades. No Brasil, estima-se que somente 10% dos casos chegam às delegacias.
A violência sexual na sua grande maioria dos casos ocorre de maneira crônica e gradual, dentro da casa da vítima, sendo raras as evidências físicas. As consequências deste tipo de violência são múltiplas e variadas. Depressão, sentimentos de culpa, comportamento autodestrutivo, ansiedade, isolamento, estigmatização, baixa autoestima, tendência à revitimização, abuso de substâncias, queixas somaticas, agressão, problemas escolares, transtornos pós-traumático, comportamentos regressivos como enurese e encoprese, distúrbios do sono, comportamentos compulsivos, fuga de casa e ideação suicida são sintomas que podem aparecer na infância e adolescência e estender-se pela vida adulta.
Aspectos legais
- Estupro – Código Penal – Lei 12.015 de 7/08/2009 Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal (penetração pênis-vagina) ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso (cópula anal, vulvar, oral ou entre as coxas; sexo oral na genitália feminina ou masculina; beijos e sucções nas mamas, coxas ou outras regiões de conotação sexual; masturbação e manipulações eróticas de todos os tipos) (Art. 213).
- Estupro de vulnerável – Código penal – Lei 12.015 de 7/08/2009
Manter atividade sexual com menor de 14 anos (art. XXX) - Pornografia Infantil – ECA – Lei nº 8.069/90, com as alterações introduzidas pela Lei nº 11.829 de 25/11/2008
- Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente (Art. 240);
- Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente (Art. 241);
- Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente (Art. 241-A);
- Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente (Art. 241-B);
- Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica, por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual (Art. 241-C);
- Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso (Art. 241-D);
- A expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais (Art. 241-E).
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no. 8.069, de 13/07/)
- Artigo 13 – Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.
- Artigo 131 – O Conselho Tutelar é um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo comprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos pelo ECA.
- Artigo 245 – Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente.
- Pena – multa de 3 a 20 salários de referência, aplicando-se o dobro em casos de reincidência.
Notificação: Um Dever de Todos
A notificação das situações de violência sexual, tanto suspeitas como confirmadas é de suma importância, pois é por meio desta que a violência ganha visibilidade, permitindo o dimensionamento do problema e a criação de políticas públicas voltadas à sua prevenção. Não existem estatísticas oficiais sobre a violência praticada contra crianças e adolescentes, acreditando-se ser uma das condições de maior subnotificação e subregistro no mundo.
É fundamental que os casos sejam atendidos e discutidos em uma equipe multidisciplinar e que todas as denúncias e notificações sejam realizadas de forma institucional.
A notificação é obrigatória, mesmo em casos só suspeitos ou leves. Não se visa a punição e sim proteger a vítima e a sua família. Devem ser diferenciadas as notificações aos serviços de vigilância epidemiológica, destinadas a quantificar o problema na população, das notificações às autoridades e órgãos responsáveis pela proteção dos direitos da criança. Quanto mais específicas forem as informações prestadas pelo notificador, maior a possibilidade do órgão notificado agir de maneira eficiente em prol dos interesses da criança.
O Núcleo de Estudos da Violência Contra Crianças e Adolescentes da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) recomenda o fluxograma de atendimento e notificação como um roteiro a ser seguido pelos profissionais de saúde.
Disque Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes – 100
É um serviço de discagem direta e gratuita para todos os estados brasileiros e tem como objetivo acolher denúncias de violências contra crianças e adolescentes, buscando interromper a situação revelada. Outro tipo de denúncia acolhida é a de crime de tráfico de pessoas, independente da idade da vítima. Recebe também informações acerca do paradeiro de crianças e adolescentes desaparecidos e orienta os usuários em como proceder para denunciar desaparecimentos.
O Serviço 100 funciona diariamente de 8h00 às 22h00, inclusive finais de semana e feriados. As denúncias recebidas são analisadas e encaminhadas aos órgãos de defesa e responsabilização, conforme competências e atribuições específicas, num prazo de 24 horas, mantendo o sigilo a identidade do denunciante.
Disque Denúncia da Secretaria de Segurança Pública do Estado de S.Paulo – 181
O Disque Denúncia é uma central telefônica para onde qualquer pessoa poderá ligar e fornecer informações sobre crimes e problemas de segurança pública. A denúncia possui garantia de sigilo absoluto e anonimato, e o denunciante poderá acompanhar as providências adotadas e os resultados obtidos pelas Polícias Civil e Militar a partir de senha recebida após a denúncia.
As ligações são gratuitas e o serviço funciona 24 horas por dia, inclusive nos feriados.
Referências Bibliográficas:
- Aded NLO, Dalcin BLGS, Moraes TM, Cavalcanti MT. Abuso sexual em crianças e adolescente: revisão de 100 anos de literatura. Rev Psiq Clin. 2006; 33(4): 204-213.
- Godoy MCO. Abuso sexual en la infancia y adolescencia. Pediatria. 2005; 32(2): 25-29.
- MINISTÉRIO DA SAÚDE. Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes: Norma Técnica. 2ª edição. Brasília: ministério da Saúde; 2005.
- PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009.
- SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Disque Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes – 100.
- United Nations General Assembly. Report of the independent expert for the United Nations study on violence against children. 2006. 34p.
Texto recebido em 30/09/2010 e divulgado no portal da SPSP em 8/10/2010.