Antonio Carlos Pastorino *
A asma tem sido considerada uma das doenças inflamatórias crônicas mais freqüentes e cuja prevalência apresentou aumento acentuado nos últimos anos em todo o mundo, especialmente na faixa etária pediátrica.
Baseado no estudo internacional sobre a prevalência de alergias – ISAAC, a prevalência de sintomas de asma tem variado entre 0 a 30% em várias regiões do mundo1. Nos Estados Unidos os últimos dados de prevalência de asma estimam que 22 milhões de pessoas sejam afetadas, sendo 6 milhões de crianças. O número de óbitos nos EUA vem diminuindo, mas as taxas de hospitalização têm permanecido estáveis na última década, com as maiores taxas entre as crianças de 0 a 4 anos de idade2.
Os dados obtidos pelo Sistema de Informações Hospitalares do SUS (DATA-SUS) mostram que 17,7% de todas as internações por causas respiratórias são devidas à asma. Por outro lado ocorreu uma ligeira queda no número de internações por ano decorrentes de asma no Brasil entre 2004 (329.182 casos) e 2006 (272.712 casos) com cerca de 50% das internações em menores de 10 anos. Quanto às taxas de mortalidade por asma, os dados apontam média de 0,24% de óbitos entre 2003 e 2005 somando-se todas as faixas etárias3.
No Brasil, o estudo ISAAC mostrou prevalência variável da asma conforme a região pesquisada tanto entre escolares de 6-7 anos e 13-14 anos, com percentagens que atingem valores comparáveis às de países de alta prevalência4. Na Fase III deste estudo no Brasil, desenvolvido entre 2002 e 2003, pesquisadores brasileiros encontraram prevalências médias de asma no último ano de 24,3% entre escolares de 6 -7 anos e de 19% entre adolescentes de 13-14anos4.
Os consensos atuais têm evidenciado que o processo inflamatório é fundamental na fisiopatologia da asma, mas que pode ser variável, indicando diferenças fenotípicas que podem influenciar as respostas terapêuticas. Outro aspecto relevante é a interação entre a genética do indivíduo com o ambiente onde vive para o desenvolvimento da asma, incluindo os alérgenos e vírus como importantes fatores neste desencadeamento. O último aspecto que os consensos têm demonstrado é que apesar de todos os esforços e melhorias no tratamento anti-inflamatório da asma, a progressão do processo inflamatório e suas conseqüências, especialmente o remodelamento das vias aéreas, não parece ser prevenido totalmente2.
O diagnóstico de asma é essencialmente clínico. A presença de episódios de falta de ar, chiado e sensação de aperto no peito são os sintomas mais comuns. O aparecimento destes sintomas pode apresentar uma variabilidade temporal dependente da idade, gravidade e do tratamento em uso. A história de atopia familiar e/ou pessoal como dermatite atópica e rinite alérgica auxiliam no diagnóstico de asma.
Algumas perguntas chaves foram propostas pela IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo da Asma e o Consenso Mundial (GINA)1,5 que devem ser consideradas para o diagnóstico de asma. São elas:
- Tem ou teve episódios recorrentes de falta de ar (dispnéia)?
- Tem ou teve crises ou episódios recorrentes de chiado no peito (sibilância)?
- Tem tosse persistente, particularmente à noite ou ao acordar?
- Acorda por tosse ou falta de ar?
- Tem tosse, sibilância ou aperto no peito após atividade física?
- Apresenta tosse, sibilância ou aperto no peito após exposição a alérgenos como mofo, poeira domiciliar ou animais, irritantes como fumaça de cigarro ou perfumes, ou após resfriados ou alterações emocionais como riso ou choro?
- Usa alguma medicação quando os sintomas ocorrem, e com que freqüência? Há alívio dos sintomas após o uso de medicação?
- Tem antecedentes familiares de doenças alérgicas ou asma? Tem ou teve sintomas de doenças alérgicas (especialmente rinite ou dermatite atópica)?
A maneira mais adequada de diagnosticar a limitação do fluxo respiratório e a sua reversibilidade com o uso de broncodilatores é a realização das medidas de função pulmonar, que também é utilizada para a classificação e monitorização do controle da asma. A hiperresponsividade pulmonar pode ser identificada indiretamente pelas medidas de função pulmonar, especialmente quando são utilizados os testes de provocação com metacolina ou histamina. A medida do pico de fluxo expiratório (PFE), também pode ser usada para avaliar a presença da asma e a eficácia do tratamento.
O diagnóstico de alergia pode ser suspeito desde a anamnese com a presença de antecedentes familiares e pessoais de alergia e confirmado com a determinação da IgE específica tanto por provas in vivo (testes cutâneos) ou in vitro (dosagem sérica de IgE). Os testes cutâneos representam a principal ferramenta para avaliar o estado alérgico, sendo um teste rápido, relativamente barato e pode ser feito ambulatorialmente, mas deve ser realizado por um profissional treinado, pois além de apresentar riscos de reações adversas graves pode induzir a resultados falsos negativos ou positivos se não for adequadamente realizado ou com extratos padronizados.
