Pediatra há 35 anos e de formação na cidade do Rio de Janeiro, vim iniciar a minha vida profissional em São Paulo, após ter casado com um paulista não médico.
Meu primeiro filho nasceu em 1985, em São Paulo, de parto cesariana após um período longo de trabalho de parto. Nessa época, nossa formação universitária era pobre em informação sobre amamentação e o conceito sobre pouco leite ou leite materno insuficiente dominava os livros de Pediatria. Apesar de o alojamento conjunto não ser a prática hospitalar na época, meu filho permaneceu muitas horas no quarto ao nascimento. Não sei se no berçário ofereceram água, chá ou mesmo outro leite, prática também comum na época.
Nos primeiros dias o aleitamento exclusivo se estabeleceu com o que hoje chamamos de livre demanda. Em torno dos 15 dias de vida, em uma noite, meu filho chorou muito e tinha uma “certa” recusa ao meu leite. Comecei a abrir os livros de Pediatria e lá estava a frase “Uma causa de choro em bebês era leite fraco e pouco leite”. Será que esse era o meu caso? Tarde da noite pedi para meu marido que fosse comprar uma lata de leite e iniciei o aleitamento misto.
Apesar da fórmula, ele demorou a dormir, porém fez um sono mais prolongado e então pude descansar. No outro dia, na hora do banho, verifiquei que em um de seus dedos da mão havia um pequeno abcesso decorrente, provavelmente, do corte da unha do dia anterior. Compreendi o choro do dia anterior e talvez por insegurança materna mantive a fórmula. Naquela hora eu era mãe e não pediatra. Ficou em aleitamento misto até três meses de vida quando voltei ao trabalho e, também, iniciei a alimentação complementar conforme orientação científica da época.
Em 1990 nasceu minha filha, ano em que o atual Banco de Leite Humano do Hospital Regional Sul começa suas atividades. Este banco de leite, inicialmente inaugurado na sede administrativa, tinha que se afirmar como o único banco de leite do Brasil fora de uma unidade hospitalar. Eu era e sou a responsável técnica. A pressão sobre a possibilidade de que eu seria uma doadora foi grande, e com certeza dificultou a minha possibilidade de aleitamento prolongado e exclusivo.
Muitas noites me senti angustiada durante o aleitamento e com certeza desejaria não estar amamentando. Será o que seria hoje chamado de depressão pós-parto? Minha filha chorava muito e nada saciava. Apesar de acordar com a roupa molhada de leite o choro era frequente.
Esse quadro emocional cedeu espaço para a introdução de fórmula precocemente. Hoje, com os conhecimentos sobre o aconselhamento em amamentação, entendo perfeitamente que faltou alguém para ouvir as minhas ansiedades e me apoiar naquele período em que estava tão só e sendo cobrada para, além de amamentar exclusivamente, ser uma doadora de leite para o recém-inaugurado Banco de Leite.
Eu era pediatra e sabia da importância da amamentação exclusiva, porém, como mãe, eu estava só.
Os conhecimentos científicos sobre o leite humano, a experiência profissional que adquiro todos os dias com o trabalho de apoiar a amamentação e a importância de ouvir e apoiar a mulher em suas dificuldades durante esse processo me fizeram entender as dificuldades que tive em manter o aleitamento exclusivo, quando do nascimento dos meus dois filhos.
Dra. Rosângela Gomes dos Santos
Esposa do Adalberto, mãe do Fábio (32 anos) e da Patrícia (27 anos).
Pediatra do Departamento Científico de Aleitamento Materno da SPSP.
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Publicado em 24/08/2018.
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