Ar seco e efeitos sobre o aparelho respiratório: mitos e verdades

Os efeitos do clima sobre os pulmões e vias aéreas tem sido um motivo de constantes reportagens pela mídia, chegando a acreditar que o tema esteja localizado, em termos de importância, logo depois dos escândalos políticos e assassinatos!!! Também é motivo de constantes preocupações para os pais e os médicos.

Muito tem sido falado, mas realmente há poucos estudos que possam dar subsídios científicos definitivos sobre os efeitos reais disso sobre o aparelho respiratório e como separar isso das outras causas que agem sobre os pulmões e vias aéreas e que ocorrem simultaneamente?

Assim sendo, tentaremos lançar alguma luz sobre alguns conceitos, sobre os quais existe muita dúvida, mesmo que ainda não seja um assunto esgotado pela ciência.

Questões comuns:

  1. O clima seco afeta o aparelho respiratório?
    O ar precisa ser umidificado e hidratado antes de chegar aos alvéolos, onde ocorre a troca gasosa (o oxigênio entra no sangue e o gás carbônico é eliminado). Entretanto toda a estrutura de cílios e glândulas, que existe nas vias aéreas é efetiva em fazer com que na hora da troca gasosa o ar esteja na temperatura e em condições de umidade corretas e sem impurezas, que são retiradas. Existe uma exceção em relação aos casos em que a pessoa respira exclusivamente pela boca. Nesses casos, talvez, em situações de ar extremamente seco, possa ocorrer algum prejuízo. Entretanto, não há trabalhos que demonstrem quanto de obstrução nasal precisa existir para que o ar chegue ao aparelho respiratório em condições ruins. Sabe-se de estudos, com mergulhadores (que respiram exclusivamente pela boca) que podem respirar oxigênio com 0% de umidade por 3 horas, sem aparecimento de inflamação ou  qualquer outra lesão ao aparelho respiratório. Assim, não parece que a falta de umidade do ar seja o fator mais importante, mas o que a falta de umidade causa ao tipo de ar que se respira.
  2. Por que na época da seca ocorrem mais infecções respiratórias?
    Um dos fatores mais importantes é que a falta de chuvas impede que ocorra a dispersão dos poluentes atmosféricos, que ficam em suspensão no ar. Esses sim, são definitivamente prejudiciais ao aparelho respiratório, causando desde asma à maior incidência de câncer, passando por várias outras doenças respiratórias, como doenças intersticiais e bronquiolites. Sabe-se, inclusive, que os volumes respiratórios de crianças que crescem em regiões com altos níveis de poluição ambiental são menores que os de crianças que respiram ar de melhor qualidade. Assim, esse fator é sem dúvida, o maior responsável pelo aumento de internações e maior gravidade das doenças respiratórias durante a seca. É o que faz seus olhos arderem e o nariz ficar seco. Outro fator que aumenta as infecções nessa época é uma maior prevalência dos vírus que causam doença respiratória. Assim, pode-se explicar porque ocorrem mais quadros respiratórios tanto em estados com inverno seco, como São Paulo, Goiás, Mato Grosso, etc, quanto no Rio Grande do Sul, onde o inverno é úmido.
  3. Será que o uso de umidificadores domésticos poderia minimizar os efeitos da seca?
    Definitivamente, não. Já que isso está presente no ar em suspensão em partículas muito pequenas, somente as chuvas com limpeza do ar e a deposição das partículas no solo podem melhorar a qualidade do ar.
  4. Há algo que possa ser feito para melhorar isso?
    Plantar árvores, controlar a poluição do solo, reciclar o lixo, utilizar menos veículos automotores e outras medidas que os ambientalistas têm alardeado e que temos ouvido pouco. E de todas elas, a mais importante é o plantio de árvores. Há alguns trabalhos que mostram que o ar que existe sob as copas das árvores em áreas de floresta, tem qualidade diferente do respirado nos centros das cidades, numa mesma região.
  5. Então só grandes ações governamentais podem ter efeito nesse evento?
    O governo tem as principais ferramentas, mas todos podemos ajudar, pois cada ação isolada, pode ficar grande, se se unir a outras. Plante uma árvore, regule seu carro, ande a pé. Não diga não tenho nada com isso.
  6. Mas eu posso usar meu umidificador, pois sinto que o ar parece melhor para respirar…
    Poder pode, mas nem sempre convém. Por exemplo, o umidificador leva, obviamente, a um aumento de umidade dentro de casa que propicia o crescimento de fungos (mofo) e aumento da proliferação de ácaros, os principais responsáveis pela ocorrência de alergias. Dessa forma, a mãe que liga o umidificador à noite porque o filho está tossindo, pode estar sendo responsável pelo aumento ou manutenção da tosse do mesmo, se ele for alérgico. Lembre-se que o quarto está cheio de móveis de madeira, bichos de pelúcia, estofados, brinquedos e muitas vezes papel de parede!!! Pode ficar tudo mofado, mesmo que você não esteja vendo!!! Caso queira utilizar esse dispositivo seria recomendável usar por curtos períodos (1 ou 2 horas), no banheiro e, no dia seguinte, o quarto e a casa devem ser arejados. Na verdade, nos períodos de seca é muito mais efetivo o uso de soro fisiológico nas narinas, várias vezes durante o dia e tomar muita água, mesmo durante a noite.
  7. Mas o umidificador não é bom de ser ligado no calor?
    Outra confusão que as pessoas fazem. Normalmente durante o verão há bastante umidade e o uso do umidificador pode agravar ainda mais a ocorrência de fungos que aumenta nessa estação. Não existe relação entre umidade e frescor, a não ser que chova!!! Por outro lado, o ar condicionado e o ventilador podem (e devem!) ser ligados, pois, principalmente o primeiro, quando bem conservado, com higienização freqüente de filtros, pode melhorar a qualidade do ar para o alérgico, não permitindo o crescimento de fungos e ácaros. Só se deve ter o cuidado de não deixar que a temperatura caia muito durante a madrugada, o que pode ocasionar gripes e resfriados. Assim, podem ser ligados, mas desligados durante a noite, antes que fique muito frio ou seco.
  8. Em que situações o ar fica muito seco e devem ser evitadas?
    Seriam as situações em que o indivíduo fique exposto a ambientes externos, durante os períodos do dia em que a umidade seja muito baixa, por exemplo, das 12 às 16 horas nos dias muito quentes. Evitar esportes ao ar livre nesse período do dia, exceto a natação. Nas situações em que se exige respiração muito rápida, como por exemplo, na corrida, o aparelho respiratório pode não ser capaz de umidificar e aquecer o ar corretamente, levando a ressecamento de mucosas e desidratação pelo calor e perda de suor.

Dessa forma, é preciso cuidar do ambiente e preservar, pois há pouco a se fazer quando se destrói o equilíbrio da natureza. Assim, evite exposições desnecessárias ao calor e secura do ar, deixando os exercícios ao ar livre para o início da manhã ou o fim da tarde. Evite correr em avenidas movimentadas, pelos altos níveis de poluição ambiental. Tome muita água e lave o nariz e olhos com soro fisiológico várias vezes por dia. Evite a poluição domiciliar, causada pelo cigarro e sempre que possível, faça a sua parte: plante uma árvore.

 

Relatora: Dra Lídia Alice Gomes M. M. Torres
Membro do Departamento de Pneumologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo – gestão 2007-2009; Chefe da Unidade de Pneumologia Pediátrica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo.

 

Texto recebido em 29/10/2008.