A medida da IgE sérica específica (RAST, CAP) é mais onerosa e pode ser realizada em pacientes impossibilitados de fazer os testes cutâneos ou como complementação destes.
Os alérgenos mais importantes no nosso meio são os inalantes, destacando-se os ácaros das espécies Dermatophagoides pteronyssinus e Blomia tropicalis, além das baratas, epitélios de animais (cão e gato) e em algumas regiões dos polens2,5.
A asma pode ser classificada baseada na sua etiologia, gravidade ou no padrão de limitação do fluxo aéreo. Nos consensos atuais a classificação utilizada baseia-se na gravidade e também no estado de controle, considerando-se os sintomas, doses de uso de broncodilatador de curta duração e comprometimento da função pulmonar. O quadro clínico associado ao grau de limitação do fluxo aéreo e sua variabilidade permitem dividir a da asma em quatro categorias: intermitente, persistente leve, persistente moderada e persistente grave (Quadro 1). O maior objetivo no tratamento da asma é a obtenção e manutenção do controle dos sintomas.
O controle do paciente deverá ser avaliado a cada nova consulta e pelo menos após 3 meses da manutenção do regime terapêutico inicial. A cada 3 meses e de acordo com o nível de controle o tratamento poderá ser ampliado, mantido ou até mesmo reduzido (Quadro 2 e 3).
Quadro 1 – CLASSIFICAÇÃO DA GRAVIDADE DA ASMA*
PARÂMETRO | INTERMITENTE | PERSISTENTE LEVE | PERSISTENTE MODERADA | PERSISTENTE GRAVE |
Sintomas | Raros | Semanais | Diários | Diários ou contínuos |
Limitação de atividades | Nenhuma | Presente nas crises | Presente nas crises | Contínua |
Crises** | Raras | Afeta atividades e o sono |
Afeta atividades e o sono |
Freqüentes |
Despertares noturnos& | Raros | Mensais | Semanais | Quase diários |
Broncodilatador para alívio | Raro | Eventual | Diário | Diário |
PFE ou VEF1 previsto | >80% | >80% | 60-80% | <60% |
Variação VEF1 ou PFE | <20% | < 20-30% | > 30% | >30% |
* Classificar os pacientes sempre pela manifestação de maior gravidade
** Paciente com crises infreqüentes, mas que coloque a vida em risco, devem ser classificados como persistente moderados
& Despertar noturno com chiado ou tosse é um sintoma grave
PFE – Pico de fluxo expiratório; VEF1 – volume expiratório forçado no primeiro segundo
Quadro 2 – NÍVEIS DE CONTROLE DO PACIENTE COM ASMA1,5
PARÂMETRO | Controlado | Parcialmente controlado (pelo menos 1 em qualquer semana) |
Não Controlado |
Sintomas diurnos | Nenhum ou mínimo |
2 ou mais/semana | 3 ou mais parâmetros presentes em qualquer semana |
Despertares noturnos |
Nenhum | pelo menos 1 | |
Necessidade de medicamentos de resgate | Nenhuma | 2 ou mais/semana | |
Limitação de atividades | Nenhuma | Presente em qualquer momento | |
PFE ou VEF1 | Normal ou próximo do normal | < 80% predito ou do melhor individual, se conhecido. | |
Exacerbação | Nenhuma | 1 ou mais por ano | 1 em qualquer semana |
PFE – Pico de fluxo expiratório; VEF1 – volume expiratório forçado no primeiro segundo
Quadro 3 – ESQUEMA DE TRATAMENTO BASEADO NO ESTADO DE CONTROLE1,5
ESTADO DE CONTROLE | CONDUTA |
Controlado | Manter o paciente na mais baixa etapa de controle |
Parcialmente controlado | Considerar aumento na etapa de controle |
Não controlado | Aumentar a etapa até a obtenção do controle |
Exacerbação | Condutas apropriadas para a ocorrência |
Referências bibliográficas:
- Global initiative for Asthma (GINA) [homepage on the Internet]. [update Sep 2006; cited 2006 Sep 27]. Bethesda: NHLBI/WHO; 2006. Disponivel em : http://www.ginasthma.org
- NHIS. National health interview survey (NHIS 2005). Hyattsville, MD: National Center for Health Statistics (NCHS), Centers for Disease Control and Prevention; 2005. Disponível em: http://www.cdc.gov/nchs/about/major/nhis/reports_2005.htm
- Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), 2007. Disponível em: http://w3.datasus.gov.br/datasus/
- Solé D, Wandalsen GF, Camelo-Nunes IC, Naspitz CK and the ISAAC – Brazilian Group. Prevalence of symptoms of asthma, rhinitis, and atopic eczema among Brazilian children and adolescents identified by the International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) – Phase 3.
J Pediatr (Rio J) 2006;82:341-6. - IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo da Asma. J Bras Pneumol 2006;32(Supl 7):S447-74.
* Dr. Antonio Carlos Pastorino
Presidente do Departamento de Alergia e Imunologia da SPSP – gestão 2007-2009; Pediatra Doutor em Medicina do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, SP.