Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto divulgado em 23/03/2022
Nestes tempos de intensa e veloz comunicação online, em que o mundo se tornou uma verdadeira “aldeia global”, concretizando a profecia feita antes por Marshall MaCluhan, somos massacrados constantemente por notícias e imagens de tragédias naturais e por aquelas provocadas pela espécie humana: guerras, crimes, atos terroristas, etc.
A mídia, no intuito de aprofundar o senso de tragédia ou de inconformismo, ressalta os números e as cenas em que as crianças são vítimas.
Choca. Dói na alma. Atiça a raiva. Aumenta o lamento. E também mobiliza as melhores qualidades humanas: compaixão, solidariedade, altruísmo, amor…e outras.
Por que as notícias sobre o sofrimento e mortes de crianças têm esse poder enorme de tocar o mais profundo dos nossos corações?
Muito já se disse e muito ainda se pode dizer. Acrescento, abaixo, alguns argumentos:
- Porque temos a necessidade de lamentar o nosso novo fracasso como espécie, uma vez, que cada criança que se perde é a possibilidade criativa do novo e a esperança de transformações, que se perdeu;
- Porque geramos filhos para a vida e não para a morte prematura ou sem sentido (qual o sentido da morte? Deixo para cada um a busca por essa resposta);
- Porque criamos filhos para a alegria e desejamos que encontrem felicidade ao construírem o seu caminho;
- Porque as nossas utopias de paz, de alegria total e plena, de necessidades satisfeitas para todos, de fraternidade, de liberdade e igualdade, esboroam-se num átimo;
- Porque temos necessidade de expiar a nossa culpa, de alguma forma, os guardiões das crianças indefesas, que ainda não têm a capacidade plena de discernimento e de autonomia;
- Porque não conseguimos ser mais inocentes, mais genuínos, mais intensos e puros de intenções, mais singelos nas necessidades, mais sinceros conosco mesmos, assim como são as crianças que perdemos;
- Porque nos perdemos em nossa busca de poder, em nossa ganância, em nossa falta de propósito para a vida;
- Porque estamos ofuscados em nossa miopia quanto ao tempo, quanto as essências da vida, incapazes de enxergar o que realmente importa.
O mundo não é justo. O mundo não é perfeito. Só nos resta cultivar, com vontade, a esperança, imitando uma “qualidade” da criança: a teimosia (insistência obstinada em querer o que acredita, que deseja ou que acha que é o certo a fazer).
Relator:
Fernando MF Oliveira
Coordenador do Blog Pediatra Orienta da Sociedade de Pediatria de São Paulo
Foto: hay dmitriy | depositphotos.com